Minha tendência no momento é
dizer que o grande herói desta hora é o povo, o homem comum, que, se continua
vivo, é de teimoso (1975). Erico Veríssimo
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite* | Porto
Alegre | Brasil
Em
17 de dezembro de 2018, completaram-se 113 anos do nascimento, no município de
Cruz Alta (RS), de um dos grandes nomes da literatura nacional e internacional:
o gaúcho Erico Lopes Veríssimo.
Nascido no ano de
1905, nosso escritor faleceu aos 69 anos de idade, na noite de 28 de novembro
de 1975, vítima de infarto, após ter dedicado 50 anos de sua vida à literatura.
Entre contos, romances, biografias, narrativas e novelas, este sagitariano nos
legou uma vasta produção literária, totalizando 36 obras.
Autobiográfico, Solo de
Clarineta, em seu segundo volume, ficou inacabado devido ao seu falecimento. Ao
concluir esta obra e trazê-la a público, em 1976, o historiador Flávio Loureiro
Chaves - um estudioso sobre a vida deste cruzaltense - cumpriu de forma honrosa
a missão. Os livros de Erico Veríssimo já foram editados em mais de quinze
idiomas. Escritor premiado, ele pertence à segunda fase do Modernismo ou,como
também denominam os especialistas, em literatura brasileira, fase da
consolidação do movimento.
Infância
e família
Oriundo
de uma tradicional família, que sofrera um sério revés financeiro, Erico
começou a trabalhar, desde cedo, para ajudar no orçamento familiar. Sebastião
Veríssimo, seu pai, era formado pela Faculdade de Farmácia de Porto Alegre e
proprietário, em Cruz Alta, de um estabelecimento, cujo nome era Farmácia
Brasileira.
Localizada
ao lado da residência da família, esta farmácia era separada apenas por um
corredor. Junto ao local havia também a sala de operações do Dr. Cesare Merlo.
A mãe, dona Abegahy Lopes, era uma figura terna, de boa formação cultural, e dedicada
ao marido e aos filhos Erico, Ênio e Maria (adotiva). Aos quatro anos, o
nosso futuro escritor teve meningite e por pouco não veio a falecer.
Em Cruz Alta,
estudou no Colégio Elementar Venâncio Ayres. Aluno disciplinado e discreto, ele
frequentava o cinema e gostava de ler, incursionando, desde cedo, pelo universo
literário. Aos 10 anos, encantou-se pelas aventuras do escritor Júlio Verne
(1928-1905). Atento aos acontecimentos mundiais, o menino Erico acompanhou as
notícias sobre naufrágio do Titanic (1912), o início da 1ª Grande Guerra
(1914-1918) e a terrível Gripe Espanhola (1918).
Nasce o jornalista
Na sua cidade natal,
a precoce aproximação com o jornalismo ocorreu no âmago familiar, pois seu pai,
Sebastião Veríssimo, era responsável e o fundador do jornal humorístico O
Calhorda. Segundo a bacharela em Comunicação, a gaúcha Luiza Carravetta, o
exercício do jornalismo se refletiu na obra de Erico Veríssimo, conforme
explicou: “não só pelo jornalismo ser usado como tema, por ele ter criado
vários personagens jornalistas, mas, também, pelo modo de narração e de
construção de suas histórias.” Em 1983, Carravetta dirigiu o espetáculo O
teatro, a literatura e a montagem audiovisual, tendo como base a obra Solo de
Clarineta, que ganhou o prêmio do Instituto Nacional de Artes Cênicas.
Na infância, a arte
de desenhar esteve presente no processo de criação do futuro jornalista e
escritor. Em 1914, aos nove anos de idade, ele criou uma revista artesanal,
cujo nome era A caricatura. Na realidade, era um exemplar, composto por duas
folhas de papel almaço, ilustrado com desenhos e umas pequenas notas. O projeto
não foi além do primeiro exemplar. Em plena 1ª Guerra Mundial (1914-1918), o
menino Erico criou a sua segunda publicação à qual denominou de Íris. Na capa,
destacava-se o retrato do então presidente norte-americano Woodrow Wilson
(1856-1924).
A partir
dos 13 anos, àquele que, mais tarde, tornar-se-ia um ícone da nossa literatura,
começou a ler os autores nacionais, como Aluísio de Azevedo (1857-1913),
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), Coelho Neto (1864-1934), Euclides da
Cunha (1866-1909). Erico admirava também os autores estrangeiros, como Walter
Scott (1771- 1832), Émile Zola (1840-1902), Balzac (1799-1850), Proust
(1871-1922), Dostoiévski (1821-1881) e Oscar Wilde (1854-1900).
O Cruzeiro do Sul
Hábil na arte
da escrita, Erico Veríssimo passou, na adolescência, a colaborar no jornal O
Pindorama do internato de orientação protestante, Cruzeiro do Sul (atual IPA),
localizado em Porto Alegre, no Bairro Teresópolis, onde permaneceu até o final
de 1922. Na realidade, Erico não quis frequentar o curso preparatório, para
ingressar na Faculdade de Direito e retornou a Cruz Alta. Neste ínterim, a
farmácia de seu pai faliu e seus pais se separaram. Erico, a mãe e seus irmãos
foram morar na casa dos avós maternos. Diante das dificuldades econômicas, ele
passou a trabalhar como balconista do armazém do tio Americano
Lopes.
Entre as
publicações lidas por Erico, A Revista Brasil (1916-1990), na época, era uma
das suas favoritas. Ao lê-la, de forma habitual, o futuro escritor ficava
ciente da vida literária do Brasil, que, naquele momento, vivenciava o
Movimento Modernista, no qual despontavam nomes importantes, como Mário de
Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Graça Aranha (1868-1931),
Monteiro Lobato (1882-1948), entre outros destaques. Dominando a língua
inglesa, ele traduziu, em 1923, os poemas, em inglês, do poeta indiano
Rabindranat Tagore (1861-1941).
No contexto
histórico do nosso Estado, neste período eclodiu a Revolução de 23, cujo
objetivo era destituir o presidente do Estado Antônio Augusto Borges de
Medeiros (1863-1961). A oposição - que era liderada por Joaquim Francisco de
Assis Brasil (1857-1938) -, divergia da política borgista, que, há mais de 20
anos, era marcada pelo centralismo e por eleições sucessivas e fraudulentas
lideradas pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR). Sob a “mão de ferro” de
Borges de Medeiros, a oposição se rebelou, partindo para o confronto bélico,
pois seus apelos ao presidente Artur Bernardes (1875-1955), para que este
interviesse no Estado, não encontravam ressonância, na antiga Capital Federal,
no Rio de Janeiro, embora Borges de Medeiros houvesse apoiado o seu opositor Nilo
Peçanha (1867-1924) na campanha eleitoral para a presidência.
