Minha tendência no momento é
dizer que o grande herói desta hora é o povo, o homem comum, que, se continua
vivo, é de teimoso (1975). Erico Veríssimo
Em
17 de dezembro de 2018, completaram-se 113 anos do nascimento, no município de
Cruz Alta (RS), de um dos grandes nomes da literatura nacional e internacional:
o gaúcho Erico Lopes Veríssimo.
Nascido no ano de
1905, nosso escritor faleceu aos 69 anos de idade, na noite de 28 de novembro
de 1975, vítima de infarto, após ter dedicado 50 anos de sua vida à literatura.
Entre contos, romances, biografias, narrativas e novelas, este sagitariano nos
legou uma vasta produção literária, totalizando 36 obras.
Autobiográfico, Solo de
Clarineta, em seu segundo volume, ficou inacabado devido ao seu falecimento. Ao
concluir esta obra e trazê-la a público, em 1976, o historiador Flávio Loureiro
Chaves - um estudioso sobre a vida deste cruzaltense - cumpriu de forma honrosa
a missão. Os livros de Erico Veríssimo já foram editados em mais de quinze
idiomas. Escritor premiado, ele pertence à segunda fase do Modernismo ou,como
também denominam os especialistas, em literatura brasileira, fase da
consolidação do movimento.
Infância
e família
Oriundo
de uma tradicional família, que sofrera um sério revés financeiro, Erico
começou a trabalhar, desde cedo, para ajudar no orçamento familiar. Sebastião
Veríssimo, seu pai, era formado pela Faculdade de Farmácia de Porto Alegre e
proprietário, em Cruz Alta, de um estabelecimento, cujo nome era Farmácia
Brasileira.
Localizada
ao lado da residência da família, esta farmácia era separada apenas por um
corredor. Junto ao local havia também a sala de operações do Dr. Cesare Merlo.
A mãe, dona Abegahy Lopes, era uma figura terna, de boa formação cultural, e dedicada
ao marido e aos filhos Erico, Ênio e Maria (adotiva). Aos quatro anos, o
nosso futuro escritor teve meningite e por pouco não veio a falecer.
Em Cruz Alta,
estudou no Colégio Elementar Venâncio Ayres. Aluno disciplinado e discreto, ele
frequentava o cinema e gostava de ler, incursionando, desde cedo, pelo universo
literário. Aos 10 anos, encantou-se pelas aventuras do escritor Júlio Verne
(1928-1905). Atento aos acontecimentos mundiais, o menino Erico acompanhou as
notícias sobre naufrágio do Titanic (1912), o início da 1ª Grande Guerra
(1914-1918) e a terrível Gripe Espanhola (1918).
Nasce o jornalista
Na sua cidade natal,
a precoce aproximação com o jornalismo ocorreu no âmago familiar, pois seu pai,
Sebastião Veríssimo, era responsável e o fundador do jornal humorístico O
Calhorda. Segundo a bacharela em Comunicação, a gaúcha Luiza Carravetta, o
exercício do jornalismo se refletiu na obra de Erico Veríssimo, conforme
explicou: “não só pelo jornalismo ser usado como tema, por ele ter criado
vários personagens jornalistas, mas, também, pelo modo de narração e de
construção de suas histórias.” Em 1983, Carravetta dirigiu o espetáculo O
teatro, a literatura e a montagem audiovisual, tendo como base a obra Solo de
Clarineta, que ganhou o prêmio do Instituto Nacional de Artes Cênicas.
Na infância, a arte
de desenhar esteve presente no processo de criação do futuro jornalista e
escritor. Em 1914, aos nove anos de idade, ele criou uma revista artesanal,
cujo nome era A caricatura. Na realidade, era um exemplar, composto por duas
folhas de papel almaço, ilustrado com desenhos e umas pequenas notas. O projeto
não foi além do primeiro exemplar. Em plena 1ª Guerra Mundial (1914-1918), o
menino Erico criou a sua segunda publicação à qual denominou de Íris. Na capa,
destacava-se o retrato do então presidente norte-americano Woodrow Wilson
(1856-1924).
