Pedro Carlos
Bacelar De Vasconcelos | Jornal de Notícias | opinião
1. "Na madrugada de 16 de
dezembro de 2013, numa praia de Sesimbra, seis estudantes desapareceram,
arrastados por uma onda. Um mês depois, continua sem explicação o modo como se
produziu tão brutal fatalidade. Apenas se sabe, com segurança, que o insólito
encontro juvenil estaria associado às praxes estudantis e que o véu de
ignorância que desceu sobre o caso é mero reflexo do vergonhoso pacto de
silêncio que protege esses rituais".
Escrevi este desabafo, nesta
mesma coluna do "Jornal de Notícias", em janeiro de 2014. Seis anos
mais tarde, em janeiro de 2020, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH)
- do Conselho da Europa, a cuja Assembleia Parlamentar tenho a honra de
pertencer - iria proferir uma sentença exemplar. Cabe ao Tribunal garantir o respeito
pelos direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos que
Portugal ratificou, em boa hora, pela mão de Mário Soares e Medeiros Ferreira,
em 1976.
Praxe no Meco: Catarina, Carina, Joana, Andreia, Pedro e Tiago morreram há seis anos |
2. Dizia, ainda, no mesmo lugar e
por essa ocasião: "As praxes corrompem! Banalizam a humilhação, ministram
a aprendizagem do medo e da submissão, a velhacaria, o encobrimento, a
duplicidade". Prometem "o aconchego da horda, a força da tribo, a
fatalidade das hierarquias, como chaves intemporais para o sucesso individual.
A própria subsistência das praxes estudantis é uma perversão criminosa,
consentida por autoridades públicas e privadas, alguns professores e até
familiares das vítimas e dos carrascos. Uma difusa complacência alimenta estas
redes paralelas e consolida poderes informais estranhos aos valores da
civilidade e da cidadania republicana, do Estado de direito e da democracia
constitucional", que promovem a brutalidade e a obediência na academia
como receita segura para o êxito profissional. "As vítimas irão continuar
a multiplicar-se caso não haja coragem e determinação bastantes para acabar com
este insidioso pacto de silêncio".
3. Demorou seis anos, mas a
justiça acabou por despertar, enfim, para o reconhecimento de tão ignóbil
condescendência, e condenou o Estado português a pagar uma compensação
simbólica pela conduta irresponsável do nosso sistema de justiça. Os agentes da
justiça são cidadãos como os outros. A independência judicial não os torna
imunes ao sectarismo e ao preconceito de que certas sentenças judiciais são
flagrante exemplo, nomeadamente, em questões de género. É por isso que o
escrutínio e o controlo das autoridades públicas, incluindo os tribunais, é tão
importante quanto a preservação da sua independência e autonomia.
*Deputado e professor de Direito
Constitucional
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