Palhaçadas presidenciais não
escondem pífio crescimento do PIB. Desnuda-se a piada do Mercado: para
prosperar, exige vida cada vez mais árida, e duros cortes nos serviços sociais.
Após fracasso já esperado, solução é mais “austeridade”
Almir Felitte* | Outras Palavras
Na quarta-feira (4/3),
finalmente foi publicado o resultado do crescimento do PIB brasileiro em 2019.
E o índice foi uma verdadeira ducha de água fria para quem ainda nutria alguma
esperança de que o país estaria saindo do buraco económico em que se meteu. Com
um crescimento pífio de 1,1%, o primeiro ano do Governo Bolsonaro representou
uma desaceleração da economia para o Brasil, com um verdadeiro “PIBinho” ainda
menor que o do ano anterior, ainda no capenga Governo Temer. Com o terceiro ano
de crescimento minúsculo, a economia brasileira vai atravessando uma das piores
recuperações da sua história, ainda longe de compensar o tombo sofrido na
recessão de 2015 e 2016.
A resposta do Presidente para o
péssimo resultado não poderia ser mais surreal e humilhante. Logo após a
divulgação da notícia, Bolsonaro apareceu em Brasília com um humorista fazendo
papel de seu sósia. Ao ser perguntado por jornalistas sobre o preocupante baixo
crescimento do PIB, o Presidente indagou “o que é PIB?”, passando a palavra
para o palhaço, deixando a imprensa ali presente e todo o povo brasileiro sem
qualquer explicação ou satisfação.
Mas não é sobre nenhum destes
dois palhaços (nem o humorista, nem o que ocupa a nossa Presidência) que este
texto veio falar. A coluna de hoje é dedicada a uma outra classe de humoristas
em plena ascensão no Brasil: a dos analistas liberais da economia. Apesar de
que “analista” talvez não seja a melhor palavra para se referir a esta classe
que promove uma verdadeira torcida em sua incessante mania de impor uma agenda
liberal para o país.
E a torcida já parece ter entrado
em campo mais uma vez. Após o vexame de mais um ano de crescimento pífio,
alguns analistas liberais com cadeira cativa na mídia tradicional correram
apressados para apresentar o inteligentíssimo diagnóstico: o Brasil ainda não
fez reformas liberais suficientes, é preciso mais. Mas tal análise não é
inédita na grande mídia brasileira. Nos jornalões do país, as reformas liberais
já se tornaram um grande “na volta a gente compra” do mercado para o povo
brasileiro.
Desde 2015, quando Dilma nomeou
Levy para a Fazenda, tenta-se implantar uma agenda liberal de austeridade,
ajuste e privataria no país, na época, vista como um amargo, mas necessário,
remédio. De 2016 para frente, a partir do golpe, um verdadeiro trator de
reformas liberais começou a passar por cima do Brasil, mas não mais como um
amargo remédio: as medidas, capitaneadas por Maia e Temer, e agora também por
Bolsonaro, foram pintadas pela mídia como uma doce solução onde todos sairiam
ganhando num Brasil que voltaria a decolar economicamente.
Em 2016, a GloboNews (sempre ela)
emprestava o microfone para o então Ministro Henrique Meirelles mentir: “O
importante é que, quanto mais cedo for aprovada, melhor. Como a economia vai
reagir? No momento em que a PEC é aprovada, nós já teremos movimento relevante,
as expectativas começam a melhorar mais rapidamente”. A “fada da confiança”,
aliás, seria uma constante a cada reforma liberal proposta nos próximos anos.
No fim de 2019, o próprio Grupo Globo já noticiava: “Regra do teto de gastos
pode impor perda de R$ 9,46 bilhões à saúde em 2020”. Só um dos muitos efeitos
colaterais de uma medida que não trouxe confiança nem crescimento, mas vem
causando impactos sociais facilmente previsíveis desde o início.
