domingo, 1 de setembro de 2019

Brexit: Oposição articula governo temporário para barrar saída sem acordo



Com pouco tempo restante para a saída oficial da União Europeia (UE),  e com limitações jurídicas que reduzem o poder do Parlamento legislar para barrar uma eventual saída sem acordo, os Partidos de oposição ao governo britânico se articulam para impedir que o país saia abruptamente no dia 31 de outubro*. Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista (Labour Party), o maior Partido de oposição no Parlamento, propôs um plano para um voto de não-confiança** ao governo de Boris Johnson. De acordo com o plano, Corbyn lideraria um Gabinete temporário com o objetivo de conseguir uma extensão ao prazo de saída junto à UE e, por conseguinte, a convocação de novas eleições gerais.

O plano de Corbyn, porém, foi alvo de crítica de membros de outras agremiações partidárias ao governo Conservador. Caroline Lucas, membro do Parlamento pelo Green Party (Partido Verde Britânico), apoiou o plano de Corbyn, mas declarou que prefere um segundo referendum antes de uma nova eleição parlamentar. Posição similar adotada pelo Plaid Cymru, partido nacionalista galês. 

O grande entrave se encontra na baixa aceitação da figura de Jeremy Corbyn como líder de um possível governo temporário. Ele foi alçado líder do Labour Party em 2015 com o apoio de mais de 250 mil correligionários. Apesar de ocupar cargo de membro do Parlamento desde 1983, Corbyn nunca fez parte dos quadros principais de liderança do Trabalhista, pelo contrário, ele foi um dos parlamentares que mais se opôs às propostas de seu próprio Partido. A sua eleição em 2015 representou um direcionamento mais à esquerda em relação às tendências mais liberais dos governos de Tony Blair e Gordon Brown.

Defensor de propostas polémicas como a de renacionalização de certos setores da economia e desarmamento nuclear nacional unilateral, Corbyn sofreu com grande resistência por parte de seus colegas de Partido. Em 2016, em novo pleito pela liderança, reconfirmou o apoio de seus eleitores, alcançando dessa vez mais de 300 mil votos na última rodada de votações. Apesar do apoio recebido, ainda assim continuou sendo alvo de oposições dentro de seu próprio grupo partidário. Em 2019, nove membros do Parlamento abandonaram o Labour Party alegando serem contra à hesitante abordagem de Corbyn em relação ao Brexit e à maneira com que lidou com acusações de antissemitismo dentro do Partido.


Além da resistência recebida, um governo temporário liderado por Corbyn encontraria dificuldade ainda maior na tentativa de convencer rebeldes do Partido Conservador a formarem a maioria necessária para derrubar o governo de Boris Johnson. Após o anúncio do plano, conservadores anti-Brexit, como o parlamentar Dominic Grieve, declararam-se firmemente contrários à possibilidade de Corbyn liderar um governo temporário. 
  
Jo Swinson, líder do Partido Liberal Democrata (Liberal Democrats), também da oposição e que atualmente conta com 15 representantes no Parlamento, recebeu com pessimismo a notícia dos planos de Corbyn. Swinson sugeriu, ao invés, a nomeação de Ken Clarke, do Partido Conservador, ou Harriet Harman, do Labour, como líderes mais viáveis para um governo temporário. Clarke e Harman são ambos o homem e a mulher com mais tempo de serviço na House of Commons, como é chamada a Câmara dos Deputados britânica, e possuem posições contrárias à um hard-Brexit***. A nomeação de um desses dois líderes poderia ser mais agradável aos opositores de Jeremy Corbyn.

A viabilidade do plano de Corbyn dependerá principalmente de como o governo de Boris Johnson lidará com a tentativa de fazer alguma modificação ao que foi costurado durante dois anos pelo gabinete de Theresa May. Boris assumiu publicamente o compromisso de levar a cabo a saída do Reino Unido da UE, com ou sem acordo, no dia 31 de outubro. Ele se encontrou na semana passada com Angela Merkel e Emmanuel Macron (em antecedência ao encontro do G7 na França), para discutir possíveis pontos de mudança em relação ao acertado.

Além da opção de um voto de não confiança e a instalação de um novo governo, outra maneira de barrar uma saída, sem um acordo, seria através de novas legislações propostas pelo Parlamento. Porém, alguns especialistas vêem essa via com dificuldades, já que, mesmo que consiga passar leis ou recomendações para barrar uma saída abrupta no dia 31 de outubro, a decisão final ficaria nas mãos do gabinete de Boris Johnson, que possui o controle do calendário parlamentar, podendo, assim, barrar que os seus membros aprovem nova extensão. E mesmo que uma nova legislação fosse aprovada, caberia ultimamente ao governo colocá-la em prática. 

O grande medo de repercussões desastrosas para o futuro da economia britânica traz uma grande probabilidade de que a oposição consiga convencer conservadores anti-Brexit a votarem por um governo temporário. O dilema será aceitar ou não que Corbyn se torne Primeiro-Ministro, mesmo que por um curto período de tempo.

Notas:
* Data atual acordada entre a UE e Reino Unido para a saída oficial.
** O voto de não-confiança é uma votação em sistemas parlamentares que indicam se o governo possui ou não a maioria necessária para continuar no poder. Caso o governo perca essa votação, inicia-se o processo para a formação de um novo Gabinete. No sistema britânico, um voto de não-confiança não leva necessariamente à uma nova eleição. Um novo governo pode ser formado pela oposição, desde que haja maioria suficiente para isso.
*** Termo usado para se referir à um possível Brexit sem nenhum acordo, e com uma conotação mais pessimista.

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