Manuel Carvalho Da Silva | Jornal de Notícias | opinião
Surgem, a cada dia, denúncias das
limitações da nossa Administração Pública (AP) perante a sua missão de
responder às necessidades e direitos das pessoas, das instituições e
organizações da sociedade, das empresas.
No senso comum manifesta-se a
ideia de que a burocracia está a aumentar e a tornar-se insuportável em alguns
setores. Importa, assim, debater a questão, identificar o que são excessos
burocráticos, quais as suas causas e consequências e, acima de tudo, procurar
soluções, numa sociedade que reclama mais transparência com melhor gestão nas
estruturas e departamentos públicos e maior capacidade de execução por parte
dos seus trabalhadores.
Primeiro, Portugal, enquanto
membro da União Europeia - que funciona com burocracia exagerada - está sujeito
a um conjunto de avaliações e procedimentos muito questionáveis. Para a
burocracia europeia, nos países ditos periféricos, os utilizadores de fundos
públicos e os agentes públicos estão sistematicamente sob suspeita. O
escrutínio, que deve existir sempre para que haja rigor e transparência, é
enviesado por essa conceção. Acresce que, em regra, o escrutínio, inclusive o
da avaliação de desempenho, é entregue a entidades pretensamente independentes,
que opinam quase sempre a favor do mais forte, gerando constrangimentos a
níveis intermédios.
Segundo, aqueles excessos
burocráticos da UE reproduzem-se à escala nacional, ainda mais quando o poder
político teve, desde a nossa entrada na CEE, uma atitude de sobrevalorização
das determinações da Comunidade, gerando secundarização das nossas
responsabilidades próprias. Daí resultou, por exemplo, um abandono do
planeamento e do estudo prospetivo - que tanta falta fazem - por parte do
Estado, bem como a subjugação desastrosa das políticas públicas aos impulsos de
programas comunitários matando-lhes continuidades indispensáveis.
Terceiro, a opinião pública vai
fazendo pressão para que se apliquem mais requisitos de transparência na gestão
da coisa pública, nas funções da AP, nas decisões de diretores de serviços ou
departamentos, no exercício de profissões sensíveis. Infelizmente, a pressão
sobre o setor privado é muito frágil em nome da intocabilidade da propriedade
privada e da "supremacia" das "regras do mercado". Essa
pressão sobre a AP é muito positiva, mas tem efeitos colaterais perversos. Num
quadro em que as mudanças de governos mexem demasiado na estrutura e nos
quadros de topo da Administração e em que o poder de decisão está concentrado
em cima, os responsáveis de serviços e de departamentos refugiam-se numa
multiplicidade de cautelas que geram excessos de burocracia. É também nesse
contexto que tem aumentado desmesuradamente o trabalho burocrático de
professores, médicos e outros profissionais altamente qualificados.
Quarto, o austeritarismo do
Governo PSD/CDS depauperou, em quadros e meios materiais, a AP, tornou-a menos
capaz, e acrescentou disfunções nos procedimentos. Entretanto, nos últimos
anos, a gestão de um hospital, de uma escola ou de uma qualquer repartição
ficou mais refém de medidas impostas por cativações e submissões a autorizações
prévias e outras imposições das "contas certas".
É preciso combater o excesso da
burocracia na sua génese. A transparência e a eficácia não se alcançam com
camadas sobrepostas de burocracia.
*Investigador e professor
universitário
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