Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
Na anterior legislatura, entre os
diversos fatores que possibilitaram êxitos a António Costa e ao seu Governo
esteve, sem dúvida, a capacidade que tiveram de, num curto espaço de tempo -
com o contributo dos partidos que lhes davam apoio parlamentar - terem gerado
confiança junto dos portugueses e das organizações sociais, económicas e
culturais que os representam.
Essa confiança resultou, em
grande medida, do rigor com que foram apresentados os compromissos e da
sintonia entre o que se propunha e o que ia sendo realizado.
Quatro anos passados o cenário
político mudou e, no plano económico e social, é uma evidência que as políticas
de desvalorização interna impostas em nome do combate à crise deixaram efeitos
muito para além do que foi anunciado pelos seus mentores: elas não eram
passageiras, mas sim estruturais para alterar relações de poder, para tornar a
distribuição da riqueza ainda mais injusta e para atrofiar as possibilidades de
estruturação de políticas alternativas. Uma economia que aumenta o peso de
setores de baixo valor acrescentado e mantém o vício dos baixos salários
bloqueia o desenvolvimento. Em certos contextos pontuais, com criação de
emprego, com pequenos reajustes salariais e incentivos simbólicos pode
disfarçar-se o drama, mas rapidamente retornam os problemas e o consequente
descrédito.
O Governo e, em particular, o
primeiro-ministro têm reconhecido expressões da persistência desse clima
económico e social depressivo e ameaçador, mas não afrontam as suas causas.
Alguns governantes agem atarantados perante os problemas que têm em mãos e
multiplicam-se as situações (em alguns casos perversas) em que o Governo pisca
à Esquerda e ruma à Direita. Compromissos que pareciam estratégicos, como por
exemplo a Lei de Bases da Saúde, passam paradoxalmente a meras declarações de
princípio, quando o primeiro ato significativo na área é pôr em marcha uma nova
parceria público-privada.
Na área do trabalho a coisa é
ainda mais grave. O primeiro-ministro afirmou várias vezes o imperativo
nacional de se aumentar a generalidade dos salários. Isso gerou alguma
expectativa e interessantes pronunciamentos de alguns empresários. Entretanto,
foi apresentada uma base de trabalho para um acordo de política de rendimentos
- que posteriormente passou a ter o enfoque no gasto slogan da competitividade
- com objetivos de crescimento salarial abaixo dos valores que o mercado
impulsionou no último ano e foi imposto um vergonhoso aumento salarial na
Administração Pública de 0,3%. Como era de esperar não faltam setores
empresariais e administrações de empresas que dão muitos milhões de lucro, a
proporem aos sindicatos atualizações salariais de 0% ou pouco mais. Assim se
coloca moribundo um objetivo estratégico importante, assim se mata a confiança
com que a sociedade se mobiliza.
Em vez de andar nestes exercícios
perversos, o Governo devia empenhar-se em valorizar o trabalho, por exemplo,
impedindo a caducidade dos contratos coletivos, dinamizando a negociação e
combatendo a precariedade. Se seguir essa via incomodará alguns viciados no
lucro fácil, mas garantirá uma mais justa distribuição da riqueza e o reforço
do Orçamento. As forças de Esquerda têm de priorizar o combate pela colocação
destes temas no centro da agenda política.
*Investigador e professor
universitário
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