Centro de Integridade Pública diz
que a defesa do ex-ministro das Finanças Manuel Chang, detido na África do Sul,
está a custar milhões aos cofres do Estado moçambicano. E este não é um caso
isolado.
Segundo o Centro de Integridade
Pública (CIP), o Governo de Moçambique já gastou mais de 100 milhões de
meticais (o equivalente a quase 1,5 milhões de euros) com os advogados
sul-africanos que tentam evitar a extradição do antigo ministro das Finanças
Manuel Chang para os Estados Unidos.
Chang está detido desde dezembro
de 2018 na África do Sul, acusado pela Justiça norte-americana de crimes
financeiros no âmbito das dívidas ocultas. E este não é o único processo
relacionado com o escândalo a dar despesa aos cofres moçambicanos, diz Borges
Nhamire, do CIP, em entrevista à DW África. No entanto, sublinha o
investigador, o Governo "não se digna" a revelar quanto gasta
com estes processos.
DW África: O CIP diz que o
Governo já gastou mais de 100 milhões de meticais com os advogados
sul-africanos que contratou para o caso Chang. Que trabalho estão estes
advogados a fazer?
Borges Nhamire (BN): Nos
termos contratuais, o trabalho era, primeiro, de desafiar a extradição de
Manuel Chang para os Estados Unidos da América. A primeira decisão do
ex-ministro da Justiça da África do Sul, Michael Masutha, foi de que Chang
seria extraditado para Moçambique, mas o novo ministro [Roland Lamola] interpôs
um recurso, diríamos, para que essa extradição fosse anulada e que fosse ele a
tomar a decisão. Aí, Moçambique decidiu, como Estado, entrar no caso para
desafiar essa mudança do curso do processo. Isso custou 3 milhões de rands,
mais de 13 milhões de meticais. Como a decisão foi desfavorável para
Moçambique, como o Tribunal Supremo da África do Sul decidiu anular a decisão
do antigo ministro e colocar, de novo, o poder de decisão no atual ministro,
Moçambique decidiu recorrer e isso custou outros 20 milhões de rands,
totalizando mais de 100 milhões de meticais, que é muito dinheiro no contexto
moçambicano.
BN: Nós, no CIP, pensamos
que não é. Primeiro, não é transparente. O próprio processo de escolha do
escritório de advogados que está a defender o caso não foi feita por via de um
concurso público. Compreendemos que o tempo era curto, não permitia que se realizasse
um concurso, mas isso não foi explicado aos moçambicanos. Os valores gastos
também não foram tornados públicos, oficialmente, em nenhuma parte. O
Ministério Público vai pagando com dinheiro dos moçambicanos a defesa de uma
causa que talvez não interesse aos moçambicanos. Segundo, por tudo aquilo que
se viu no julgamento de Jean Boustani nos EUA, o grande interesse do Governo,
neste caso, é esconder informação que um eventual julgamento de Manuel Chang
nos EUA pode trazer a público. Não é nada racional que o Governo esteja a
gastar todo este dinheiro para prevenir a extradição de Manuel Chang se tem cá,
em Moçambique, mais de 20 arguidos detidos no mesmo caso. Esse devia ser o
esforço do Governo: tentar investigar melhor o caso e recuperar os ativos do Estado
que foram usados para corrupção.
DW África: Sendo que Moçambique
já gastou este dinheiro e numa altura em que os advogados estão a trabalhar no
caso, é realista esta aposta do Governo?
BN: Independentemente do
resultado, o dinheiro tem de se pagar pela prestação de serviços e nós achamos
que isso é dinheiro perdido. Primeiro, porque, pelo estado atual do processo,
parece que o sucesso do Estado moçambicano na extradição de Manuel Chang para
Moçambique é muito irrealista. Segundo, o que nós defendemos é que o Governo
deve desistir deste processo, porque mais recursos significa mais dinheiro.
Para nós, enquanto moçambicanos, enquanto CIP, são gastos completamente
desnecessários e injustificados.
DW África: Falava há pouco da
falta de transparência neste caso. Há alguma expetativa de uma justificação do
Governo?
BN: Pela natureza do nosso
Governo, que pauta pela falta de transparência, não acreditamos que venha a dar
uma explicação. Em todo este caso das dívidas ocultas, Moçambique vai também
fazendo despesas ocultas. Este é só um grupo de advogados que Moçambique está a
pagar. Mas, neste momento, Moçambique tem mais de cinco processos pelo mundo
relacionados com as dívidas ocultas. Por exemplo, tem o caso que iniciou no
Reino Unido contra a Privinvest e Iskandar Safa [franco-libanês proprietário do
grupo empresarial] e antigos colaboradores do Credit Suisse. Não se sabe quanto
é que Moçambique está a gastar neste processo. Tem o contrato de assessoria
especializada que é feito com [as consultoras jurídica e financeira britânicas]
White & Case e Lazard Frères no caso das dívidas ocultas e nunca disse
quanto é que está a gastar com isso. Tem o processo que está na arbitragem
internacional na Suíça, também relacionado com as dívidas ocultas, iniciado
pela Privinvest contra a ProIndicus e nunca disse quanto é que está a gastar
com isso. Portanto, são muitos processos que Moçambique tem, abriu ou em
que foi obrigado a entrar porque foi processado em relação às dívidas
ocultas e o Governo nunca se dignou a revelar [as despesas]. É uma questão
de prestação de contas. O Presidente da República hoje, na tomada de posse,
voltou a repetir que quer que o seu Governo se paute pela prestação de contas,
mas não está a acontecer.
Maria João Pinto | Deutsche Welle
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