Às três da madrugada, eram cinco
as ocorrências registadas, agora o número já ultrapassa as 120 e são 39 os
desalojados. A reportagem durante as horas que antecederam a chegada do furacão
Lorenzo e, agora que o pior passou, na sua despedida. Será? Nos Açores as
tempestades nunca dizem adeus, apenas até já
Melissa Canhoto tem 34 anos e está
há nove em São Miguel. Nasceu nos Estados Unidos, na Califórnia, mas tem “toda
a família” nas Flores – “pai, mãe, primos, tios”. “Falei agora com os meus pais
e está muito escuro mas nada diferente de um dia normal de inverno nas Flores”,
dizia-nos pouco depois das 20h dos Açores desta terça-feira, mais uma hora em
Portugal continental. Melissa e a irmã, que mora em Aveiro, estão preocupadas
com os pais e à partida tinham razão para isso: o “Lorenzo” chegaria madrugada
dentro e embora viesse no nível 1 na escala que mede a intensidade dos
furacões, chegou a ser 5 (o máximo) mas oscilou regularmente entre o nível 3 e
4 nos dias que antecederam a sua chegada ao arquipélago português.
O pai de Melissa tem apenas 8% de
visão e a mãe tem “problemas de locomoção”. “Mesmo com estas dificuldades
estiveram a preparar tudo ontem para a chegada do furacão, estiveram na limpeza
do quintal e a reforçar as janelas com trancas”, conta, orgulhosa, a filha.
Na ilha em frente, o Corvo – a
mais pequena do arquipélago, com cerca de 450 habitantes -, Rosa é figura
conhecida: é ela que prossegue a tradição das típicas barretas do Corvo, o
produto mais genuíno da ilha, que lhe foi ensinado pela sua mãe, falecida já
este ano, e que tem no cineasta e músico Gonçalo Tocha, por exemplo, um dos
seus mais reconhecidos promotores. O contacto na terça-feira foi diferente e
Rosa já sabia que o motivo era o “Lorenzo”: “O dia foi tranquilo. Neste momento
[22h dos Açores] o vento já dá ares da sua graça, mas por enquanto nada de
preocupante. Vamos esperar pelo período entre as 04h e as 08h”.
“A MALTA É SUPER RIJA”, MAS…
Pouco depois das 23h, o direto da
RTP/Açores a partir da ilha das Flores não deixava margem para dúvidas: o
“Lorenzo” já se fazia sentir, em concreto na intensidade do vento e na
perturbação que este causou no direto. Melissa reconhece que as imagens não
foram reconfortantes: “Falei com um amigo que tem os pais na freguesia de Ponta
Delgada das Flores e também já sentem o vento. Como está cá em São Miguel,
também ele está preocupado”. Rosa, no Corvo, dizia que a essa hora as rajadas
iam nos 80 km
por hora, mas isso, para corvina, “não é nada”. “A malta aqui é super rija. Se
fosse este vento, não havia problema. Vamos ver se sempre chega aos 200 por
hora que falam”. Por esta altura, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera
(IPMA) avançava que o centro do furacão – o local onde a pressão atmosférica é
mais baixa – iria passar a 100
km das Flores cerca das 06h. Os portos dos grupos
Central (Pico, Faial, São Jorge, Graciosa e Terceira) e Ocidental (Flores e
Corvo) já se encontravam encerrados, e nisto a transportadora aérea açoriana
SATA já havia cancelado para hoje mais de 20 ligações interilhas e pelo menos
um voo entre Lisboa e a Horta e vice-versa. Em São Miguel, das ilhas menos afetadas,
era ainda assim evidente que algo de diferente se passava, com rajadas pouco
comuns de vento.
AS OCORRÊNCIAS, O “PERÍODO
CRÍTICO” E O PRIMEIRO ADEUS
Primeiro, às 03h, foi Carlos
Neves, da Proteção Civil, a falar em cinco ocorrências. Duas horas depois, foi
a secretária regional da Saúde, que tem nos Açores a tutela a área, a indicar
15 ocorrências e dois desalojados, na ilha de São Jorge. Na delegação do IPMA
de Ponta Delgada, a meteorologista Vanda Costa prepara-se, pouco antes das 06h,
para entrar em direto para a RTP. Há dez anos na profissão, a açoriana de Santa
Maria conta que o “trabalho maior” da entidade “é mesmo o da preparação, quando
as pessoas querem estar devidamente informadas” sobre eventos como o “Lorenzo”.
Nisto, são 06h30 e há “cortes de energia e na rede móvel” nas Flores e no Corvo
e mais de 50 ocorrências, diz Carlos Neves, que voltou ao contacto com os
jornalistas na ilha Terceira. Posteriormente, o mesmo responsável haveria de
avançar que o mar levou parte do molhe e um edifício de apoio do porto das
Lajes das Flores. E nisto são 08h e as ocorrências superam as 80,
maioritariamente árvores ou ramos caídos, mas também desalojamentos vários –
metade das ocorrências estavam ainda em resolução. Agora, a contagem já supera
as 120 ocorrências e os 39 desalojados.
A noite vai longa e o “período
crítico” é até às 09h do arquipélago. O presidente do Governo Regional dos
Açores, Vasco Cordeiro, acompanha a partir das Flores toda a operação, tendo
estado em contacto direto com o Governo da República sobre a situação – os
restantes membros do executivo encontram-se desde terça-feira espalhados pelas
outras oito ilhas, acompanhando os trabalhos junto das equipas de socorro
locais.
O “Lorenzo” vai dar ainda
trabalho aos açorianos até perto da hora de almoço. Posteriormente, o fenómeno
dirige-se, ao que tudo aponta, para o Reino Unido. Mas, como diz o cancioneiro
do arquipélago, “nestas ilhas de bruma, onde as gaivotas vão beijar a terra”,
furacões e tempestades nunca dizem verdadeiramente adeus, apenas até já. Este
já lá vai, dirão hoje de tarde a florentina Melissa e a corvina Rosa.
Pedro Primo Figueiredo, serviço
especial da Agência Lusa para o Expresso | Foto: Rafael Marchante // Lusa
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