Célebre por desvendar casos de
lavagem de dinheiro, ministro evita os fortes indícios contra o filho 01, mas
continua palpitando em favor do presidente
Luiz Fernando Vianna | Época
Destacou-se, na semana que
passou, a grande derrota que Sergio Moro sofreu dentro do próprio governo. Ao
contrário do que o ministro da Justiça e Segurança Pública desejava, Jair
Bolsonaro não vetou a figura do juiz de garantias, incluída por deputados
federais na chamada lei anticrime.
A novidade prevê que dois
magistrados dividam um processo penal. O primeiro, que é o juiz de garantias,
acompanha a investigação criminal, decidindo sobre mandados de busca e
apreensão, prisões provisórias e quebras de sigilo, além de – ao menos na teoria
– cuidar para que não haja violação de direitos. Ao segundo cabem as sentenças.
Fica mais difícil repetir o que,
como hoje se sabe, aconteceu na Lava-Jato. Moro orientava a força-tarefa do
Ministério Público a obter provas que ele, depois, usaria para condenar os
réus. Atuou como parte da acusação. Prisões preventivas foram usadas para
forçar pessoas a delatar. E delações e grampos se tornaram públicos ao sabor
dos interesses do único juiz do processo, Moro.
É possível, como tem sido
aventado, que a decisão do presidente indique sua esperança de que as
investigações sobre seu filho Flávio não fiquem exclusivamente nas mãos do juiz
Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.
O material reunido pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro aponta que a lavagem do dinheiro oriundo
da “rachadinha” passaria pela loja de chocolates que Flávio tem num shopping da
Barra da Tijuca.
O quadro desenhado acima não fica
completo se não for assinalado que o “chocogate” é nova mancha na imagem de
Moro. Sua fama foi conquistada ao longo de um processo que revelou como se dava
a lavagem de recursos nos governos petistas. O nome da operação, Lava-Jato,
nasceu por conta de um posto de gasolina de Brasília que era usado no esquema.
Moro, que conhece a fundo os
caminhos para dar ares de limpo a dinheiro sujo, mantém-se num governo em que o
filho do presidente está enroladíssimo num caso de lavagem. É claro que vale o
benefício da dúvida, mas há cada vez mais benefícios do que dúvidas.
O processo corre na primeira
instância, no Rio de Janeiro. Não há por que o ministro da Justiça dar palpite.
O problema é que, para defender o chefe, Moro vem emitindo opiniões que não
combinam com o cargo que ocupa.
São vários os exemplos, mas
fiquemos em dois de outubro passado.
Após reportagem da Folha de
S. Paulo sobre candidaturas laranjas do PSL – partido pelo qual Bolsonaro
se elegeu em 2018 – em Minas Gerais, o ministro escreveu nas redes sociais: “O
presidente Jair Bolsonaro fez a campanha presidencial mais barata da história.
(...) Nem o delegado nem o Ministério Público, que atuam com independência,
viram algo contra o presidente da República neste inquérito de Minas”.
Mais do que agir como
advogado-geral da União, o que já seria uma impropriedade (a investigação não é
contra a União, mas sobre um possível delito eleitoral), Moro atuou como
defensor particular de Bolsonaro.
Semanas depois, ele interferiu
numa investigação da Polícia Civil do Rio. Após se noticiar que, na noite da
morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, um dos
suspeitos do crime teria entrado no condomínio Vivendas da Barra graças a uma
autorização dada pela casa do presidente, Moro acusou de falso testemunho e
obstrução à Justiça o porteiro que fizera a anotação. E enviou ofício ao
procurador-geral, Augusto Aras, pedindo uma investigação sobre o caso.
O curioso é que, no início de sua
gestão, o ex-magistrado demonstrara clareza sobre os limites da sua função,
como já recordou o repórter Ranier Bragon, na “Folha”. Em janeiro, afirmou: “Eu
sei que no passado houve ministros da Justiça que se sentiam à vontade como se
fossem de advogados de posições ou membros do governo. Eu acho que isso não
cabe ao ministro da Segurança Pública e da Justiça”.
Em fevereiro, reiterou: “O tempo
de ministros da Justiça que atuavam como advogados de membros do governo
federal é coisa do passado. Não cabe ao ministro da Justiça fazer esse papel de
defesa de situações apontadas em relação a membros do governo”.
A partir de junho, quando o
site The Intercept soltou os primeiros vazamentos de mensagens
mostrando que Moro foi parcial na Lava-Jato, ele se tornou subserviente a
Bolsonaro. Nos seis meses seguintes, desempenhou esse papel de forma
crescentemente vergonhosa.
Continua sendo o ministro mais
popular do governo: 53% de aprovação segundo pesquisa Datafolha de dezembro,
muito acima da do presidente (30%). Ainda tem muita gordura para queimar,
portanto.
Pode estar sendo um calculista
político, esperando um momento em que possa deixar o governo sem ser retaliado
– se está aceitando se humilhar tanto é porque deve temer algo. Mas, para um
cidadão ainda considerado exemplo moral e imune às sujeiras da política, tal
estratégia é, no mínimo, contraditória e constrangedora.
Imagem: O ministro da Justiça,
Sergio Moro, em entrevista à imprensa // Foto: Jorge William / Agência O Globo
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