A Revolução,
conhecida como Assisista ou Libertadora, visava também a alterar a Constituição
de 1891, que permitia as reeleições sucessivas e fortalecia, com poderes
plenos, o Poder Executivo. Naquela época, o voto não era secreto, sendo que a
fraude eleitoral era uma prática constante. O voto passou a ser secreto somente
em 1932, assim como as mulheres, naquele ano, conquistaram o direito de
votarem conforme o nosso primeiro Código Eleitoral.
No ano seguinte, em
1924, Erico, sua mãe e os irmãos se mudaram para Porto Alegre, pois seu irmão
Ênio iria ingressar no colégio, em que ele havia estudado. Infelizmente, devido
às dificuldades financeiras, a família retornou a cidade natal. Em Cruz Alta, na residência de seus tios,
Catarino e Maria Augusta, ele criou o hábito de ouvir os compositores
clássicos. Os filhos deste casal, Rafael e Adriana, foram os primeiros a lerem
a incipiente produção literária do jovem Erico.
Em 1925, ele voltou a
trabalhar, como chefe da Carteira de Descontos, na filial do Banco Nacional do
Comércio. Transcorrido um ano, junto com um amigo de seu pai, tornou-se sócio
da Farmácia Central. Infelizmente, este empreendimento faliu, deixando uma
dívida que só seria saldada dezessete anos mais tarde. Além de farmacêutico,
Erico também lecionou literatura e inglês.
O casamento
No ano de 1927,
iniciou o seu namoro com Mafalda Halfen Volpe – uma jovem de 15 anos - que,
após quatro anos, tornar-se-ia a sua esposa. O casal teve dois filhos: Clarissa
Veríssimo e Luis Fernando Veríssimo. O último nome não necessita de
apresentações, pois seguiu a verve do pai, sendo um consagrado escritor. Entre
suas obras importantes, podemos destacar O Analista de Bagé (1981) e Comédia da
Vida Privada (1994). Dona Mafalda foi a companheira fiel de Erico.
Ele costumava declarar que, sem a paciência e o bom senso da esposa, sua
carreira de escritor teria sido impossível.
A amizade de
dois titãs da nossa literatura
Em 1928, Dr.
Getúlio Dorneles Vargas (1882-1954), assumiu o governo do Estado e conseguiu
unir ferrenhos adversários políticos: chimangos (lenço branco) x maragatos
(lenço vermelho). Por meio da FUG (Frente Única Gaúcha), o presidente Vargas
conseguiu uniu estas facções, cujo ódio político-partidário permanecia acirrado
desde a Revolução Federalista (1893-1895) ou da Degola.
Manoelito
de Ornelas (1903-1969) - o autor de Gaúchos e Beduínos (1948) e Terra Xucra
(1967) - conheceu, na época, em Cruz Alta, Erico Veríssimo. Ambos tinham, em
comum, a paixão pela literatura e a profissão de farmacêutico, selando-se assim
uma fecunda amizade. A comunicação entre os dois amigos, por meio de cartas,
diminuía a distância e a saudade. Ao ler o conto Ladrão de Gado, Manoelito
convenceu seu amigo a enviá-lo para a Revista do Globo (1929-1967) onde foi
publicado. Erico, a partir desta iniciativa, deu um passo importante na
sua caminhada literária graças ao incentivo do seu amigo. O surgimento
desta amizade sólida é narrada no livro Manoelito de Ornellas: vida e obra de
um ex-presidente da ARI, cuja autora é a Profa. Dra Maria Alice da Silva
Braga: uma especialista na vida e obra deste grande nome da nossa literatura.
No ano de 1929,
no mensário Cruz Alta em Revista, ele publicou Chico: Um conto de Natal. Ainda
nesse ínterim, enviou para o diretor Souza Júnior, do suplemento literário do
Correio do Povo, o conto A Lâmpada Mágica, que também foi publicado. O êxito
destas iniciativas resultou em novos horizontes que se descortinaram para o
jovem escritor...
Em
outubro de 1930, ao se despedir da figura paterna, Erico viveu um momento
bastante triste. Envolvido com a Revolução de 30, seu pai decidira se mudar
para Santa Catarina. Após este episódio, pai e filho nunca mais se encontrariam
novamente.
A Revolução de 30 –
que agitou o país - encerrou com a prática política de Minas Gerais e São Paulo
elegerem, de forma alternada, seus representantes para a presidência do Brasil.
Havia um acordo, entre os dois estados, desde a época do presidente Campos
Sales (1898-1902). Quando, novamente, foi indicado um paulista, no caso Júlio
Prestes (1882-1946), e não um mineiro para a presidência, o pacto se rompeu.
Diante deste fato, o representante de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada (1870-1946), decidiu dar o seu apoio à candidatura oposicionista do
gaúcho Getúlio Vargas (1882-1954). Em um discurso, no ano de 1929, ele assim
declarou: "Façamos a revolução pelo voto antes que o povo a faça pelas
armas". A famosa Aliança Liberal (Rio Grande do Sul, Minas Gerais e
Paraíba) deu fim ao conhecido ciclo da política do Café com Leite, apeando do
poder o presidente Washington Luís (1869-1957). Acusado pela oposição de vencer
uma eleição fraudulenta, o seu sucessor Júlio Prestes foi impedido de assumir a
presidência, e o gaúcho Getúlio Dorneles Vargas, que havia perdido as eleições,
ocupou o cargo máximo da Nação, em 24 de outubro de 1930, dando início à Era
Vargas.
Em busca de um
lugar ao Sol
Naquele mesmo ano, em
dezembro de 1930, nosso escritor deixou, novamente, Cruz Alta, viajando para
Porto Alegre com apenas a roupa no corpo e outra muda na mala. Completado 25
anos de idade, Erico sentia a imprescindível necessidade de um emprego que lhe
possibilitasse concretizar o seu sonho: ser um escritor!
Ao encontrar
com Moysés Vellinho (1902-1980), na época, secretário de Oswaldo Aranha
(1894-1960), Erico falou da necessidade de conseguir um emprego, mas não houve
retorno concreto quanto ao seu pedido. Em contrapartida, o seu encontro com
Mansueto Bernardi (1888-1966) – diretor da Revista do Globo - resultou numa
resposta positiva. Com uma proposta de um salário razoável, ele começou a
trabalhar, na Livraria do Globo, iniciando uma nova fase
profissional.
