ENQUANTO A COVID-19 SE ESPALHA,
EUA INTENSIFICAM SANÇÕES DEVASTANDO O SETOR DE SAÚDE DA VENEZUELA
Durante seu discurso em
fevereiro, o presidente norte-americano Donald Trump prometeu “esmagar” e
destruir o governo venezuelano. Seus votos foram seguidos pela renovação da
ameaça de bloqueio naval ao país, um ato de guerra sob o direito
americano e internacional. Em seguida, o Departamento de Estado anunciou
entusiasmadamente que a “Doutrina Monroe 2.0” será “desenvolvida nas próximas
semanas e meses”, declarando uma “marcha de pressão máxima” contra a Venezuela.
Essas ameaças foram apoiadas por
políticas e ações concretas.
A empresa russa de petróleo
Rosneft, um dos principais compradores mundiais de petróleo venezuelano, viu
duas de suas subsidiárias sancionadas pelos EUA em menos de um mês por negociar
com a Venezuela.
O Departamento de Estado dos EUA telegrafou sua decisão em fevereiro, destacando as
empresas de petróleo Rosneft, Reliance (Índia) e Repsol (Espanha).
A Chevron, a maior empresa
petrolífera dos EUA que ainda trabalha na Venezuela, foi avisada pelo governo
Trump de que sua licença para operar no país (que a isenta das sanções) não
será renovada.
Desde 2015, o governo dos EUA sancionou 49
petroleiras, 18 empresas venezuelanas, 60 empresas estrangeiras e 56 aviões (41
pertencentes à companhia aérea Conviasa e 15 pertencentes à companhia estatal
PDVSA), mas esta é a primeira vez que eles atacam companhias de petróleo
estrangeiras.
As sanções foram pesadas,
causando danos de pelo menos 130 bilhões de dólares à economia entre 2015 e 2018.
Pior ainda, segundo o ex-relator
especial da ONU, Alfred de Zayas, as sanções foram responsáveis pela morte de mais de 100.000
venezuelanos.
Não surpreende que a Venezuela
tenha solicitado que o Tribunal Penal Internacional investigasse as sanções
como crimes
contra a humanidade.
Os efeitos das sanções são mais
visíveis no setor de saúde da Venezuela, que foi dizimado nos últimos cinco
anos.
As medidas norte-americanas
impediram os bancos de realizar transações financeiras para a compra de
suprimentos médicos.
Além disso, eles causaram uma redução
de 90% nos ganhos de renda externa da Venezuela, privando o setor de saúde de
investimentos muito necessários.
Não fosse a solidariedade da China e Cuba, que enviaram kits de testes e remédios, a Venezuela
estaria terrivelmente mal equipada para lidar com o coronavírus.
As sanções estão piorando uma
situação já perigosa, forçando a Venezuela a gastar três vezes mais para obter kits de testes do que os
países não sancionados.
O presidente Maduro apelou
diretamente a Trump para suspender as sanções em nome do combate à pandemia
global de coronavírus.
Seu apelo provavelmente ficará
sem resposta, dada a intensificação não apenas das sanções, mas também dos atos
violentos de guerra irregular da oposição.
Em 7 de março, um armazém
contendo praticamente todas as urnas eletrônicas da Venezuela foi deliberadamente incendiado.
Um grupo chamado Frente
Patriótica Venezuelana, supostamente composto por soldados e policiais, assumiu a
responsabilidade pelo ato terrorista.
Venezuela: Firefighters and the
GNB continued extinguishing efforts overnight on the CNE & Cantv premises
in Caracas.
The fire covered a large part of the sheds at the principle storage center which houses voting machines. CNE's President suggests the possibility of sabotage. pic.twitter.com/J3oNUuwwN3
The fire covered a large part of the sheds at the principle storage center which houses voting machines. CNE's President suggests the possibility of sabotage. pic.twitter.com/J3oNUuwwN3
— Camila (@camilateleSUR) March 8, 2020
Embora não seja possível (ainda)
estabelecer uma conexão direta entre esse grupo e o governo Trump, acredita-se
que uma operação que exija custos logísticos e financeiros claramente
significativos teria recebido apoio de pelo menos um dos muitos atores envolvidos
abertamente na mudança de regime: a administração Trump, o governo Duque na
Colômbia, o governo Bolsonaro no Brasil ou as facções extremistas de direita da
oposição lideradas por Juan Guaidó.