No ano seguinte, os liberais
resolveram eleger um novo inimigo do crescimento para o país: o trabalhador
brasileiro e os seus direitos. Para além da ampliação das terceirizações, a
Reforma Trabalhista entrou no centro do debate económico do país. “Mais
direitos e menos empregos, ou menos direitos e mais empregos”, já dizia o então
deputado Jair Bolsonaro.
Portais da grande mídia
reproduziam com alegria exagerada a promessa de Meirelles de que a Reforma geraria
6 milhões de empregos. O Santander, mais comedido, previa 2,3 milhões de postos
de trabalho e justificava: “A aprovação da reforma trabalhista é fundamental
para acelerar a saída da recessão (via confiança e investimentos), reduzir
estruturalmente o desemprego (através de melhora da competitividade da mão de
obra brasileira) e diminuir a desigualdade de renda via contenção da
informalidade”.
Dois anos depois, os resultados
absolutamente nada surpreendentes para os verdadeiros analistas: o desemprego
só teria caído 0,6 ponto percentual no fim de 2019. Em contrapartida, a
informalidade teria crescido 0,7 ponto percentual em relação ao trabalho formal
e o desalento e as taxas de subutilização batiam recordes. Tudo isso para a
“fada da confiança” insistir em não aparecer. 2017 seria, assim como seus
sucessores, um ano de PIBinho, com crescimento pouco acima do 1%. E o
brasileiro ficou sem direitos, sem empregos e sem uma economia aquecida.
Mas os lobistas, digo, analistas
liberais não poderiam estar errados. Só havia uma desculpa possível para tanto
insucesso: o Brasil ainda não teria feito reformas liberais suficientes e a
cereja do bolo, a Previdência, permanecia intocada. Sobre o assunto, um
comediante que dá aulas na FEA-USP escreveria assim num panfleto humorístico da
direita liberal brasileira, o Infomoney: “Por enquanto, sem a reforma da
previdência, a classe empresarial não se sente confortável em comprometer seu
capital com investimentos diante do risco real de uma brutal crise financeira e
económica em 4 anos”.
A Reforma, é claro, viria não só
com muito terrorismo mediático, mas com promessas ainda mais pomposas. O
Governo falava em um crescimento de 2,9% já para 2019. O Grupo Globo noticiava
feliz a possível geração de 4,3 milhões de empregos com o corte nos
aposentados. Imaginem só isso somado aos 6 milhões de empregos da Reforma
Trabalhista?
Mas a “fada da confiança”, pelo
visto, resolveu mais uma vez dar o bolo no Brasil e não apareceu. A Reforma da
Previdência chegou, os direitos dos aposentados e trabalhadores brasileiros
foram embora e o crescimento, mais uma vez, ficou só no PIBinho, mais
precisamente, o 1,1% anunciado nesta semana. Nem metade do que o próprio
governo havia previsto no início do ano.
Aliás, as previsões de início de
ano para o PIB brasileiro têm sido um show à parte nos últimos tempos. Do
relatório Focus do BC às humorísticas previsões da XP Investimentos, “erros”
que ultrapassavam os 100% de margem se tornaram comuns. Erros entre aspas,
porque sabemos bem que as “análises” ali não tinham nenhum compromisso com a
verdade. No transcorrer de cada ano, o que se via era o malabarismo dessas
agências procurando justificativas para a previsão exagerada que haviam feito.
E foi nesse clima de euforia
inexplicável dos analistas liberais que o Brasil foi se encontrando em um
buraco cada vez mais fundo de problemas económicos, sociais e políticos.
Analistas estes que, certamente, já procuram a mais nova reforma para dizer que
o Brasil ainda não se liberalizou o suficiente. Tudo indica que a Reforma
Administrativa seja a bola da vez. E enquanto o povo brasileiro segue sem
emprego, sem renda, sem programas sociais, sem serviços públicos, sem
crescimento económico e sem Governo, os analistas liberais seguem sem qualquer
sentimento de culpa.
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