Um bar Boêmio
No Bar do Antonello,
na Rua da Ladeira (atual General Câmara), Erico se reunia com outros
intelectuais da época. Localizado no antigo Edifício Petit Cassino, os jornalistas,
na época, transformaram o local num ponto de encontro, principalmente durante a
madrugada, quando ali se apresentavam duvidosas estrelas vindas do Rio da
Prata. Entre os frequentadores se encontravam: Augusto Meyer (1902-1970),
Paulo Corrêa Lopes (1898-1957), Ernani Fornari (1899-1964), Reynaldo Moura
(1900-1965), Mário Quintana (1906-1994), Darcy Azambuja (1903-1970), Athos
Damasceno Ferreira (1902-1975) e outros nomes.
Erico, em 1931, fez a
tradução dos livros O Sineiro (The Ringer), O Círculo Vermelho (The Crimson
Circle) e a Porta das Sete Chaves (The Door with Seven Locks) de Edgar Wallace
(1875-1932). O escritor e amigo Augusto Meyer (1902-1970) lhe apresentou a obra
Point Counter Point, de Aldous Huxley (1894-1963). Traduzida por Erico, em 1933,
com o título Contraponto, esta obra foi editada dois anos depois. Ainda naquele
ano, o Diário de Notícias (1925-1979) publicou vários de seus contos:
Malazarte, O professor dos cadáveres, Aquarela chinesa, Como um raio de sol,
entre outros.
Em
1932, eclodiu a Revolução Constitucionalista, na qual os paulistas pegaram em
armas, visando a derrubar o governo provisório de Getúlio Vargas e à convocação
de uma Assembleia Nacional Constitucionalista, além de defender o direito de
elegerem um paulista para governar o seu estado. Neste confronto os paulistas
perderam e Vargas seguiu no poder. De forma inteligente, diante da importância
de São Paulo no contexto nacional, Vargas acabou atendendo algumas
prerrogativas. Na época, em Porto Alegre, Mansueto Bernardi deixou a Revista do
Globo (1929-1967), para assumir, no Rio de Janeiro, a Casa da Moeda, e Erico
assumiu a sua direção e atuou no departamento editorial da Livraria do
Globo.
O primeiro livro de
contos
Lançado em 1932, Fantoches
é uma coletânea de quinze contos que sofreram a influência de autores, como
Henrik Ibsen (1828-1906), Bernard Shaw (1856-1950), Anatole France (1844-1924)
e Luigi Pirandello (1867-1936). Este seu primeiro livro de contos foi elogiado
pela crítica e teve 1.500 exemplares impressos, tendo sido vendidos entre 400 e
500 números. Infelizmente, um incêndio no armazém, onde se encontravam os
livros, destruiu grande parte da sua tiragem.
Seu primeiro
romance
No ano
seguinte, em 1933, publicou Clarissa. Considerado seu primeiro romance, Erico
traça o perfil psicológico de uma adolescente, de 15 anos, que pertence a uma
tradicional família rural que vem estudar em Porto Alegre, vivendo numa pensão
que, na realidade, é um microcosmo da vida urbana e seus personagens da classe
média. O livro teve uma tiragem de 7000 exemplares. Em 1935, nasceu a sua
filha, que foi batizada com o nome de Clarissa, personagem protagonista desta
obra.
A
Revista do Globo
O escritor,
jornalista e pesquisador Antônio Hohlfeldt, membro do Conselho da Associação
Riograndense de Imprensa (ARI), enfatiza que Erico, ao assumir a direção da
Revista do Globo, em 1932, fez com que esta desse um salto de qualidade.
Hohlfeldt – atual presidente da Fundação Theatro São Pedro - assim declarou: “A
revista se transforma em algo de caráter nacional, ela deixa de ser algo de
caráter social, que publicava fotos de aniversários de 15 anos de moças, para
se tornar uma publicação de referência”.
Com o tempo que
lhe restava, após seu trabalho na Livraria do Globo, Erico escrevia na coluna A
mulher e o lar, do Correio do Povo, conforme o Ir. Elvo Clemente (1921-2007)
registrou num artigo publicado no livro Erico e seu tempo (2005). Esta
coletânea foi organizada pelo CIPEL no ano do Centenário (1905-2005) de
nascimento do nosso escritor. Em 2005, comemorou-se também o centenário de
nascimento de outro ícone: o escultor pelotense Antônio Caringi (1905-
1981). Entre tantos trabalhos importantes, ele foi o responsável pelo
monumento O Laçador, inaugurado, em 1958, sob os aplausos e o discurso de
Leonel de Moura Brizola.
Um ano
especial na vida de Erico
Em 1935, ano em
que ocorreram as festividades alusivas ao Centenário Farroupilha (1835-1935), o
Gen. José Antônio Flores da Cunha (1880-1959) governava o Rio Grande do Sul e o
nosso prefeito era o Dr. Alberto Bins (1869-1957).
No contexto
nacional, eclodiu a famosa Intentona Comunista, tratando-se de um levante de
caráter revolucionário. Operado por membros do Exército brasileiro, com o apoio
do Partido Comunista (PC), seu objetivo era derrubar o governo Vargas, porém
seu intento foi frustrado. Embora este momento político bastante tumultuado,
Erico se destacou como escritor, inclusive, recebendo importantes prêmios
literários. Em 1935, ele realizou a sua primeira viagem ao Rio de Janeiro, na
época, Capital Federal onde contatou com Jorge Amado (1912-2001), Murilo Mendes
(1901-1975), Augusto Frederico Schimidh (1906-1965), Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987), José Lins do Rego (1901-1957), entre outros nomes do nosso cenário
literário.
Com o lançamento do livro
Música ao Longe (1935), a personagem Clarissa reaparece, numa cidade pequena,
como professora, Erico ganhou o Prêmio Machado de Assis da Cia. Editora
Nacional. O livro, na realidade, é uma continuação do romance Clarissa
(1933). Neste período, faleceu seu pai Sebastião Veríssimo.
Erico
Veríssimo é eleito presidente da ARI
Em 23 de dezembro de
1935, atingindo 88 votos, dentre 114 jornalistas, ele foi eleito o primeiro
presidente da Associação Rio-grandense de Imprensa (ARI). Os jornalistas
ligados à ARI, que se fizeram presentes nesta eleição, pertenciam às redações
dos principais jornais de Porto Alegre: Correio do Povo, Diário de Notícias, A
Federação, Jornal da Manhã, Jornal da Noite, Revista do Globo, Neue Deustsche
Zeitung e Deutsches Volksblatt. Desta época, o único que não encerrou, de forma
definitiva, a sua circulação foi o Correio do Povo.
