Evolução do emprego – leitura
enviesada das estatísticas
A precariedade dos vínculos que
se traduz na precariedade da vida
Tiago Cunha | AbrilAbril
No debate entre Jerónimo de Sousa
e António Costa, o líder do PS afirmou que 92% dos 350 mil empregos
criados entre 2015 e 2019 foi feito com vínculo estável, sem termo.
António Costa faz uma leitura
enviesada dos dados, para turvar a verdade e esconder a realidade que hipoteca
a vida de mais de 1 milhão de portugueses que têm na precariedade no
emprego um elemento determinante para a instabilidade das suas vidas.
O que nos dizem os dados? É
verdade que a estabilidade passou a ser a regra e a precariedade uma excepção?
Os mesmos dados do INE,
publicados nas mesmas estatísticas usadas por António Costa, abrem as portas a
uma outra realidade, que Jerónimo de Sousa denunciou no debate – a do flagelo
da precariedade.
Se olharmos para a antiguidade
dos trabalhadores ao longo da legislatura1 verificamos
que mais de metade (53,6%) nunca ultrapassa os seis meses de
permanência na mesma empresa, estando amarrados a um ciclo viciado de emprego2 – desemprego
– novo emprego em nova empresa – nova situação de desemprego…
São mais de metade aqueles
que iniciaram um novo emprego ao longo da legislatura e que não vêem a
apregoada estabilidade, o que desmente os dados pomposamente apresentados por
António Costa.
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego; |
Para se compreender melhor esta
dinâmica, uma vez que o mercado de trabalho continua a ser altamente volátil,
imagine-se uma empresa do ramo hoteleiro com 50 trabalhadores no 2.º trimestre
de 2015, dos quais 25 são efectivos e os restantes têm um vínculo precário.
Imagine-se ainda que no 2.º trimestre de 2019 eram já 55 os trabalhadores desta
empresa e que agora eram 29 os trabalhadores com um vínculo efectivo e 26 com
um vínculo precário. Aumentou o emprego e também o emprego estável.
Mas a realidade vista desta forma
esconde que pelos 26 postos de trabalho ocupados com vínculo precário, ao longo
dos quatro anos, poderão ter passado 50, 60, 70 trabalhadores presos na roda da
precariedade. E o número de trabalhadores com vínculo precário continuou a
aumentar ao longo da legislatura – são mais 33,4 mil trabalhadores, passando a
ser 732,2 mil o número de trabalhadores com contrato a termo (assim
identificados pelo INE), quando em 2015 não chegava aos 700 mil.
Uma vez que não se ataca este
flagelo (que dá milhões aos patrões que pagam em média menos 30% de salário a
um trabalhador com contrato a termo certo em relação a outro com vínculo
estável), o número de trabalhadores com vínculo precário continua a
colocar Portugal como o terceiro país de toda a União
Europeia com maior proporção de contratos de trabalho não permanentes.
Assim, no 2.º trimestre de 2019
a percentagem de trabalhadores com vínculo precário era
superior à verificada no 2.º trimestre de 2006, há 13 anos atrás…
Mas António Costa tem ao seu
dispor outras fontes de informação, pode aceder à chamada informação primária,
para aferir a evolução do tipo de contratos de trabalho celebrados no nosso
País.
Os últimos dados dos quadros de
pessoal (2017), por exemplo, indicam que no sector privado eram mais
de 35% os trabalhadores com um vínculo precário e que, entre os menores
de 35 anos, a precariedade ultrapassava os 53%.
Para dados mais recentes, poderia
ter recorrido aos dados do FCT (Fundo de Compensação do Trabalho), que parte
das declarações dos empregadores à Segurança Social e não de aproximações
estatísticas (como é o caso do INE). Teria chegado a outras conclusões.
Teria facilmente constatado que
ao longo da legislatura, entre Setembro de 2015 e 31 de Dezembro de 2018, foram
celebrados 838 043 novos contratos, o que tendo em conta o número de
postos de trabalho criados, dá uma ideia da brutal rotação presente no nosso
mercado de trabalho e do flagelo da precariedade que continua a ser a regra
para a maioria dos que dependem da venda da sua força de trabalho para sobreviver.
Destes 838 043 novos
contratos declarados pelos empregadores ao Instituto de Informática da
Segurança Social, 53% são temporários e/ou parciais. Para mais de 441 mil
trabalhadores é a insegurança, a instabilidade e os baixos salários que marcam
a sua «integração» no mercado de trabalho.
Uma realidade que, afinal, é bem
distinta da apregoada por António Costa e reflecte de forma mais aproximada as
denúncias do secretário-geral do PCP, reforçando a necessidade de se avançar
nas propostas de alteração à legislação laboral apresentadas por este partido
ao longo da legislatura.
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1.Utilizando
os mesmos dados trimestrais do INE (Quadro 7 das publicações), mas recorrendo a
uma análise da evolução de seis em seis meses – 2.ºs e 4.ºs
trimestres ao longo dos últimos quatro anos.
2.Emprego
esse que hoje será com vínculo precário, mas poderá passar a ser com um vínculo
efectivo associado a um período experimental, que a nova legislação coloca nos
seis meses e permite esta rotação sem pagar indemnização no final.
**Título PG
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