Miguel Guedes* | Jornal
de Notícias | opinião
Os debates televisivos entre os
líderes dos partidos com assento parlamentar estão a ser um doce aperitivo para
a tranquilidade de uma eleição com vencedor antecipado. Resta saber por que
números se traduzirá a vitória do PS e, decorrentemente, como estará a saúde da
democracia portuguesa nos próximos quatro anos: truncada por uma maioria
autocrata ou saudável pela necessidade de convergências. Em todos os debates,
nenhum dos partidos se atreveu a plantar minas no terreno ou a estourar
foguetório por antecipação. O PS é o maior amigo da contenção e parcimónia, o
BE não acelera porque o vento sopra a favor e dá velocidade, o PCP tenta conter
danos emergentes que têm raízes fundas, o PSD prefere manter uma pose de Estado
sorumbática enquanto assiste à derrocada pela incapacidade de Rui Rio iluminar
um golpe de asa, o CDS finge que está tudo bem com aquele sorriso
condescendente de família conservadora que prefere um táxi confortável do que
um transporte sério para o debate público. Então e o que faz o PAN? Procura
sobreviver à informação que nos vai dando sobre a sua inconsistência.
Fundado em 2009 com o nome
"Partido pelos Animais" (PPA), inscreve-se oficialmente no Tribunal
Constitucional, dois anos depois, com o nome de "Partido pelos Animais e
pela Natureza" (PAN). Hoje, o P de "Partido" lê-se como P de
"Pessoas" e esse é o melhor encontro com a realidade que o PAN
consegue promover. O PAN, mais do que o partido que pretende ser, traduz-se num
grupo de pessoas que ainda não se libertou da sua génese puramente animalista e
ambientalista onde as pessoas são, sobretudo, a sigla de uma agenda. As pessoas
como adenda, na ausência de partido.
O PAN é um partido simpático, é
difícil não concordar com a maioria das suas propostas ambientais e não duvido
que seja constituído por muita gente de convicções e esforço. Mas a leitura do
seu programa eleitoral, amplamente dissecado esta semana, prega-nos bons
sustos. A proposta (entretanto emendada) onde o PAN previa a obrigatoriedade de
reconciliação (em sessões semanais) entre criminoso e vítima (ou seus
familiares) em crimes violentos, está longe de ser apenas um lapso ou erro
grosseiro. É uma aberração. Corresponde a uma visão animalesca da vida onde o
Homem pode ter um mundo de regras e possibilidades que o PAN nunca admitiria
aplicar a animais. O PAN tem apenas uma década de história mas a sua falta de
posicionamento ideológico acaba por tornar transparente a impreparação para
alavancar verdadeiras mudanças estruturais em política.
Em linguagem musical, PAN é a
abreviatura usada para "panorâmica", ou seja, traduz a possibilidade
de conduzir o som para a direita ou para a esquerda. Não podemos ser
condescendentes até o PAN decidir ao que vem e como. Em entrevista ao
"Expresso", entre muitas outras hesitações, André Silva não consegue
apontar um único erro à governação de António Costa. Isto não é Esquerda,
Direita ou Centro; é colagem. O PAN é a muleta perfeita para António Costa
governar em minoria com uma maioria absoluta. Um simulacro que pode ir a votos
em Outubro.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
Sem comentários:
Enviar um comentário