A perseguição no
Estado Novo (1937-1945)
Durante o
seu discurso da posse, Erico conclamou a classe dos profissionais de imprensa
do Rio Grande do Sul a se aliarem a ARI, visando a lutar pela liberdade de
imprensa. Ainda em 1935, ele lançou o livro Caminhos Cruzados, que retratou o
contraste existente entre ricos e pobres, levando o leitor a questionar sobre
as desigualdades sociais e os problemas gerados a partir desta realidade
socioeconômica. O romance nos traz uma abordagem crítica da sociedade
brasileira contemporânea. Devido ao teor desta obra, Erico foi acusado pelo
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de ser comunista. Além disso,
ele havia assinado um manifesto que condenava o fascismo, o que se somou a sua
“má fama” em relação a este órgão do governo. Embora as polêmicas geradas
acerca de Caminhos Cruzados, este romance fez com que Erico recebesse o Prêmio
da Fundação Graça Aranha.
Ao
ser empossado, como presidente da ARI, ele assim se manifestou quanto às
acusações do DOPS: “Sou um homem que não tem nem nunca tive partido político.
Acho que todos os partidos são bons desde que possam assegurar uma vida
decente, razoavelmente confortável e cheia de ar puro e livre. Há uma convicção
que ninguém varre da mente: a de que o ar não é prioridade de ninguém. Todos
temos igual direito a respirá-lo de acordo com a capacidade de nossos pulmões”.
Em
sua gestão, o alto índice de prisões, que se seguiu à Intentona Comunista,
incluiu muitos jornalistas. As prisões decretadas se baseavam na Lei de
Segurança Nacional. Diante disso, Erico
interveio, várias vezes, visando à liberdade dos colegas de profissão e, quando
não era possível, buscava obter melhores condições de carceragem; além de dar
assistência à família do preso político. Ele costumava dizer que
"Comunista é o pseudônimo que os conservadores e saudosistas do fascismo
inventaram para designar todo sujeito que luta por justiça
social.”
Na
Alfândega, outras negociações também ocorriam junto ao governo, visando à
liberação de papel importado para a impressão dos jornais, assim como garantir
nas viagens de trem um desconto de 50 % para os profissionais filiados à ARI. O
escritor e jornalista Antônio Hohlfeldt enfatiza que a grande contribuição de
Erico, como presidente da ARI, foi também reunir patrões, empregados e pessoas
que trabalhavam diretamente com a imprensa.
A literatura
infantojuvenil
De 1935 a 1939, Erico Veríssimo
publicou vários livros para crianças e jovens. Entre outros títulos, ele
publicou: A vida de Joana D'Arc (1935), Os três Porquinhos Pobres (1936), As
Aventuras de Tibicuera (1937), O Urso com Música na Barriga (1938) e Viagem à
Aurora do Mundo (1939).
Em 1936, a pedido de Arnaldo
Balvé, assumiu dois programas na Rádio Farroupilha: Amigo Velho e O Clube dos
três Porquinhos. Naquele ano, nasceu o filho Luiz Fernando Veríssimo e Erico
lançou o seu livro Um lugar ao Sol, onde reaparecem personagens presentes em
Clarissa e Música ao Longe. Na época, ele estava na direção da revista A
Novela (1934-1937), que era editada pela Editora Globo.
No ano seguinte, devido à
censura durante o Estado Novo (1937-1945), por meio do Departamento de Imprensa
e Propaganda do Estado Novo (DIP), nosso escritor abandonou os programas no
rádio. Isto ocorreu devido à ordem de submetê-los à aprovação daquele órgão.
Sua atuação, na condição de presidente da ARI, seguiu até maio de 1937. Em
1938, ele abandonou, definitivamente, a Revista do Globo, dedicando-se apenas à
parte editorial.
O jornalista Ayres
Cerutti, que faz parte da diretoria da Associação Riograndense de Imprensa
(ARI), declarou que “o sucesso retumbante do Erico como escritor, como
romancista, eclipsou sua importância como jornalista”. O ingresso e a atuação
de Erico na Revista do Globo e depois na Editora são a prova inconteste de seu
talento excepcional. Como jornalista, a partir de 1940, a sua colaboração nos
periódicos se tornou menos frequente. Erico havia alcançado, de forma
irrefutável, o sucesso literário.
Seu primeiro best
seller
Erico Veríssimo
lançou, em 1938, o romance Olhai os Lírios do Campo que se tornou um estrondoso
sucesso editorial, tendo sido traduzido do inglês ao indonésio. Em São Paulo,
Erico realizou uma sessão de autógrafos e lá, na Paulicéia Desvairada, de Mário
de Andrade (1893-1945), contatou com figuras importantes: Lígia Fagundes
Telles, Edgard Cavalheiro (1911-1958), José Geraldo Vieira (1897-1977), Sérgio
Milliet (1898-1966), Paulo Bonfim 1926-2019) entre outros nomes.
O título Olhai
os Lírios do Campo nos remete a um trecho do famoso Sermão da Montanha (Mateus
6:28), no qual esta frase é citada. A obra se trata da história de
Eugênio Fontes, que, de origem humilde, formou-se em Medicina. Durante o curso,
ele se apaixona por Olívia, mas casa-se por interesse econômico com Eunice -
uma mulher abastada e da elite -, cujo pai se chama Vicente Cintra. Com esse
drama de pano de fundo, Erico construiu um quadro de tipos humanos que vivem
num universo conflitante, gerado pela dicotomia entre segurança versus
felicidade. Os dramas são vivenciados numa sociedade capitalista e competitiva,
onde o acúmulo de bens materiais sobrepuja os valores
espirituais.
Olhai os lírios do
campo / Tese acadêmica, o filme e a novela
Modernidade e exercício da
medicina no romance Olhai os lírios do campo (1938) de Erico Verissimo é o
título da tese da historiadora Elizabeth Rochadel Torresini que foi defendida,
em 2003, em Porto Alegre, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Este trabalho resultou num livro, cujo título é Histórias de um Sucesso
Literário - Olhai os Lírios do Campo de Érico Veríssimo, publicado pela Editora
Literalis. Durante a sua importante pesquisa, Torresini frequentou arquivos,
bibliotecas e museus, a exemplo da hemeroteca do Museu da Comunicação Hipólito
José da Costa, localizado no Centro Histórico de Porto Alegre (RS), que, em 10
de setembro de 2019, completará 45 anos de atividades culturais junto à
sociedade gaúcha.
A
primeira adaptação para o cinema, de uma obra de Erico, ocorreu em 1947. Com o
título Mirad los lírios del campo (Olhai os Lírios do Campo / 1938), trata-se
de uma produção argentina dirigida
por Arancibia. Ainda naquele ano, Erico traduziu Mas não se mata
cavalo de Horace Mcoy. Passados 33 anos do lançamento deste filme, Olhai os
Lírios do Campo deu origem a uma telenovela. Exibida, em 1980, pela Rede Globo
no período de 21 de janeiro a 23 de maio, esta produção teve a direção de
Geraldo Vietre e Wilson Aguiar Filho.