A partir
dos 13 anos, àquele que, mais tarde, tornar-se-ia um ícone da nossa literatura,
começou a ler os autores nacionais, como Aluísio de Azevedo (1857-1913),
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), Coelho Neto (1864-1934), Euclides da
Cunha (1866-1909). Erico admirava também os autores estrangeiros, como Walter
Scott (1771- 1832), Émile Zola (1840-1902), Balzac (1799-1850), Proust
(1871-1922), Dostoiévski (1821-1881) e Oscar Wilde (1854-1900).
O Cruzeiro do Sul
Hábil na arte
da escrita, Erico Veríssimo passou, na adolescência, a colaborar no jornal O
Pindorama do internato de orientação protestante, Cruzeiro do Sul (atual IPA),
localizado em Porto Alegre, no Bairro Teresópolis, onde permaneceu até o final
de 1922. Na realidade, Erico não quis frequentar o curso preparatório, para
ingressar na Faculdade de Direito e retornou a Cruz Alta. Neste ínterim, a
farmácia de seu pai faliu e seus pais se separaram. Erico, a mãe e seus irmãos
foram morar na casa dos avós maternos. Diante das dificuldades econômicas, ele
passou a trabalhar como balconista do armazém do tio Americano
Lopes.
Entre as
publicações lidas por Erico, A Revista Brasil (1916-1990), na época, era uma
das suas favoritas. Ao lê-la, de forma habitual, o futuro escritor ficava
ciente da vida literária do Brasil, que, naquele momento, vivenciava o
Movimento Modernista, no qual despontavam nomes importantes, como Mário de
Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Graça Aranha (1868-1931),
Monteiro Lobato (1882-1948), entre outros destaques. Dominando a língua
inglesa, ele traduziu, em 1923, os poemas, em inglês, do poeta indiano
Rabindranat Tagore (1861-1941).
No contexto
histórico do nosso Estado, neste período eclodiu a Revolução de 23, cujo
objetivo era destituir o presidente do Estado Antônio Augusto Borges de
Medeiros (1863-1961). A oposição - que era liderada por Joaquim Francisco de
Assis Brasil (1857-1938) -, divergia da política borgista, que, há mais de 20
anos, era marcada pelo centralismo e por eleições sucessivas e fraudulentas
lideradas pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Sob a “mão de ferro” de
Borges de Medeiros, a oposição se rebelou, partindo para o confronto bélico,
pois seus apelos ao presidente Artur Bernardes (1875-1955), para que este
interviesse no Estado, não encontravam ressonância, na antiga Capital Federal,
no Rio de Janeiro, embora Borges de Medeiros houvesse apoiado o seu opositor Nilo
Peçanha (1867-1924) na campanha eleitoral para a presidência.
A Revolução,
conhecida como Assisista ou Libertadora, visava também a alterar a Constituição
de 1891, que permitia as reeleições sucessivas e fortalecia, com poderes
plenos, o Poder Executivo. Naquela época, o voto não era secreto, sendo que a
fraude eleitoral era uma prática constante. O voto passou a ser secreto somente
em 1932, assim como as mulheres, naquele ano, conquistaram o direito de
votarem conforme o nosso primeiro Código Eleitoral.
No ano seguinte, em
1924, Erico, sua mãe e os irmãos se mudaram para Porto Alegre, pois seu irmão
Ênio iria ingressar no colégio, em que ele havia estudado. Infelizmente, devido
às dificuldades financeiras, a família retornou a cidade natal. Em Cruz Alta, na residência de seus tios,
Catarino e Maria Augusta, ele criou o hábito de ouvir os compositores
clássicos. Os filhos deste casal, Rafael e Adriana, foram os primeiros a lerem
a incipiente produção literária do jovem Erico.
Em 1925, ele voltou a
trabalhar, como chefe da Carteira de Descontos, na filial do Banco Nacional do
Comércio. Transcorrido um ano, junto com um amigo de seu pai, tornou-se sócio
da Farmácia Central. Infelizmente, este empreendimento faliu, deixando uma
dívida que só seria saldada dezessete anos mais tarde. Além de farmacêutico,
Erico também lecionou literatura e inglês.