O fantasma da próxima crise
penetra os salões do FMI. Ex-governador do Banco da Inglaterra avisa à seleta
plateia: agora, será bem pior — porque a ganância e a soberba dos mercados
bloquearam as alternativas políticas
Larry Elliott | Outras Palavras | Imagens: Marcos
Guardiola Martin, Maguma, Deus do
Dinheiro
A economia global caminha, como
um sonâmbulo, rumo a uma crise financeira e económica que terá consequências
devastadoras para o sistema de mercado, segundo Mervyn
King, um ex-governador do Banco da Inglaterra (2003-13), hoje membro da
Câmara dos Lordes do Reino Unido. King, ocupante do posto durante a grande
crise global de 2008, que quase levou o sistema bancário à morte, afirmou que a
resistência a um novo pensamento económico leva à conjuração de uma nova
situação caótica, semelhante à daquele período.
Numa palestra em Washington,
durante o encontro anual do FMI (14 a 20/10), ele afirmou que não houve nenhum
questionamento essencial às ideias que levaram à crise, há uma década. “Outro
abalo económico e financeiro seria devastador para a legitimidade de um sistema
de mercado”, afirmou. “Quando nos aferramos à nova ortodoxia da política
monetária e fingimos que tornamos o sistema bancário seguro, estamos
caminhando, adormecidos, rumo àquela crise”.
King acrescentou que os EUA
sofrerão um “armagedon financeiro”, se seu banco central – o Federal Reserve –
não tiver o necessário poder de fogo para combater um episódio similar à
liquidação do mercado de títulos podres relacionados a hipotecas.
Ao contrário do que acontece
agora, argumentou ele, após a Grande Depressão dos anos 1930 surgiu um novo
pensamento e deu-se uma mudança intelectual. “Ninguém duvida que estamos
vivendo um período de turbulências políticas. Mas não há questionamento
comparável das políticas económicas subjacentes. Isso precisa mudar”, disse
ele.
O ex-governador do Banco da
Inglaterra afirmou que raras vezes houve um clima económico e político tão
pesado, citando a guerra económica entre EUA e China, os motins em Hong Kong,
os problemas em países-chave como Argentina e Turquia, as tensões crescentes
entre a França e a Alemanha a respeito do futuro do euro e o conflito político
interno, cada vez mais ácido, nos EUA.
“As marolas na superfície de
nossa política tornaram-se ondas ameaçadoras, à medida em que os ventos
ganharam força” ele disse. Explicou que a economia mundial acostumou-se a uma
armadilha de baixo crescimento e que a retomada, a partir da queda de 2008-09,
é mais fraca que após a Grande Depressão dos anos 1930. “Depois da Grande
Inflação [anos 1970], da Grande Estabilidade [1980-2000] e da Grande Recessão
[pós-2009], entramos numa Grande Estagnação”, King afirmou que em 2013 o
ex-secretário do Tesouro dos EUA. Larry Summers, reintroduziu o conceito de
“estagnação secular”, um período duradouro de baixo crescimento, em que taxas
de juros extremamente baixas são ineficazes. “Certamente, está na hora de
admitir que estamos vivendo esta fase”, disse. Os modelos convencionais foram
inúteis para contribuir com dois objetivos políticos importantes : tirar a
economia mundial da armadilha de baixo crescimento e prepará-la para a próxima
crise financeira.
“O pensamento convencional
atribui a estagnação principalmente a fatores de produção, à medida em que a
taxa de crescimento da produtividade parece ter caído. Mas os dados só podem
ser interpretados a partir de um teoria ou modelo. E é surpreendente haver
tanta resistência à hipótese segundo a qual não apenas os Estados Unidos, mas o
mundo todo, está sofrendo de uma estagnação secular provocada por baixo consumo
[“demanda”, no jargão economês].
Segundo King, o mundo entrou e
saiu da crise financeira global com um padrão distorcido de produção e consumo
[oferta e demanda]. Escapar permanentemente de uma armadilha de baixo consumo
exigiria uma realocação de recursos de um componente de demanda para o outro;
de um setor para outro; de algumas empresas para outras.
“Houve investimento excessivo em
alguns setores da economia (o setor exportador da China e da Alemanha, e
imóveis comerciais em outras economias avançadas, por exemplo) – e insuficiente
em outros (a infraestrutura, em muitos países do Ocidente, por exemplo). Seria
preciso produzir uma realocação maciça de recursos, tanto capital quanto
trabalho. Mas isso exigiria um conjunto de políticas muito mais abrangente e
refinado que apenas estímulos monetários”.
Ele, porém, advertiu: “Foi a
incapacidade de agir em múltiplas frentes da política económica que levou à
estagnação da demanda na última década. E a falta de iniciativas para lidar com
a fraqueza estrutural da economia planetária gera um risco de outra crise
financeira. Ela poderá não emanar, agora, do sistema bancário norte-americano,
mas de sistemas financeiros fragilizados, em vastas partes do mundo”.
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