Manlio Dinucci* | Global Research, January
21, 2020
Na Conferência de Berlim, o
Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, pediu “o fim da interferência
estrangeira na Líbia, o embargo de armas e um cessar-fogo duradouro”. O mesmo
fizeram a França, o Reino Unido e a Itália, os mesmos países que há nove anos
formavam, juntamente, com os Estados Unidos, a ponta de lança da guerra
NATO contra a Líbia.
Antes tinham armado contra o
governo de Trípoli, sectores tribais e grupos islâmicos, e infiltrado forças
especiais entre as quais, milhares de comandos do Catar. Em seguida, declarando
que queriam imobilizar Kadafi, o “carrasco do seu povo”, foi lançada a operação
de guerra sob comando USA. Em sete meses, a aviação da NATO efectuou 30 mil
missões, das quais 10 mil de ataque com mais de 40 mil bombas e mísseis. A
Itália colocou à disposição da NATO, 7 bases aéreas e empreendeu com os seus
caça-bombardeiros, mais de 1.000 missões na Líbia.
Foi demolido, assim, aquele
Estado que, na costa sul do Mediterrâneo, registava “níveis elevados de
crescimento económico e indícios avultados de desenvolvimento humano” (como
documentado em 2010 pelo próprio Banco Mundial), onde encontravam trabalho
cerca de dois milhões de imigrantes africanos.Assim, foi demolido o projecto da
Líbia de criar, com os seus fundos soberanos, organismos económicos
independentes da União Africana.
Os EUA e a França concordaram em
bloquear com a guerra o plano líbio de criar uma moeda africana, em alternativa
ao dólar e ao franco CFA imposto a 14 antigas colónias africanas: provam-no os
emails da Secretária de Estado, Hillary Clinton, trazidos à luz pelo WikiLeaks
( “Crime” pelo qual Julian Assange está detido numa prisão britânica e arrisca,
se for extraditado para os EUA, desde a prisão perpétua até à pena de morte).
Os fundos soberanos, cerca de 150
biliões de dólares investidos no estrangeiro pelo Estado líbio e “congelados”
na véspera da guerra, estão em grande parte desaparecidos. Dos 16 biliões de
euros líbios bloqueados pelo Euroclear Bank, desapareceram 10 biliões e o mesmo
aconteceu noutros bancos da União Europeia (UE).
Agora, a UE, como declarou na
Conferência de Berlim, está empenhada em dotar a Líbia da “capacidade de
construir instituições nacionais, como a Companhia Petrolífera, o Banco Central
e a Autoridade para os Investimentos”. Tudo no âmbito das “reformas económicas
estruturais”, ou seja, da privatização das empresas públicas. Dessa forma,
pretende-se legalizar o sistema actual, segundo o qual as entradas da
exportação de energia, estimadas em mais de 20 biliões de dólares em 2019, são
divididas entre grupos de poder e multinacionais. Além das reservas
petrolíferas (a maior da África) e do gás natural, existe o imenso aquífero
núbio de água fóssil, em perspectiva mais preciosa do que o petróleo, que o
Estado líbio começou a usar transportando água através de condutas de 1.300
poços no deserto, para as cidades costeiras.
Está em jogo o controlo do mesmo
território líbio de grande importância geoestratégica: recorde-se que, em 1954,
os EUA instalaram a Wheelus Field nos arredores de Trípoli, a sua principal
base aérea no Mediterrâneo, com caça-bombardeiros também armados com bombas
nucleares.
Um dos principais objectivos da
política russa de hoje é, certamente, impedir a instalação de bases militares
USA/NATO na Líbia. De qualquer forma, a NATO, convidada de pedra na Conferência
de Berlim, continuará a desempenhar um papel de primeiro plano na situação da
Líbia, em particular através da base de Sigonella. Uma eventual “missão de paz”
da União Europeia na Líbia, veria a participação dos países da NATO, que
usariam, de facto, os serviços secretos/inteligência, a rede de
telecomunicações e o apoio logístico da Aliança, sob comando USA. No
entanto, existe a máxima garantia: em Berlim, os USA e a União Europeia
comprometeram-se, solenemente, a “continuar a apoiar fortemente a soberania da
Líbia”.
*Manlio Dinucci | Original em
italiano em ilmanifesto.it
| Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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