domingo, 6 de outubro de 2019

Angola | Pressões na origem da demissão de Rui Ferreira do Tribunal Supremo?


O Presidente João Lourenço aceitou o pedido de demissão de Rui Ferreira, juíz-presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Continua a discussão sobre os motivos da demissão. 

As pressões para a destituição de Rui Ferreira vinham de quase todos os lados. Em março de 2019, o maior partido da oposição, a UNITA, pediu a nulidade da nomeação de Rui Ferreira para o cargo de juiz-presidente do Tribunal Supremo.

Na altura, a UNITA tinha alegado inconstitucionalidade na sua indicação. Também este ano, um grupo de empresários e de ativistas cívicos fizeram uma petição a exigir a sua destituição do Supremo.

Em causa está o seu alegado envolvimento em atos de corrupção no caso Arosfram - um grupo empresarial de importação de bens alimentos extinta na sequência de um mandado de captura e condenação de um dos seus responsáveis pelos os Estados Unidos da América. A empresa foi acusada de financiamento ao terrorismo.


Ilídio Manuel, jornalista e analista angolano, não tem dúvidas, "a pressão, sobretudo externa" esteve na base da sua demissão.

O analista argumenta que "ele esteve numa posição insustentável e o Presidente da República já não tinha como segura-lo. Também houve uma série de negócios que não eram devidamente compatíveis com a função que ocupava num tribunal superior. Também a Arosfram que foi absolvida, mas deu lugar a criação de uma outra empresa e que estava praticamente atuar nos mesmos moldes."

Não existe nenhuma situação que obrigue um juiz a pedir demissão

Na carta de demissão, Rui Ferreira alega a existência de uma "campanha intensa e cruel de mentiras, deturpação de factos, intrigas, calúnias e insultos". Diz ainda que "essa alegada campanha tem lesado a sua reputação e dignidade e "afeta a sua saúde".

Mas, o quê, realmente, está na base do pedido de demissão do então juiz presidente do Tribunal Supremo? O jurista Albano Pedro faz um enquadramento jurídico afirmando que "não existe nenhuma situação concreta que obrigue um juiz a pedir demissão".

Mas também não tem dúvidas de que Rui Ferreira cedeu a uma pressão social, "porque do ponto de vista legal, o juíz só é obrigado a proceder desta maneira se houver alguma sindicância, algum procedimento criminal sobre ele que o coloca numa situação de impedimento. Ou seja, um processo a decorrer contra ele que é intentada junto do Tribunal Supremo e sendo ele juíz do Supremo, ali a lei obriga que ele peça demissão para que não se crie impedimento no julgamento do seu caso".

E esta quinta-feira (03.10), o Presidente angolano João Lourenço aceitou o pedido de demissão do juiz e diz que o fez por causa do "interesse da salvaguarda do bom nome da justiça angolana".

Pedido tinha de ser feito ao Conselho Superior da Magistratura Judicial

Mas a sociedade pergunta: a quem Rui Ferreira tinha de entregar a carta de demissão? Albano Pedro responde que tem havido um "erro de interpretação da Constituição angolana". Para ele, o pedido tinha de ser feito ao Conselho Superior da Magistratura Judicial.

"O conceito de nomeação por parte do Presidente da República é mal interpretado porque na prática significa mera confirmação, porque quem nomeia, no caso, é o Conselho Superior da Magistratura Judicial. Então, por maioria de razão, seria o conselho a receber e a se pronunciar sobre ele", explica o jurista.

Albano Pedro descreve Rui Ferreira "como um juiz com muitas valias de implementação, de reorganização do sistema judicial. O juiz demissionário estava no Tribunal Supremo a levar a cabo o processo de criação dos tribunais de Comarca e dos Tribunais de Relação.

Manuel Luamba (Luanda) | Deutsche Welle

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