quinta-feira, 12 de março de 2020

O pato da Guiné-Bissau


António Rodrigues | Público | opinião

Umaro Sissoco Embaló desafiou a CEDEAO, deixou de ser parceiro do diálogo, para assumir que o poder é seu. Resta saber se a comunidade internacional aceita que se possa chegar ao poder através da “anarquia”, como classificou as acções do autoproclamado Presidente.

Quando tem bico de pato, penas de pato, pés de pato e grasna como um pato, o mais provável é ser um pato. Quando um candidato se autoproclama Presidente, marca a sua própria tomada de posse, usa soldados para ocupar ministérios e instituições públicas e hostilizar ministros, corta a transmissão da televisão e rádio públicas e se nega a receber uma missão internacional, o mais provável é ser um golpe de Estado.

Se até Baciro Djá – ex-primeiro-ministro que obteve apenas 1,28% nas eleições presidenciais e lidera um partido, a Frente Patriótica de Salvação Nacional (Frepasna) que juntou quase 14 mil votos, mas nem a ele conseguiu eleger deputado – se permite desafiar o autoproclamado Presidente, percebemos que esse autoproclamado Presidente exagerou tanto nas acções que os seus dias parecem contados.

Chamar-lhe general de pacotilha e declarar com bazófia que se Sissoco Embaló não se demitir até 27 de Março, vai ele mesmo retirá-lo do palácio presidencial, é um sinal de que Djá acredita no fim breve do pato e que não se verá obrigado a cumprir a palavra dada. Embora, tudo indique que o “marechal”, título que deu a si mesmo para troçar da identificação de Embaló como general, se tivesse deixado levar pela bravata retórica.


O comunicado do Governo de Nuno Nabiam, nomeado pelo autoproclamado Presidente, sobre a missão da CEDEAO, que acabaria por ser cancelada, é um gesto de desafio à comunidade internacional que parece uma manobra desesperada. Assumindo uma força que, dadas as circunstâncias, realmente não tem, mas esperando que o gesto seja percebido com a solidez de um facto consumado.

“Esta missão não é bem-vinda e não permitiremos nenhuma delegação sem que antes tenha havido uma concertação prévia com o Governo liderado por Nuno Gomes Nabiam”, dizia o comunicado.

O que é um contra-senso, porque uma missão que chega com o objectivo de “ajudar a uma resolução rápida do contencioso eleitoral nascido da proclamação dos resultados da segunda volta das eleições presidenciais”, não pode considerar como de jure um governo que a CEDEAO condena, porque atenta contra a ordem constitucional e foi constituído através de “acções que são contrárias aos valores e princípios democráticos partilhados” pela organização.

Sissoco Embaló pode até nem ser general, mas as suas tácticas têm resultado. Enquanto o PAIGC gritava fraude eleitoral e intentava no Supremo Tribunal reverter aquilo que a Comissão Nacional de Eleições continuava a assumir como resultados válidos, o candidato deu um passo em frente e ocupou o cargo, demitiu o Governo, nomeou outro e esperou que o facto consumado acabasse por calar as críticas internacionais.

Parecia o final de uma boa estratégia. Só que a CEDEAO, por pressão das Nações Unidas, viu-se obrigada a mudar o tom de vazio protesto do comunicado de 28 de Fevereiro, para uma assertiva condenação das acções de Embaló no de 1 de Março. Ao mesmo tempo que decidia enviar uma missão de alto nível que marcou uma reunião com Aristides Gomes, reconhecendo-o como primeiro-ministro legítimo.

Sem o reconhecimento internacional dos seus decretos presidenciais, Embaló, ciente de que, como afirmava Sun Tzu, “a arte da guerra se baseia no engano”, assumiu uma posição de força, esperando que o gesto engane os inimigos internacionais.

Só que, assumindo o desafio, deixa de ser parte do diálogo na resolução da crise política, enfraquece a sua posição internacional e mostra que as penas de coruja disfarçavam apenas o pato de um golpe de Estado. E a comunidade internacional até pode ser tolerante para reformas constitucionais que são de facto golpes legais, mas se se calar agora estará a legitimar a “anarquia”, como a CEDEAO chamou às acções de Embaló.

Sem comentários:

Mais lidas da semana