Como
conselheiro literário da Editora Globo, Erico selecionou, ao lado de Henrique
Bertaso (1906-1977) e de Mauricio Rosenblatt (1906-1988), muitos escritores
estrangeiros, a exemplo de Thomas Mann (1875-1955), Virgilia Woolf (1882-1941),
Proust (1871-1922), Balzac (1799-1850). Traduzidas para o português, as obras
destes autores passaram a fazer parte das coleções Nobel e Biblioteca
dos Séculos, resultando num enorme sucesso.
Os pesquisadores da
obra de Erico costumam denominar de romance urbano o período, no
qual ele retratou a vida da pequena
burguesia, por meio de uma visão crítica e lírica, nos romances Caminhos Cruzados,
Clarissa e Olhai os Lírios do Campo.
Após o sucesso
editorial de Olhai os Lírios do Campo, Érico Veríssimo, em 1940, lançou
Saga. Considerado pelo próprio autor como o seu pior romance, a obra se trata
de uma reflexão sobre a Guerra Cívil Espanhola (1936-1939). Vasco Bruno - a
personagem central - é um brasileiro que se alista nas brigadas
internacionais. Na realidade, é como se tratasse de um "diário de
experiências", narrado na primeira pessoa. Ainda naquele ano, ele
traduziu Adeus Mr. Chips e Não estamos sós, de James Hilton (1900-1954);
Felicidade e Meu primeiro Baile, de Katherine Mansfield (1888-1923), e Ratos e
Homens de John Steinbeck.
Em 1941,
ano da grande enchente, Porto Alegre ficou encoberta pelas águas do Guaíba. Na
época, a família de Erico, após ter mudado de endereço, algumas vezes, terminou
por fixar residência na Rua Felipe de Oliveira, no Bairro Petrópolis, em Porto
Alegre. Neste local, nosso escritor viveu até a sua morte, em 1975,e sua
esposa, até 2004.
Ainda naquele
ano, a convite do Departamento de Estado Americano, Erico passou três meses nos
Estados Unidos, participando de conferências. Suas vivências, na terra do
Tio Sam, resultaram na publicação do livro Gato Preto em Campo de Neve.
O Resto é
Silêncio: um livro polêmico
Em
Porto Alegre, em outubro de 1941, ele e o irmão Ênio presenciaram um suicídio
de uma mulher, que se atirou de um edifício. O fato ocorreu enquanto os irmãos
conversavam, na Praça da Alfândega, no centro da Capital gaúcha. Este fato inspirou
Erico a escrever o seu sétimo livro, cujo título é O Resto é silêncio.
Publicado em 1943, a
figura central do romance é Tônio Santiago. Desembargador aposentado, este
personagem é um escritor que resolve se inspirar na tragédia ocorrida, para
escrever uma novela de televisão. Após 38 anos do seu lançamento, este livro,
em 1981, deu origem a um telerromance de Mário Prata, que teve a direção de
Arlindo Pereira.
Um artigo
publicado na revista O Eco, do Colégio Anchieta, pelo padre jesuíta Leonardo
Fritzen, levou Erico a mover um processo crime contra o religioso. O artigo, em
questão, na realidade, era crítica ao seu livro O Resto é Silêncio, quanto a
seu conteúdo moral, além de Fritzen enfatizar, também, que não indicaria a
leitura da obra à mocidade dos educandários católicos.
Em 1942, ano em
que o Brasil entrou na 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a Editora Globo, visando
a driblar a censura, criou a Meridiano. Na realidade, era uma subsidiária
secreta, onde eram lançadas obras que iam de encontro à política do Estado Novo
(1937-1945), como o livro As mãos de meu filho. Escrito por Erico, este livro é
uma coletânea de contos.
O professor Erico
Veríssimo
Com medo de
represálias políticas em relação à sua família, Erico, em 1943, aceitou o
convite para lecionar literatura brasileira na Universidade da Califórnia.
Erico e a família passaram a morar em Berkley. Em 1944, o Mills College de
Oakland da Califórnia, onde ele lecionou literatura e história do Brasil,
conferiu-lhe o título de Honoris Causa.
Diante da vitória dos
aliados na 2ª Guerra Mundial e com o término da Ditadura Vargas (1937-1945),
Erico retornou ao Brasil. Após ter realizado várias conferências e cursos, em
vários estados dos EUA, foi publicado neste país Brazilian Literature
anoutline. Em 1946, ele publicou A Volta Gato Preto, registrando, a
exemplo de outro livro escrito por ele, em 1941, reflexões acerca das suas
vivências nos Estados Unidos.
Ao final de
1945, após o seu retorno dos Estados Unidos, Erico visitou o Ginásio Cruzeiro
do Sul, onde havia estudado. Encantados com a visita, os jovens estudantes o
questionaram acerca da sua vida pessoal e a de escritor famoso. O fato foi
registrado na Revista do Globo, pelo repórter Jorge Cordeiro, na edição nº 399,
daquele ano. Recentemente, no Almanaque Gaúcho, do jornal Zero Hora, Ricardo
Chaves, em 16 de abril de 2019, publicou, em sua coluna, um texto sobre esta
importante visita do nosso escritor, contatando com os alunos num prazeroso
intercâmbio cultural.
O Tempo e o
Vento
O ano de 1947 foi
bastante marcante, pois Erico começou a escrever outro grande sucesso
literário: O Tempo e o Vento. Na realidade, ele havia previsto que o seu
livro – um romance histórico - seria lançado num único volume, mas isto não foi
possível. Por meio de seus personagens, Erico retratou a história de dois
séculos do Rio Grande do Sul desde a sua formação sociopolítica, econômica e
cultural. Esta importante obra acabou ultrapassando 2.200 paginas. Esta
trilogia se insere, na trajetória do nosso escritor, como a fase do romance
histórico.
Dedicando-se,
durante quinze anos, ao processo de elaboração desta obra, Erico narra a saga
da família Terra Cambará e de sua principal opositora o clã dos Amaral. A
trilogia segue uma ordem cronológica: O Continente (1949), O Retrato (1951) e o
Arquipélago (1961). Personagens como Ana Terra, Bibiana e Capitão Rodrigo
Cambará se imortalizaram no imaginário dos leitores.
