sábado, 26 de outubro de 2019

DE MUITO GORDA, A PORCA JÁ NÃO ANDA


O fantasma da próxima crise penetra os salões do FMI. Ex-governador do Banco da Inglaterra avisa à seleta plateia: agora, será bem pior — porque a ganância e a soberba dos mercados bloquearam as alternativas políticas

Larry Elliott | Outras Palavras | Imagens: Marcos Guardiola Martin, Maguma, Deus do Dinheiro

A economia global caminha, como um sonâmbulo, rumo a uma crise financeira e económica que terá consequências devastadoras para o sistema de mercado, segundo Mervyn King, um ex-governador do Banco da Inglaterra (2003-13), hoje membro da Câmara dos Lordes do Reino Unido. King, ocupante do posto durante a grande crise global de 2008, que quase levou o sistema bancário à morte, afirmou que a resistência a um novo pensamento económico leva à conjuração de uma nova situação caótica, semelhante à daquele período.

Numa palestra em Washington, durante o encontro anual do FMI (14 a 20/10), ele afirmou que não houve nenhum questionamento essencial às ideias que levaram à crise, há uma década. “Outro abalo económico e financeiro seria devastador para a legitimidade de um sistema de mercado”, afirmou. “Quando nos aferramos à nova ortodoxia da política monetária e fingimos que tornamos o sistema bancário seguro, estamos caminhando, adormecidos, rumo àquela crise”.

King acrescentou que os EUA sofrerão um “armagedon financeiro”, se seu banco central – o Federal Reserve – não tiver o necessário poder de fogo para combater um episódio similar à liquidação do mercado de títulos podres relacionados a hipotecas.

Ao contrário do que acontece agora, argumentou ele, após a Grande Depressão dos anos 1930 surgiu um novo pensamento e deu-se uma mudança intelectual. “Ninguém duvida que estamos vivendo um período de turbulências políticas. Mas não há questionamento comparável das políticas económicas subjacentes. Isso precisa mudar”, disse ele.

O ex-governador do Banco da Inglaterra afirmou que raras vezes houve um clima económico e político tão pesado, citando a guerra económica entre EUA e China, os motins em Hong Kong, os problemas em países-chave como Argentina e Turquia, as tensões crescentes entre a França e a Alemanha a respeito do futuro do euro e o conflito político interno, cada vez mais ácido, nos EUA.




“As marolas na superfície de nossa política tornaram-se ondas ameaçadoras, à medida em que os ventos ganharam força” ele disse. Explicou que a economia mundial acostumou-se a uma armadilha de baixo crescimento e que a retomada, a partir da queda de 2008-09, é mais fraca que após a Grande Depressão dos anos 1930. “Depois da Grande Inflação [anos 1970], da Grande Estabilidade [1980-2000] e da Grande Recessão [pós-2009], entramos numa Grande Estagnação”, King afirmou que em 2013 o ex-secretário do Tesouro dos EUA. Larry Summers, reintroduziu o conceito de “estagnação secular”, um período duradouro de baixo crescimento, em que taxas de juros extremamente baixas são ineficazes. “Certamente, está na hora de admitir que estamos vivendo esta fase”, disse. Os modelos convencionais foram inúteis para contribuir com dois objetivos políticos importantes : tirar a economia mundial da armadilha de baixo crescimento e prepará-la para a próxima crise financeira.

“O pensamento convencional atribui a estagnação principalmente a fatores de produção, à medida em que a taxa de crescimento da produtividade parece ter caído. Mas os dados só podem ser interpretados a partir de um teoria ou modelo. E é surpreendente haver tanta resistência à hipótese segundo a qual não apenas os Estados Unidos, mas o mundo todo, está sofrendo de uma estagnação secular provocada por baixo consumo [“demanda”, no jargão economês].

Segundo King, o mundo entrou e saiu da crise financeira global com um padrão distorcido de produção e consumo [oferta e demanda]. Escapar permanentemente de uma armadilha de baixo consumo exigiria uma realocação de recursos de um componente de demanda para o outro; de um setor para outro; de algumas empresas para outras.

“Houve investimento excessivo em alguns setores da economia (o setor exportador da China e da Alemanha, e imóveis comerciais em outras economias avançadas, por exemplo) – e insuficiente em outros (a infraestrutura, em muitos países do Ocidente, por exemplo). Seria preciso produzir uma realocação maciça de recursos, tanto capital quanto trabalho. Mas isso exigiria um conjunto de políticas muito mais abrangente e refinado que apenas estímulos monetários”.

Ele, porém, advertiu: “Foi a incapacidade de agir em múltiplas frentes da política económica que levou à estagnação da demanda na última década. E a falta de iniciativas para lidar com a fraqueza estrutural da economia planetária gera um risco de outra crise financeira. Ela poderá não emanar, agora, do sistema bancário norte-americano, mas de sistemas financeiros fragilizados, em vastas partes do mundo”.

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