António Mexia lidera a empresa
mais lucrativa, a EDP, com um salário de 2,5 milhões de euros anuais. Créditos Tiago
Petinga / Lusa
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Emanuel Santos | AbrilAbril |
opinião
A luta entre accionistas pelo
poder na EDP poderia deixar indiferente o cidadão português: dir-se-ia que
entre um capitalista americano e um capitalista chinês, venha o diabo e
escolha. Dir-se-ia mal.
(Ou, como se prepara a destruição
da EDP)
O Fundo Elliott é, desde Outubro
de 2018, o novo accionista qualificado da EDP, tendo adquirido para o efeito
uma posição de 2.29% no capital da empresa, correspondendo a um investimento de
cerca de 260 milhões de euros.
O propósito declarado deste
investimento foi o de combater a OPA lançada pelo accionista maioritário China
Three Gorges e, subsequentemente, aumentar o valor de mercado da empresa, assim
permitindo a realização de substanciais mais valias aquando da venda dessa
posição.
O primeiro objectivo está
conseguido: não apenas em resultado dos esforços do novo accionista, mas também
porque o accionista maioritário se revelou incapaz de ultrapassar obstáculos
colocados pelos reguladores (desde logo em Portugal, onde não seria permitido
aos investidores estatais chineses acumularem posições de domínio em simultâneo
na EDP e na REN), bem como o próprio preço proposto na OPA, que não se revelou
convincente em termos de mercado bolsista. Por todas essas razões, a OPA
faleceu de morte natural, sem ter sequer tido de aguardar pela sentença dos
mercados.
Este resultado favorece as
ambições do actual CEO (António Mexia), o qual não desejaria ver um qualquer
accionista adquirir na empresa uma posição de tal forma dominante que lhe
permitisse, sem oposição significativa dos restantes accionistas, definir a estratégia
da empresa e, naturalmente, a própria composição do Conselho de Administração
e, em particular, a designação de novo CEO. Isto é, objectivamente, os senhores
Mexia e Singer tinham (e têm) interesses comuns, não surpreendendo a comunhão
de pontos de vista que entre as duas partes se tem vindo a observar.
A luta entre accionistas pelo
poder na empresa poderia deixar indiferente o comum dos mortais, a começar pelo
cidadão português: dir-se-ia que entre um capitalista americano e um
capitalista chinês, venha o diabo e escolha. Mas se tal se dissesse, dir-se-ia
mal. Já veremos adiante o calibre moral do novo accionista americano mas,
independentemente de questões mais ou menos éticas, não se pode ignorar esta
diferença importante: o americano quer maximizar o lucro no mais curto prazo
possível, enquanto o chinês tem uma estratégia de fortalecimento da sua
presença na Europa e na América, designadamente no sector das energias
renováveis, para a qual a EDP é instrumental. Isto é, o interesse chinês de ter
uma EDP como principal empresa energética em Portugal e como player de alguma
importância em vários países europeus e da América Latina e do Norte está mais
alinhado com os interesses do País do que a estratégia Elliott + Mexia.
E qual é esta? Vender activos,
desde logo em Portugal e Espanha, mas também no Brasil e noutras geografias. E
que activos? Pois os mais valiosos, ou sejam os que se inserem no sector das
renováveis (barragens hidroeléctricas, eólicas e o mais que se verá). As
barragens, esses equipamentos para os quais a EDP adquiriu do Estado Português
a concessão em condições especialmente favoráveis (na altura tratava-se de
enfeitar o mais possível a noiva, para depois a privatizar, em termos que
enchessem o olho aos mercados). As eólicas, às quais se encontram garantidos
preços de aquisição de energia que muito têm sobrecarregado o défice tarifário
suportado e a suportar pelo consumidor português.
É de recear que os menos de 30%
que os accionistas chineses têm na empresa não sejam suficientes para obstar a
esta estratégia que, a ser consumada, transformará a EDP na segunda CIMPOR ou,
pior ainda, na segunda PT1.Perguntar-se-á
como é possível que um accionista com menos de 3% da empresa consiga a proeza
de desmantelar o porta-aviões da pequena frota empresarial nacional. A resposta
tem três elementos: um Conselho de Administração cúmplice com a estratégia
desse accionista, um conjunto de restantes accionistas menores míopes e
deslumbrados por resultados de curto prazo e, sobretudo, um Estado inerme, destituído
de instrumentos de intervenção e, sobretudo, de vontade de intervir.
2. O senhor Paul Elliott Singer
tem várias tropelias no seu já
longo cadastro financeiro, incluindo intervenções litigiosas e bem sucedidas
sobre as dívidas soberanas do Peru e da República Popular do Congo2.
Em 2001, a Argentina entrou
em default3 relativamente
a 80 milhares de milhões de dólares USD4.
Em sequência, foi feito um acordo de credores pelo qual estes aceitavam saldar
o seu crédito por 30% do valor nominal da dívida. O acordo foi aceite pelos
credores que representavam 93% do valor em dívida. Veio o senhor Singer, que
tinha feito um investimento de 117 milhões de dólares, e colocou a Argentina em
tribunal, reclamando o integral pagamento da dívida nominal. A jurisdição do
pleito não podia deixar de ser os EUA, onde o tribunal de Manhattan achou por
bem dar razão ao queixoso. Continuando a Argentina a não cumprir a ordem do
tribunal para pagar ao senhor Singer, decidiu o mesmo tribunal pelo arresto das
posições em dólares que a Argentina, o seu banco central e demais instituições
detinham em bancos nos EUA. Depois de várias vicissitudes, incluindo o
apresamento em Acra do navio-escola argentino ordenado por um tribunal do Gana,
a Argentina, já com o novo presidente Maurício Macri, cedeu em toda a linha às
exigências dos tribunais americanos, suscitando assim a legítima indignação dos
restantes credores que tinham sido pagos a 30% e que, naturalmente, exigem
agora o completo ressarcimento dos seus créditos.