A trilogia O Tempo e o
Vento tem sido objeto de estudo, em vários trabalhos acadêmicos, como a tese O Tempo
e o Vento e a tessitura das Memórias, que foi defendida, em 2016, na
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pelo Dr. Francisco Mateus
Conceição, na área das Letras. Outra tese, em 2013, foi defendida por Márcio
Miranda Alves, em São Paulo, na USP. Com o título A imprensa como fonte de
pesquisa e representação em o Tempo e Vento: Técnica de narrativa e implicações
estéticas, este trabalho resultou
num livro, que foi lançado em 2016.
O Tempo e
o Vento: no Cinema e na TV
No dia 20 de setembro de
2013, data magna para os gaúchos, na qual ocorrem vários eventos oficiais
alusivos à Revolução Farroupilha (1835-1845), houve a estreia nacional do filme
O Tempo e o Vento, baseado na famosa trilogia de Erico Veríssimo. Atingindo um
público de 711.267 espectadores, que lotaram as salas de cinema, o filme
alcançou uma renda de 7,7 milhões de reais em bilheteria. Com roteiro da dupla
Tabajara Ruas e Letícia Wierzchowski, a direção ficou a cargo de Jayme
Monjardim. Em 1985, esta trilogia foi apresentada pela Rede Globo numa
minissérie que foi exibida de 22 de abril a 31 de maio, em 26 capítulos.
A trilogia O
Tempo e o Vento inspirou também o lançamento de mais três filmes: O Sobrado
(1956), Um Certo Capitão Rodrigo (1970) e Ana Terra (1971). Este último foi
dirigido por Durval Gomes, o primeiro, por Cassiano Gabus Mendes e Walter
George Durst e o segundo, por Alselmo Duarte.
No ano de
1949, Erico coordenou a comitiva que recepcionou o escritor franco-argelino
Albert Camus (1913-1960) e também lançou O Continente que faz parte, como já
foi citado acima, da trilogia O Tempo o Vento, tendo excelente aceitação do
público leitor.
Convidado pelo
governo brasileiro, em Washington (EUA), Erico, em 1953, assumiu a direção de
departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, da Secretaria da
Organização dos Estados Americanos (OEA), no lugar do escritor Alceu Amoroso
Lima (1893-1983).
Em
1954, ano do suicídio do presidente Getúlio Vargas, Erico foi agraciado com o
Prêmio Machado de Assis graças ao conjunto da sua obra. Erico visitou vários
países da América Latina, proferindo palestras e conferências diante das
funções assumidas junto à Organização dos Estados Americanos (OEA). Este
importante prêmio foi concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Na
época, Erico publicou a novela A Noite, porém a expectativa maior, do seu
público leitor, era a conclusão da trilogia de O Tempo e o Vento.
Adaptada, em 1985, para o cinema,esta novela foi dirigida por Gilberto
Loureiro. A estória se passa numa única noite. A personagem central se trata de
um homem que perde a sua memória. Permitindo-se arrastar por dois
desconhecidos, ele é conduzido por outros personagens, na madrugada afora, a
lugares sórdidos da cidade onde as regras de boa conduta são quebradas e
sobreviver é a única saída.
A família
Veríssimo retornou ao Brasil, em 1956, e sua filha Clarissa se casou com David
Jaffe, mudando-se para os Estados Unidos. Desta união nasceram os seus netos
Michael, Paul e Eddie. Ainda naquele ano, Erico publicou o livro Gente e
Bichos. Direcionada ao público infantil, esta publicação é uma coletânea de
textos.
Erico e a
Feira do Livro de Porto Alegre
Erico Veríssimo, em
1955, ano da 1ª Feira do Livro de Porto Alegre, não conseguiu retornar dos
Estados Unidos. No ano seguinte, ele trouxe uma inovação para a nossa Feira do
Livro: a sessão de autógrafos, que, tradicionalmente, aproxima os autores com o
seu público leitor numa verdadeira simbiose cultural. Naquela ocasião, a
novidade foi considerada um exibicionismo e gerou protestos. Embora a oposição
inicial, a ideia de criar uma sessão de autógrafos se consolidou, ao longo do
tempo, como um marco importante no universo literário. A sessão de autógrafos,
naquele tempo, era diferente, pois o escritor permanecia um período, na banca
de sua editora, autografando. Um dado interessante é que o autógrafo pioneiro
foi do juiz de Direito, Lenine Nequete, em seu livro Da Prescrição
Aquisitiva-Usucapião, comprado pelo escritor Guilhermino César (1908-1993).
Com impressões
vivenciadas durante sua viagem ao México, Erico lançou, em 1957, um
livro, cujo título é o próprio nome daquele país. O livro O Ataque é lançado, em 1958, reunindo
três pequenas novelas: Sonata, Esquilos de Outono e A Ponte. Na mesma obra há
um capítulo, que foi inserido na parte final de O Tempo e o Vento.
A primeira viagem à
Europa
Dois anos depois, em
1959, Erico, Mafalda e Luis Fernando fizeram sua primeira viajem à Europa. Em
Portugal, Erico, em suas palestras, defendeu o regime democrático, chocando-se
com a ditadura do presidente António de Oliveira Salazar (1889-1970).
Ainda, naquele período, na casa da sua filha Clarissa, em Washington, nos
Estados Unidos, Erico passou uma temporada.
Em 1961 – o Ano
da Legalidade – o Rio Grande do Sul, sob o comando de seu governador Leonel
Brizola, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, (1917-1992),
iniciou um movimento, por meio de programas de rádio, que ficou conhecido como
a Rede da Legalidade,Visando à mobilização da população gaúcha, a Rede da Legalidade defendia que João
Goulart (1918-1976) - que era o vice-presidente -, assumisse a
presidência, evitando, naquele momento, um golpe civil-militar. Três anos
depois, em 31 de abril de 1964, o golpe foi inevitável. No ano da Campanha da
Legalidade, Erico sofreu o primeiro infarto do miocárdio. Após dois meses de
recuperação, ele retornou aos Estados Unidos na companhia de sua esposa
Mafalda.
O casal, Erico e Mafalda
visitaram, em 1962, França, Itália e Grécia e, neste mesmo ano, nosso escritor
lançou o último volume da trilogia O Tempo e o Vento: O Arquipélago, que foi
considerado uma obra prima. No ano seguinte, faleceu sua mãe Dona Bega.
Erico
e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985)
No
ano de 1964, foi implantada, no Brasil, a ditadura civil-militar (1964-1985).
