sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Salazar encarcerava assim | Campo do Tarrafal, o campo da morte lenta

Vista da entrada do Campo de Concentração do Tarrafal (mais fotos no original)
A Colónia Penal do Tarrafal foi criada pelo Governo português do Estado Novo, corria o ano de 1936. Fica situada no extremo norte da ilha de Santiago, em Cabo Verde, num lugar ironicamente chamado de Chão Bom.

Filipe Morato Gomes | Alma de Viajante

O complexo prisional terá sido inspirado nos campos de concentração nazis, tendo como objetivo não declarado a eliminação dos opositores políticos ao regime fascista de Portugal. As condições de encarceramento eram deploráveis, com os presos a serem sujeitos a uma alimentação muito deficitária e à execução de trabalhos forçados; além da ausência quase total de medicamentos.

As palavras atribuídas tanto ao diretor do Campo de Concentração do Tarrafal, Manuel dos Reis (“Quem vem para o Tarrafal vem para morrer.”) como ao médico Esmeraldo Pais Prata (“Não estou aqui para curar, mas para assinar certidões de óbito.”) são bem elucidativas do inferno a que seriam sujeitos os presos no Tarrafal.

Foi, pois, na companhia desses pensamentos que me dirigi à antiga prisão do Tarrafal. Na verdade, já a tinha visitado em 2007, pelo que, descontando as notórias melhorias entretanto introduzidas ao nível da preservação e musealização do espaço, sabia mais ou menos o que iria encontrar. O que não sabia é que iria fazer uma visita guiada ao Campo do Tarrafal.



O nome dos presos no Campo de Concentração do Tarrafal
A minha visita ao Campo de Concentração do Tarrafal

Assim que cheguei ao Campo de Concentração do Tarrafal, localizado a pouco mais de 3km do centro da vila, o jovem guia cabo-verdiano que guardava a entrada ofereceu-se para o mostrar. Sugeriu, antes de mais, que visse um pequeno filme sobre a história do antigo complexo prisional no chamado Museu da Resistência do Tarrafal. Naturalmente, aceitei a sugestão.

O museu é uma pequena sala integrada no projeto de preservação do Campo do Tarrafal, que visa “dar dignidade ao espaço e às memórias das vítimas”.

Terminado o filme, que contextualizava a existência da prisão do Tarrafal, dirigi-me então ao interior da penitenciária.

Não há, na verdade, muito a contar. O ambiente era pesado como em qualquer campo de concentração. Daqueles locais para visitar em respeitoso silêncio.

Vi as celas, a enfermaria, a cozinha e até a infame “Frigideira”, uma solitária brutal de onde os prisioneiros saíam “sujos, mirrados e desgrenhados”, parecendo “seres evadidos da cela de tortura de um manicómio”, “com vincos de martírio cavados no fundo dos rostos esquálidos”. 

Vi a lista com os nomes dos prisioneiros detidos no Tarrafal, escritos numa parede em jeito de homenagem.

Mas o que verdadeiramente me impressionou foram os relatos do guia, cujo nome infelizmente não registei, sobre as degradantes condições em que os detidos se encontravam, praticamente sem comida nem medicamentos nem sequer esperança.

"A dieta no Campo do Tarrafal
A dieta no campo de concentração era uma arma e foi utilizada para humilhar os presos; para além de ser uma das principais fontes de doenças como o beribéri, escorbuto, xeroftalmia, anemia, infeções intestinais, entre outras (1). A comida era sempre a mesma, de péssima qualidade, diminuta e mal confecionada. Era de tal modo intragável que os presos tapavam as narinas com bolas de pão para conseguirem ingeri-la". in informação exibida na antiga cozinha do campo

Caminhei pelo espaço ajardinado entre as celas, em fúnebre silêncio, imaginando o sofrimento dos homens cujo destino terminou ali mesmo, em Chão Bom.

O Campo do Tarrafal não é bonito, mas visitá-lo é um imperativo moral. “Tarrafal, nunca mais!”.

Nota PG
(1) - Foram 36 os prisioneiros políticos que morreram no Tarrafal: 32 portugueses, 2 angolanos e 2 guineenses

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