Ex-presidente do tribunal é
suspeito de estar envolvido na viciação da distribuição de processos aos
juízes, que deve ser feita por sorteio. Conselho Superior da Magistratura diz
que já tinha em curso averiguação preliminar.
A Associação Sindical dos Juízes
Portugueses quer uma sindicância urgente à distribuição de processos no
Tribunal da Relação de Lisboa. Uma sindicância é um processo de
averiguação administrativa sobre o funcionamento das instituições.
A posição surge na sequência da
notícia de que o ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Luís Vaz das
Neves, foi constituído
arguido na Operação Lex, processo em que já figuravam como
suspeitos o desembargador Rui Rangel e a sua ex-mulher e juíza Fátima Galante.
A informação de que Vaz das Neves
é arguido na Operação Lex surgiu após a TVI ter noticiado que o
ex-presidente do Tribunal da Relação estaria envolvido no viciamento da
distribuição de processos. Pelas regras habituais o sorteio dos processos entre
os juízes que compõem as diferentes secções dos tribunais é automático, mas há
situações que permitem que seja manual.
“É essencial apurar se houve
escolha de processos para juízes ou de juízes para processos, por razões
desviadas e fora das regras que determinam a distribuição aleatória, se essa
escolha, a ter ocorrido, teve influência na decisão final e, se for esse o caso,
quem tomou essas decisões e porquê”, afirma a associação sindical no comunicado
em que pede ao Conselho Superior da Magistratura para desencadear a
sindicância.
“Se nessa sindicância forem
apurados indícios de infracção disciplinar ou criminal, o Conselho Superior da
Magistratura deve actuar em conformidade, instaurando os procedimentos
disciplinares adequados, fazendo as necessárias participações criminais ao
Ministério Público e prestando informação pública completa, dentro dos limites
legais, que possa tranquilizar os cidadãos sobre a confiança e transparência e
integridade do sistema de justiça”, preconiza.
Para a associação sindical, nem
os juízes cumpridores dos seus deveres podem ficar “sob um manto de suspeição
injusta e perturbadora do adequado desempenho da função”, nem os
cidadãos "podem ter dúvidas sobre a imparcialidade dos seus
tribunais” e sobre a integridade de quem neles trabalha.
Posição idêntica assumiu também o
bastonário dos advogados, Menezes Leitão. Em declarações à TSF, este
dirigente defendeu ser “muito importante que o Conselho Superior de
Magistratura informe o que se está a passar com o sistema de
distribuição electrónica nos tribunais e que garanta que uma situação
deste género, se existiu, não se possa repetir”.
“Se se verificou uma situação
deste tipo - isso está por apurar, mas só haver essa suspeita já é de grande
gravidade -, toda a confiança dos cidadãos no sistema de justiça pode ser posta
em causa”, observou o bastonário.
“As investigações devem ser
levadas até ao fim, independentemente de quem forem os implicados”, diz por seu
turno o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António
Ventinhas, que se recusa a debruçar-se sobre o caso concreto. Ainda assim, o
magistrado recorda que, a provar-se, a viciação da distribuição de processos
pode constituir crime, se se destinar a beneficiar alguém.
Entretanto, o actual presidente
do Tribunal da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento - que a notícia da TVI
também implica neste caso - fez publicar um comunicado em que assegura que
a distribuição de processos se realiza “através de um programa informático, com
aleatoriedade e cumprimento do quadro legal”. E que as decisões dos juízes “são
elaboradas com isenção, imparcialidade e preocupação com a defesa do interesse
público”.
Explicando que não pode
pronunciar-se publicamente sobre este caso concreto, Orlando Nascimento sempre
vai adiantando que tem vindo a prestar ao Supremo Tribunal de Justiça - que
investiga o caso Lex juntamente com o Departamento Central de Investigação
e Acção Penal -, ao Ministério Público e ao Conselho Superior da Magistratura
“as informações necessárias ao exercício das suas competências”.
Entretanto, o Conselho Superior
da Magistratura acabou de revelar que já tinha em curso uma averiguação
preliminar sobre a regularidade dos procedimentos de distribuição no Tribunal
da Relação de Lisboa, cujos primeiros resultados serão apresentados em reunião
plenária deste órgão de controlo dos juízes no próximo dia 3 de Março.
Sónia Trigueirão e Ana Henriques | Público
Imagem: Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes
Portugueses / Rui Gaudêncio
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