quinta-feira, 12 de março de 2020

Guiné-Bissau | Crise política crónica hipoteca futuro dos jovens


Hospitais com serviços mínimos, escolas que não funcionam, serviços públicos abertos dois dias por semana, funcionários sem ordenado. Que futuro para a Guiné-Bissau?

As eleições presidenciais podiam ter posto um ponto final na instabilidade política que tem estado patente na Guiné-Bissau, mas intensificou ainda mais o clima de incerteza da população.

As greves da função pública afetam setores críticos como a saúde e a educação. "O hospital está a meio gás por causa da greve dos funcionários. Só há serviço mínimo, as escolas não estão a funcionar, mas isto é a sequência de antes no governo de Aristides Gomes, não com esse problema de empossamento ou não do Presidente da República”, esclarece a médica Aissatu Forbs.

Apesar da paralisação dos transportes públicos ter terminado, a greve da função pública mantém-se. As instituições do Estado funcionam apenas na segunda e sexta-feira. Terça, quarta e quinta-feira há greve. Seco Duarte, líder da Rede Nacional das Associações Juvenis da Guiné Bissau (RENAJ) confirma que há funcionários que ainda "não receberam o salário do mês do janeiro, muito menos fevereiro” e que os trabalhadores estão "desmotivados”.

As escolas também não funcionam devido às greves gerais da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (UNTG) e do Sindicato dos Professores. A instabilidade no setor da educação é um dos principais problemas da sociedade guineense que leva vários jovens a emigrar para os países vizinhos ou para a Europa. Em 2017, a taxa de emigração era de 1,3%. Os números de emigração jovem não são conhecidos. 


Política pública para educação

A presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Aissatu Forbs, optou por estudar e trabalhar na Guiné Bissau, mas a maioria dos irmãos foi estudar para o exterior. "Há jovens que emigram para procurar emprego, mas há outros que procuram melhores condições de ensino. Há principalmente jovens que vão para Senegal, para Portugal, para Marrocos”, explica Forbs.

A líder juvenil, que começou no associativismo com apenas nove anos, tem consciência de que um diploma da Guiné-Bissau é menos credível quando comparado com outros países, inclusive dentro da sub-região africana. Mesmo assim, optou por estudar na Faculdade de Medicina, enquadrada na Universidade Amílcar Cabral. A instituição pública conta com a assessoria técnica e científica de professores cubanos desde 2006 devido a uma parceria feita com o governo de Fidel Castro.

Alissatu Forbs lamenta que a instabilidade do país faça com que o Governo não tenha uma política pública consistente para a Educação,  o que limita as oportunidades de emprego:  "Isso faz com que os jovens sintam que têm poucas opções, para sonhar aqui, e concretizar sonhos é muito difícil”. A jovem médica constata que recentemente houve jovens deixaram o país para, por exemplo, estudar com bolsas de Estado, mas que no regresso à Guiné-Bissau depararam-se com uma situação de desemprego: "É só estágio mesmo, as empresas de telecomunicações ou outras empresas privadas ficam com os jovens muito tempo no regime de estágio e não asseguram emprego”.

Seco Duarte, estudante de Direito, optou pelo ensino privado porque o público é incerto.Estima que a taxa de desemprego entre os jovens ronda 30% e considera que, "como refúgio, vários jovens têm enveredado pela delinquência”. Alerta ainda que vive num país em que - para quem quer um emprego rentável - os maiores empregadores são os partidos políticos, porque "os partidos têm mais infraestrutura financeira do que o próprio Estado”. Além disso, os jovens acabariam por entrar na política como uma forma de "subir na vida”, numa postura de "salve-se quem puder”.

Posicionamento das organizações juvenis

Num país onde mais de metade da população tem menos de 35 anos de idade, importa saber o que pedem os líderes juvenis aos atores políticos na resolução do impasse político atual.

Até ao momento ainda nenhuma associação juvenil se posicionou oficialmente sobre a atual situação política. O representante da Rede Nacional das Associações Juvenis da Guiné Bissau (RENAJ), Seco Duarte, reclama apenas "respeito pelas leis da República, espírito patriótico e que ponham o país em primeiro lugar”. Pede ainda "maior consideração pelo povo guineense que já está no limite da paciência com a classe política no todo” e que as autoridades governamentais e políticas assumam as suas responsabilidades.

O Conselho Nacional da Juventude (CNJ) ainda não tentou abordar nenhum dos atores políticos porque está a aguardar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça. A presidente, Aissatu Forbs, apela ao diálogo, ao princípio da "não violência” e que a constituição da república seja respeitada. "Achávamos que a medição internacional podia ser uma saída já que a nível interno não se consegue realmente mover diálogo e ultrapassar esta situação”.

Marta Cardoso | Deutsche Welle

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