Com esta operação, o senhor Singer
embolsou 2,4 milhares de milhões de dólares (o que se compara com o
investimento inicial de 117 milhões). Foram 15 anos de luta em tribunal, mas a
recompensa final não foi totalmente desinteressante (multiplicação dos recursos
investidos por factor superior a 20), para além da justa fama conseguida, de
resto partilhada em alguma medida pelo honorável juiz de Manhattan, não se
sabendo se este algo mais partilhou com o queixoso5.
Sabe-se sim que a Argentina hoje
está sob a intervenção do FMI e que a probabilidade de novo default da
sua dívida pública é elevada.
3. Conclusão
É este o jaez do novel accionista
da EDP.
É também evidente que o Governo
PS, em nome da defesa dos interesses do Estado Português, deveria travar o
desmembramento da EDP, inclusive impedindo a venda das suas barragens e parques
de energias renováveis.
Mas o único caminho seguro e
certo e do completo interesse nacional, com vista a obstaculizar à destruição
da EDP e sua recolocação ao serviço do desenvolvimento e independência
nacionais, é a da completa reversão da sua titularidade, ou seja, o seu
regresso urgente a um inequívoco controlo público.
Notas:
1.PT
é o acrónimo de Portugal Telecom, agora Altice.
2.Paul
Elliott Singer (1944) é um bilionário americano, gestor de fundos de
investimentos do tipo «fundo abutre», membro e activista político do partido
Republicano, e apoiante milionário da campanha de Donald Trump. Singer, formado
em Psicologia e em Direito, é especialista em comprar dívida soberana por baixo
preço, através da sua firma, a Elliott Management Corporation, para exigir nos
tribunais o pagamento quando os países emissores se encontram em crise e têm
dificuldade em pagá-la. Segundo o New York Times (27 de Agosto de
2010), Singer e outros investidores da Elliott Management são no conjunto, «a mais elevada fonte de contribuições para o Comité Nacional
Republicano no Senado». O «capitalista abutre» – como é designado nos meios
financeiros, pelo tipo de actividade que desenvolve – começou a comprar dívida
soberana da Argentina, do Peru e do Congo-Brazzaville em 1996. Na vida política
é um dos milionários que apoiam os esforços dos irmãos Koch para quebrar a espinha ao movimento sindical e fazer
eleger, em todos os níveis do sistema eleitoral dos EUA, candidatos favoráveis
ao grande capital. É também um activo sionista, tendo sido escolhido
por George W. Bush para incluir uma Delegação Honorária que acompanhou o
presidente dos EUA a Jerusalém, em Maio de 2018, às celebrações do 60.º
aniversário do Estado de Israel. Aliás, o bilionário faz parte dos corpos
directivos da Coligação Judaica Republicana e foi director no Instituto Judaico
Para os Assuntos da Segurança Nacional. Apoiou praticamente todos os candidatos
e pré-candidatos do Partido republicano mais ligados às grandes fortunas. Mais
recentemente, em 2016, apoiou o senador Marco Rubio contra Donald Trump mas,
depois de este ter vencido as primárias, foi um dos 25 milionários que contribuiu com um milhão de
dólares para a campanha de Donald Trump (Forbes, 17 de Abril de 2017).
«Capitalista abutre», sionista, oponente dos sindicatos e um dos maiores
financiadores do mesmo Donald Trump que ameaçou proibir a EDP de entrar no
mercado dos EUA se a OPA da chinesa Three Gorges tivesse êxito, são algumas das
faces de Paul Elliott Singer.
3.Um default,
em finanças, é o incumprimento das obrigações legais ou condições de um
empréstimo. Fonte: Wikipédia.
4.Ulteriores
referências simplesmente em «dólares» referem-se à moeda americana.
5.Thomas
Poole Griesa (1930-2017) foi nomeado Juiz Distrital dos EUA para o Tribunal do
Distrito Sul de Nova Iorque em 1972, pelo presidente Richard Nixon. Embora não
tenha sido o único caso polémico da sua carreira, ficará recordado pela decisão
tomada a favor do financeiro-abutre (não confundir com fundo-abutre) Paul
Elliott Singer contra o estado argentino, que levou ao default deste
em 2014 e a uma grave crise económica e social que perdura até hoje naquele
país sul-americano. Paul Singer ganhou com a operação 2,4 milhares de milhões
de dólares. A decisão foi criticada até pelo FMI e pelo governo
norte-americano, segundo o Washington Post (30 de Julho de 2014).
O economista e prémio Nobel Joseph Stieglitz, em declarações reportadas
pelo New York Times (30 de Julho de 2014), afirmou na altura que, com
a decisão do juiz Griesa, «a América atirou uma bomba contra o sistema
económico mundial». A mesma edição o NYTregistava a indignação de Axel
Kicillof, ministro da economia argentino do governo da presidente Cristina
Kirchner e responsável pela negociação com o Fundo Elliott, que apelidava a
mesma de «extorsão» e que «se recusava a assinar um acordo que comprometia o
futuro dos argentinos». O articulista do jornal mostrava-se espantado por «um fundo de investimento com 300 trabalhadores» ter conduzido
«um país com 41 milhões de habitantes» a uma «humilhante rendição». O juiz
Griesa saudou a vitória de Mauricio Macri nas eleições de 2015, como
assegurando que o conflito em torno do default iria ser resolvido (Bloomberg,
19 de Fevereiro de 2016). Efectivamente, o neoliberal Macri aceitou todas as
condições impostas pelo tribunal.
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