Com receio de uma guerra civil, o presidente João Goulart preferiu recuar a
resistir ao golpe, pois temia um derramamento de sangue. O motivo de ter se
afastado do poder, ele próprio justificou para o seu cunhado Leonel de Moura
Brizola (1922-2004), que insistiu para que este lutasse até o fim. Diante da
recusa do presidente, em atendê-lo, este se afastou, por um longo período, do
seu amigo e cunhado. Com a implantação de uma ditadura, Erico dirigiu um manifesto
a seus leitores, defendendo as instituições democráticas. Reconhecido por sua
contribuição cultural, ele recebeu, naquele ano, o título de Cidadão de Porto
Alegre, conferido pela Câmara dos Vereadores.
Embora
momento de bastante turbulência política, o filho Luis Fernando se casou em
1964, no Rio de Janeiro, com Lúcia Helena. que, desde 1962, lá se
encontrava morando. Desta união nasceram Fernanda, Mariana e Pedro.
Novamente, em
1965, Erico e Mafalda viajam aos Estados Unidos, para passar uma temporada com
a filha e os netos. Ainda naquele ano, a sua vivência no universo da diplomacia
resultou no livro O Senhor Embaixador, que conquistou o Prêmio Jabuti da Câmara
Brasileira de Livros. Ambientado em um país imaginário do Caribe, o romance tem
características que nos remetem à Ilha de Cuba.
Em 1966, ao ser
convidado pelo governo de Israel, Erico visitou aquele país e depois viajou,
novamente, até os Estados Unidos, para visitar seus familiares. No Rio de
Janeiro, a Editora José Aguilar publicou, em cinco volumes, O Escritor diante
do Espelho. Esta publicação se trata do conjunto da obra de Erico, fazendo
parte, inclusive, uma autobiografia.
Dirigido por Dionísio
de Azevedo e com a adaptação de Teixeira Filho, estreiou em 1967, na antiga TV
Excelsor, O Tempo e o Vento. Ainda no mesmo ano, inspirado na intervenção dos
Estados Unidos nos países asiáticos, Erico publicou O Prisioneiro.
Em 1968, ano do Ato
Institucional nº 5 (AI-5), que marcou o início do período mais duro da ditadura
civil-militar (1964-1985), nosso escritor foi reconhecido como intelectual do
ano e recebeu o Troféu Juca Pato num concurso promovido pela Folha de São Paulo
e pela União Brasileira de Escritores.
A casa, onde
Erico Veríssimo nasceu, em Cruz Alta, foi transformada, no ano de 1969, em
Museu. Encantado com sua visita a Israel, nosso escritor lançou, naquele ano, o
livro Israel em Abril. Mais tarde, em 1986, o Museu se tornaria a Fundação
Erico Veríssimo.
Incidente
em Antares: o romance político
Publicado
em 1971, seu livro Incidente em Antares - considerado um romance político - foi
lançado sem submeter os originais à censura prévia da época. Ao enveredar num
universo fantástico, o livro trata de uma rebelião de cadáveres, durante uma
greve de coveiros, em uma cidade fictícia chamada Antares. Neste contexto
ficcional, Erico denunciou as mazelas do autoritarismo e a violação dos
direitos humanos que são próprios dos períodos ditatoriais. A primeira parte
desta obra foi escrita nos Estados Unidos, quando Erico lá se
encontrava.
Em Incidente em
Antares, os mortos revelam segredos dos vivos, protagonizando uma narrativa
pontuada pela crítica social. O livro deu origem a uma minissérie, em doze
capítulos, exibida, pela Rede Globo, entre 29 de novembro a 16 de dezembro de
1994. O diretor geral desta série foi José Luiz Villamarim, e o texto foi
assinado por Alcides Nogueira e Nelson Nadotti. A Rede Globo, no mesmo ano,
também lançou um longa metragem, baseado na série apresentada. A adaptação para
o cinema foi realizada pela dupla Charles Peixoto e Nelson Nadotti.
Neste
romance, os mortos-vivos representam, de forma metafórica, tanto os vivos que
se “fingem de mortos” diante da realidade política do Brasil - como o golpe
civil-militar de 1964 -, quanto os mortos e sepultados que, no entanto,
continuam a agir imbuídos de um autoritarismo, que se apresenta incompatível
com as conquistas da liberdade humana.
A população de
Antares – cidade fictícia do interior do Rio Grande do Sul – aderiu a uma greve
geral, e os trabalhadores paralisaram as suas atividades. Na
impossibilidade de serem enterrados sete cadáveres, durante o período grevista, os defuntos se levantam
dos seus caixões, passando a perambular pela cidade. Este é o eixo desta
estória, denominada de realismo mágico.
As
personagens se apresentam como tipos sociais, destacando-se pelo seu efeito
simbólico. A valentia do gaúcho está presente na fala do coronel Vacariano:
“Palavra de honra, se esse moço [Carlos Lacerda, jornalista carioca, opositor
de Vargas] tivesse dito na imprensa sobre a minha pessoa a metade do que disse
sobre o Getúlio, eu tomava um avião, ia ao Rio e metia-lhe um balaço em cada
olho, palavra.” Existe também a dose cômica, no perfil de algumas personagens
deste romance, que se destaca, por exemplo, na figura da telefonista Shirley
Terezinha:“trinta e cinco anos, solteirona, católica praticante, fã de Frank
Sinatra, de novelas de rádio, e leitora de Grande Hotel ”.
No ano em que o
Brasil comemorou o Sesquicentenário da sua Independência (1822-1972), Erico
lançou a biografia Um Certo Henrique Bertaso, narrando a trajetória deste
empresário, que foi um dos criadores da famosa Revista do Globo (1929-1967) e
também fez parte do grupo que inaugurou,
em Porto Alegre, em 16 de novembro de 1955, na Praça da Alfândega,
a 1º Feira do Livro. Esta obra se
constituiu num diagnóstico intelectual da sua geração. Ao completar 40 anos do
lançamento de Fantoches (1932), Erico decidiu relançá-lo, acrescentando notas e
desenhos originais da sua autoria. No mesmo período, nosso escritor foi
agraciado com o tradicional Prêmio Literário Nacional PEN Clube do
Brasil.
No ano
seguinte, ampliou sua autobiografia que havia sido publicada em 1966. Com o
título de Solo de Clarineta, ele lançou, em 1973, o primeiro volume. Ele
estava, definitivamente, decidido a escrever uma trilogia da sua
trajetória. Ainda naquele ano, ele ganhou o Prêmio da Fundação Moinho
Santista. No ano seguinte, em 1974, foi lançado o curta-metragem Um contador de
histórias, dirigido por David Neves e Fernando Sabino, com a narração de Hugo
Carvana. O próprio Erico Veríssimo se intitulava como um “Contador de
Histórias”.
