Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
O lugar e o valor atribuídos ao
trabalho são determinantes do rumo e do patamar de desenvolvimento de uma
sociedade. Sabemos pelos dados estatísticos disponíveis que a persistência da
desvalorização salarial, da precariedade e baixa qualidade de emprego - não
obstante a recuperação do emprego e a redução do desemprego - fazem parte da
metade do copo que não encheu na legislatura que agora está a terminar.
Segundo a OCDE, o salário médio
real em Portugal, que regrediu 7% entre 2009 e 2015, recuperou a partir daí até
ao final de 2018 apenas 0,68% do seu valor, encontrando-se ainda 4% abaixo do
nível que tinha no ano 2000. O INE diz-nos que o número de pessoas empregadas
com contrato a termo, ou outro tipo de vínculo precário, se mantém há bastantes
anos em torno dos 21%.
No debate televisivo com Jerónimo
de Sousa, António Costa afirmou, sem pestanejar: "A realidade económica
destes últimos quatro anos demostrou que dos 350 mil postos de trabalho criados,
92% foram contratos definitivos". O número é espantoso e falso. Surpreende
que António Costa não tenha solicitado a alguém para o verificar com seriedade.
A precariedade não é um problema resolvido e jamais se resolverá atirando-o
para debaixo do tapete.
Quanto à estagnação salarial,
António Costa reconhece-a como um problema a que é preciso dar resposta. É
positivo que não entregue a sua solução ao jogo da oferta e da procura no
mercado de trabalho como faz a Direita, que afirme não ser suficiente aumentar
o salário mínimo nacional, que reconheça a relação desastrosa entre estagnação
dos salários e declínio demográfico. Mas António Costa não enuncia medidas
indispensáveis, como a revitalização e qualificação da negociação coletiva, e
procura o remédio onde ele sabe muito bem ser quase impossível encontrá-lo - a
Concertação Social.
Este órgão de diálogo e
concertação continua com a estrutura, as relações de forças e as práticas do
velho "arco da governação". O fundamental das medidas de reposição de
rendimentos, de justiça social e de incremento da nossa economia jamais teriam
sido alcançadas a partir de negociações naquela sede. Foi aquele órgão que, em
grande medida, sancionou as políticas antilaborais e antissociais da troika e
da Direita e a mudança da estrutura da economia portuguesa induzida pela
desvalorização interna. As representações patronais ali presentes, gulosamente,
abraçaram aquelas políticas, mesmo reconhecendo que estrategicamente eram
desastrosas. Há naquele órgão demasiadas acomodações, rotinas taticistas de
sobrevivência e outras absolutamente perniciosas, que deviam ser debatidas na
campanha eleitoral.
Onde está a ambição
transformadora e a "paciência reformista" de António Costa?
Esgotaram-se num mandato que só existiu - e teve êxito - pela rutura com aquela
velha lógica de governação, com a valorização do Parlamento e dos compromissos
entre as forças políticas da Esquerda?
A estagnação salarial para ser
rompida requer articulação entre política de rendimentos e política industrial,
ambas orientadas para a valorização do trabalho e da produção. A sua formulação
exige negociação, desde logo na Concertação Social, mas não pode ficar
dependente das suas posições. São precisos compromissos políticos claros a
impulsionarem o processo.
*Investigador e professor
universitário
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