terça-feira, 5 de novembro de 2019

A suposta morte do líder do Estado Islâmico – perguntas que permanecem


Strategic Culture Foundation [*]

O Ministério da Defesa da Rússia declarou esta semana não haver qualquer evidência confiável de que Abu Bakr al-Baghdadi, líder do grupo terrorista do Estado Islâmico (EI), tenha sido morto no norte da Síria no fim de semana passado, supostamente numa ousada operação militar dos EUA.

O presidente dos EUA, Donald Trump, gabou-se domingo passado de que Forças Especiais Americanas invadiram uma base na província de Idlib, o que supostamente teria levado à morte de al-Baghdadi numa explosão suicida. O Pentágono disse que outras seis pessoas teriam sido mortas na operação. Além disso, dois dos filhos de al-Baghdadi teriam sido mortos quando o líder do EI fez-se explodir no momento em que se aproximavam as tropas americanas, segundo a dramática narrativa de Trump acerca do evento.

Curiosamente, Trump agradeceu à Rússia por sua ajuda na logística da realização do ataque.

No entanto, o porta-voz do Ministério da Defesa russo, major-general Igor Konashenkov, afirmou posteriormente que a Rússia não esteve envolvida no referido ataque, como alegou Trump. Ele disse que de acordo com os dados russos de voos não houve quaisquer ataques aéreos nos EUA nas proximidades do local declarado. O porta-voz foi mais longe e observou que havia dúvidas sobre se a missão de assassinato realmente teve lugar do modo que Washington afirma publicamente.

Outra anomalia no relato oficial dos EUA é que a base onde Al-Baghdadi supostamente estaria escondido é um local conhecido por ser a fortaleza de outro afiliado da Al-Qaeda que é inimigo jurado dos jihadistas rivais pertencentes ao Estado Islâmico. Então por que e como o líder do EI foi capaz de manter uma base cercada por jihadistas inimigos?

Segundo o New York Times, afirma-se que al-Baghdadi pagou US$67 mil ao grupo terrorista rival, Hurras al-Din, para protecção. De certo modo, isso soa como uma explicação dúbia.

Uma omissão flagrante na cobertura dos media norte-americanos sobre o suposto assassinato de al-Baghdadi é o pano de fundo histórico de quem era o indivíduo e de como seu ex-califado passou a ser abrangido pelo Iraque e pela Síria.

Há evidências abundantes de que al-Baghdadi, nascido no Iraque, foi recrutado pela inteligência americana enquanto esteve preso durante a guerra dos EUA contra o Iraque em meados do final dos anos 2000. Ele foi mantido na notória prisão das torturas de Abu Ghraib, administrada pelos EUA, mas posteriormente foi libertado pelos americanos, apesar do seu conhecido passado jihadista. Por volta de 2012, o governo Obama mobilizava e armava secretamente activos jihadistas a fim de realizar sua guerra clandestina contra o governo sírio para uma mudança de regime. Acredita-se que al-Baghdadi foi um activo essencial da CIA para a guerra suja dos EUA na Síria, apesar de Washington proclamar que o seu envolvimento na Síria seria para "derrotar o EI" e outros grupos terroristas.

É inteiramente plausível que os activos de inteligência dos EUA sejam "liquidados" sempre que for politicamente conveniente e a sua utilidade tiver terminado.

Trump e os media de referência dos EUA quase certamente distorcem a realidade e os factos quando descrevem um êxito espectacular no extermínio de um temido chefe terrorista.

A maneira como Trump, em particular, se entusiasmou com a suposta operação sugere que ele procura aumentar as probabilidades de reeleição no próximo ano. A retórica estridente de matar o líder do EI "como um cão" cheira a Trump a tentar projectar uma imagem de presidente duro.

De maneira mais geral, o evento permitiu aos media americanos proclamarem a virtude do poder militar americano ao aparentemente trazer "à justiça"um notório renegado.

O momento não poderia ser mais importante. Os quase oito anos de guerra na Síria expuseram a criminalidade de Washington e dos seus parceiros da NATO na alimentação da carnificina. Em contraste, o governo sírio e seus aliados russos e iranianos foram justificados nas suas alegações de longa data de que fora frustrada uma agressão criminosa apoiada pelos EUA com a utilização de proxies terroristas.

Quando no mês passado Trump abandonou os militantes curdos, condenaram o seu acto por lançar a Síria em ainda mais tumulto. Foi a diplomacia hábil da Rússia que conseguiu conter a situação. Nesse ponto, a credibilidade internacional de Washington estava nas últimas devido à sua duplicidade e responsabilidade maligna pelo conflito e caos na Síria.

Portanto, uma operação sensacional parecida com "um filme" – como disse Trump – foi um remédio oportuno de relações públicas a fim de remendar a imagem muito empanada de Washington. Aparentemente, "apanhar" um líder terrorista dá aos EUA os meios para renovar a sua propaganda de que "combate contra o terrorismo" ao invés da realidade de que o utiliza para suas guerras de mudança de regime e outros objectivos imperialistas.

Será que Abu Bakr al-Baghdadi foi realmente morto neste último fim-de-semana? Não é a primeira vez que sua "morte" é relatada pelas forças americanas, as quais fizeram afirmações semelhantes em anos passados. Existem demasiadas perguntas e inconsistências para que se possa considerar a versão dos eventos de Washington como exacta. Mais plausivelmente, foi um golpe de propaganda cuidadosamente planeado a fim de polir a imagem execrada de Washington.

Contudo, uma coisa é certa: é que os EUA continuarão a utilizar proxies e activos terroristas no futuro a fim de atingirem seus nefastos objectivos geopolíticos. Há uma grande quantidade mais de outros "al-Baghdadis" a serem cultivados e orquestrados por Washington quando semeia caos e destruição no Médio Oriente e alhures em prol dos seus interesses egoístas.

01/Novembro/2019

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/...

Este editorial encontra-se em http://resistir.info/ 

Sem comentários:

Mais lidas da semana