O silêncio da comunidade
internacional sobre um ato terrorista que visa as instituições democráticas da
Venezuela é ensurdecedor.
De fato, a OEA, a UE ou os EUA
também ficaram em silêncio depois que um armazém contendo equipamentos de telecomunicações foi queimado em
fevereiro ou quando soldados rebeldes atacaram quartéis no sul da
Venezuela em dezembro de 2019.
Já existem evidências de que
paramilitares venezuelanos opostos ao governo Maduro receberam apoio e
treinamento na Colômbia e no Brasil, para não mencionar os supostos milhões de dólares gastos pelos EUA para
convencer oficiais militares venezuelanos a se voltar contra o governo.
Além de apoiar a guerra
irregular, o governo Trump está se preparando para a guerra convencional.
A ameaça de um bloqueio naval – um ato de guerra direta
– foi seguida por reuniões separadas entre Trump, o secretário de Defesa, Mark
Esper, e oficiais militares de alto escalão com o presidente colombiano Ivan Duque e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
(Ironicamente, durante uma
reunião com a delegação brasileira para discutir a destruição do governo
Maduro, Trump provavelmente foi exposto ao coronavírus. Um dos
membros da delegação, o secretário de comunicação de Bolsonaro, deu positivo
para a doença.)
Além do bloqueio naval, os EUA
planejam uma “presença reforçada de navios, aeronaves e forças de segurança
para […] combater uma série de ameaças, incluindo o narcoterrorismo ilícito“,
uma clara referência à Venezuela, apesar do fato de que, de acordo com as
próprias estatísticas do governo dos EUA, não é um país importante para o trânsito de tráfico de drogas.
“A marcha depressão máxima” está
programada para coincidir com importantes negociações em Caracas entre o governo venezuelano e
setores moderados da oposição.
Os dois lados criaram uma
comissão que selecionará novos membros do Conselho Nacional Eleitoral a tempo
das eleições legislativas deste ano.
Um dos aliados de Juan Guaidó,
Henry Ramos Allup, líder do partido de oposição Acción Democrática (Ação
Democrática), foi criticado pela extrema direita por dizer que participará das eleições.
É improvável que o ataque
terrorista às urnas afete o calendário das eleições, mas sem o sistema de
votação eletrônica apoiado em recibos em papel e auditorias na contagem de
votos, os resultados serão vulneráveis a denúncias de fraude.
Não é a primeira vez que o
governo Trump amplia seus esforços de mudança de regime em resposta às
negociações entre o governo venezuelano e a oposição. Isso foi feito em
fevereiro de 2018, quando o então secretário de Estado, Rex Tillerson, ameaçou
um embargo ao petróleo e disse que aceitaria um golpe militar, logo quando os
dois lados estavam prestes a assinar um acordo abrangente negociado durante
meses na República Dominicana.
Isso aconteceu novamente em
agosto de 2019, quando os EUA aplicaram o que o Wall Street Journal caracterizou
como um “embargo econômico total” no meio de discussões entre
a oposição liderada por Guaidó e o governo.
Nos dois casos, as negociações
desmoronaram como resultado de ações e declarações do governo dos EUA.
Desta vez, é improvável que a
pressão atrapalhe o diálogo, já que políticos moderados da oposição estão
aceitando o fato de 82% dos venezuelanos rejeitarem sanções e apoiarem o
diálogo.
Infelizmente, o governo Trump
deixou claro que não se importa com o que os venezuelanos pensam. Em vez disso,
ele continua aumentando a pressão e pode até estar preparando o terreno para
uma intervenção militar – talvez uma “surpresa de outubro” para alavancar
reeleição de Trump.
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