Criticado
por manter uma postura passiva quanto aos abusos do governo de Emílio
Garrastazu Médici (1969-1974), Erico, naquele momento, foi considerado
“acomodado” pela intelectualidade de esquerda, Na verdade, ele não concordava
com a literatura panfletária. Sua obra, no entanto, reflete de forma indelével
suas ideias humanistas, democráticas e liberais. Um liberalismo,
indubitavelmente, voltado às preocupações de cunho social.
Em
seu artigo Incidente em Antares, de Erico Veríssimo, Rebeca Fuks – doutora em
Estudos da Cultura –, transcreveu esta declaração dada por nosso escritor ,
numa entrevista, acerca do Golpe de 64: “Sempre achei que o menos que um
escritor pode fazer, numa época de violência e injustiças como a nossa, é
acender sua lâmpada […]. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o
nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como
um sinal de que não desertamos nosso posto.”
Luis
Fernando Veríssimo assim registrou a importância da contribuição literária de
seu pai: “Foi um dos primeiros a fazer literatura urbana no Brasil, a preferir
o despojamento anglo-saxão à empolgação ibérica e francesa e a escrever com
informalidade que não excluía a experiência com estilos e técnicas de
narrativa. Talvez nenhum outro escritor brasileiro do seu tempo fosse tão bem
informado sobre a teoria do romance, embora se definisse como apenas um
contador de histórias”.
O Centro
Cultural Erico Veríssimo
Inaugurado em 17 de
dezembro de 2002, o Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo é um espaço
cultural da cidade de Porto Alegre, direcionado às áreas da cultura vinculadas
ao livro e à literatura. Sua criação resultou de uma parceria entre a Companhia
Estadual de Energia Elétrica – uma empresa pública do Estado - a Associação
Cultural Acervo Literário de Erico Veríssimo e a Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC). Este Centro Cultural se encontra instalado
no antigo prédio da Companhia Força e Luz (1928), abrigando três salas de
exposições, um auditório-teatro, uma biblioteca, o Museu da eletricidade
do Rio Grande do Sul, salas para oficinas e cursos, além de espaços visando à
conservação e manutenção de acervos documentais e literários.
Em seu artigo, “Até
qualquer dia” (1975), publicado em Zero Hora, Carlos Lacerda fez um
interessante comentário sobre o escritor Erico Veríssimo: “Ele foi, creio, o
primeiro escritor brasileiro que teve a coragem, afinal correspondida, de viver
somente de e para a criação literária. Ele provou, corajosamente, que isto
seria possível. Ele, Mafalda e os filhos. Deu consciência da maturidade
profissional ao escritor brasileiro – como Jorge Amado, José Mauro de
Vasconcelos, Antonio Carlos Villaça e outros, muito poucos.”
Morre Erico
Veríssimo / O Contador de Histórias
Em 28 de
novembro de 1975, Erico Veríssimo, após ter visitado, pela última vez, a sua
amada cidade natal - Cruz Alta (RS) - faleceu, em Porto Alegre, vítima de um
infarto fulminante. A morte o impediu de completar o segundo volume de sua
autobiografia, assim como de publicar um romance, cujo título seria A Hora do
Sétimo Anjo.
Nosso escritor foi
sepultado no Cemitério São Miguel e Almas onde também se encontram os restos
mortais de outro ícone da nossa cultura: o compositor Lupicìnio Rodrigues
(1914-1974).
Uma homenagem
póstuma, na forma de um poema, foi escrita por outro gigante da literatura
brasileira. Refiro-me a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e ao seu poema A
Falta de Erico:
Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.
Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.
Falta um boné, aquele jeito
manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.
Erico
Veríssimo permanecerá vivo nos corações de todos os gaúchos. A grandeza de sua
alma e de seu talento, como escritor, é o legado da sua fecunda
existência.
* Pesquisador
e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação Hipólito José da
Costa (MuseCom) *
Bibliografia
LUCAS, Fábio. Ética e
estética de Erico Verissimo. Porto Alegre: Editora AGE, 2006.
MORETTO, Fúlvia M. L. (0rg.)
Erico e seu tempo. Porto Alegre: CIPEL / Ediplat, 2005.
STRELIAEV, Leonid. A Terra de
Erico. Relatório da Diretoria Samrig -1984.
TORRESINI, Elizabeth Rochadel.
Histórias de um Sucesso Literário - Olhai os Lírios do Campo de Érico
Veríssimo. Porto Alegre : Editora Literalis, 2003.
Catálogo
Exposição Erico Veríssimo /
Projeto Cultur / Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – 1976.
Jornais e revistas
GASTAL, Ney. Erico Verissimo.
Correio do Povo, Porto Alegre, 17 dez. 1975.
GOUVÊA, Paulo de. Uma geração
está morrendo. Correio do Povo, Porto Alegre, 13 dez. 1975. Caderno de Sábado,
n.395, v.XVII, ano VIII.
-------------- Vamos ouvir o
Erico falar. Correio do Povo, Porto Alegre, 03 jan. 1976. Caderno de Sábado,
n.398, v.XVII, ano VIII.
GUIMARÃES, Josué. Uma saudade que
vai morrer comigo. Zero Hora, Porto Alegre, 17 dez. 1975. Suplemento especial.
HOHLFELDT, Antonio. Erico segundo
Flávio. Correio do Povo, Porto Alegre, 21 maio 1977. Caderno de Sábado
LUFT, Lya. Erico, presença amiga.
Folha da Tarde, Porto Alegre, 27 nov. 1976.
MARTINS, Wilson. Erico Verissimo
em ciclos. Correio do Povo, Porto Alegre, 13 jan. 1968. Caderno de Sábado.
MERTEN, Luiz Carlos. Erico e
cinema. Folha da Manhã, Porto Alegre, 02 dez. 1975.
PÓLVORA, Hélio. O retrato de
Erico Verissimo por ele mesmo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 jan. 1974.
Suplemento Livro, n.43.
ROYES, Luiz. O romancista Erico
Verissimo num retrato de corpo inteiro. Correio do Povo, Porto Alegre, 05 abr.
1953.
SCLIAR, Moacyr. O caminhante de
Petrópolis. Zero Hora, Porto Alegre, 17 dez. Suplemento especial.
SOARES, Mozart Pereira. Erico
Verissimo (1905-1975). Correio do Povo, Porto Alegre, 16 dez. 1975.
SPALDING, Walter. Erico (Lopes)
Verissimo e seus antecedentes. Correio do Povo, Porto Alegre, 06 mar. 1971.
VERÍSSIMO, Erico. Um escritor
diante do espelho. Revista Realidade, v. 1, n. 8, São Paulo, nov. 1966.
Nota: Os periódicos,
citados nesta bibliografia, fazem parte da hemeroteca do Museu da Comunicação
Hipólito José da Costa.
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