sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Portugal | A manipulação da realidade do emprego declarada por António Costa


Evolução do emprego – leitura enviesada das estatísticas

A precariedade dos vínculos que se traduz na precariedade da vida

Tiago Cunha | AbrilAbril

No debate entre Jerónimo de Sousa e António Costa, o líder do PS afirmou que 92% dos 350 mil empregos criados entre 2015 e 2019 foi feito com vínculo estável, sem termo.

António Costa faz uma leitura enviesada dos dados, para turvar a verdade e esconder a realidade que hipoteca a vida de mais de 1 milhão de portugueses que têm na precariedade no emprego um elemento determinante para a instabilidade das suas vidas.

O que nos dizem os dados? É verdade que a estabilidade passou a ser a regra e a precariedade uma excepção?

Os mesmos dados do INE, publicados nas mesmas estatísticas usadas por António Costa, abrem as portas a uma outra realidade, que Jerónimo de Sousa denunciou no debate – a do flagelo da precariedade.

Se olharmos para a antiguidade dos trabalhadores ao longo da legislatura1 verificamos que mais de metade (53,6%) nunca ultrapassa os seis meses de permanência na mesma empresa, estando amarrados a um ciclo viciado de emprego2 – desemprego – novo emprego em nova empresa – nova situação de desemprego…

São mais de metade aqueles que iniciaram um novo emprego ao longo da legislatura e que não vêem a apregoada estabilidade, o que desmente os dados pomposamente apresentados por António Costa.


Fonte: INE, Estatísticas do Emprego;
 No 2.º trimestre de 2015 havia 452,3 mil trabalhadores recém contratados. Contudo apenas 202 mil se mantiveram na mesma empresa. Para 250 mil trabalhadores o destino foi a instabilidade com a saída da empresa que há seis meses os havia contratado. E esta é uma realidade que se reproduz ao longo de toda a legislatura. Mais de metade dos novos trabalhadores está em rotação, em utilização precária, sem estabilidade e sem segurança. O mesmo posto de trabalho vai sendo ocupado de forma rotativa por diferentes trabalhadores…

Para se compreender melhor esta dinâmica, uma vez que o mercado de trabalho continua a ser altamente volátil, imagine-se uma empresa do ramo hoteleiro com 50 trabalhadores no 2.º trimestre de 2015, dos quais 25 são efectivos e os restantes têm um vínculo precário. Imagine-se ainda que no 2.º trimestre de 2019 eram já 55 os trabalhadores desta empresa e que agora eram 29 os trabalhadores com um vínculo efectivo e 26 com um vínculo precário. Aumentou o emprego e também o emprego estável.

Mas a realidade vista desta forma esconde que pelos 26 postos de trabalho ocupados com vínculo precário, ao longo dos quatro anos, poderão ter passado 50, 60, 70 trabalhadores presos na roda da precariedade. E o número de trabalhadores com vínculo precário continuou a aumentar ao longo da legislatura – são mais 33,4 mil trabalhadores, passando a ser 732,2 mil o número de trabalhadores com contrato a termo (assim identificados pelo INE), quando em 2015 não chegava aos 700 mil.

Uma vez que não se ataca este flagelo (que dá milhões aos patrões que pagam em média menos 30% de salário a um trabalhador com contrato a termo certo em relação a outro com vínculo estável), o número de trabalhadores com vínculo precário continua a colocar Portugal como o terceiro país de toda a União Europeia com maior proporção de contratos de trabalho não permanentes. Assim, no 2.º trimestre de 2019 a percentagem de trabalhadores com vínculo precário era superior à verificada no 2.º trimestre de 2006, há 13 anos atrás…

Mas António Costa tem ao seu dispor outras fontes de informação, pode aceder à chamada informação primária, para aferir a evolução do tipo de contratos de trabalho celebrados no nosso País.

Os últimos dados dos quadros de pessoal (2017), por exemplo, indicam que no sector privado eram mais de 35% os trabalhadores com um vínculo precário e que, entre os menores de 35 anos, a precariedade ultrapassava os 53%.

Para dados mais recentes, poderia ter recorrido aos dados do FCT (Fundo de Compensação do Trabalho), que parte das declarações dos empregadores à Segurança Social e não de aproximações estatísticas (como é o caso do INE). Teria chegado a outras conclusões.

Teria facilmente constatado que ao longo da legislatura, entre Setembro de 2015 e 31 de Dezembro de 2018, foram celebrados 838 043 novos contratos, o que tendo em conta o número de postos de trabalho criados, dá uma ideia da brutal rotação presente no nosso mercado de trabalho e do flagelo da precariedade que continua a ser a regra para a maioria dos que dependem da venda da sua força de trabalho para sobreviver.

Destes 838 043 novos contratos declarados pelos empregadores ao Instituto de Informática da Segurança Social, 53% são temporários e/ou parciais. Para mais de 441 mil trabalhadores é a insegurança, a instabilidade e os baixos salários que marcam a sua «integração» no mercado de trabalho.

Uma realidade que, afinal, é bem distinta da apregoada por António Costa e reflecte de forma mais aproximada as denúncias do secretário-geral do PCP, reforçando a necessidade de se avançar nas propostas de alteração à legislação laboral apresentadas por este partido ao longo da legislatura.
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1.Utilizando os mesmos dados trimestrais do INE (Quadro 7 das publicações), mas recorrendo a uma análise da evolução de seis em seis meses – 2.ºs e 4.ºs trimestres ao longo dos últimos quatro anos.

2.Emprego esse que hoje será com vínculo precário, mas poderá passar a ser com um vínculo efectivo associado a um período experimental, que a nova legislação coloca nos seis meses e permite esta rotação sem pagar indemnização no final.

**Título PG

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