Docente que está em Timor fala em
“sentimento geral de hostilização dos cidadãos estrangeiros, com consequências
imprevisíveis em situação de natural alastramento da covid-19 em Timor-Leste”.
Ramos-Horta já pediu desculpa aos cidadãos estrangeiros.
Uma professora portuguesa
colocada em Timor-Leste escreveu uma carta à Federação Nacional dos Professores
(Fenprof) em que afirma que “os portugueses residentes em Timor estão a viver
uma situação insustentável” com a chegada da covid-19 ao país.
O PÚBLICO tem também recebido nos
últimos dias relatos de familiares de professores em Timor em que são referidas
grandes
preocupações entre os portugueses que trabalham naquele país que, tal
como outros cidadãos estrangeiros, continuam a ver alvo de ofensas, sendo
acusados por alguns timorenses de serem responsáveis pela chegada da pandemia
covid-19 ao país, onde está agora está confirmado apenas um caso.
Na quarta-feira, na sua conta
Facebook, o prémio Nobel da Paz e ex-presidente de Timor, José Ramos-Horta,
pediu desculpas, como cidadão de Timor-Leste, pelas críticas que alguns
compatriotas têm feito contra os cidadãos e agências estrangeiras, incluindo a
ONU, presentes no país.
“Peço desculpas a todos os nossos
hóspedes que trabalham nesta terra amada quando algum timorense vos
desrespeita. Como cidadão de Timor-Leste curvo-me, baixo a cabeça, e peço-vos
desculpas”, escreveu.
Na carta que enviou à Fenprof, a
professora portuguesa em Timor, que pediu o anonimato mas autorizou a revelação
da missiva, diz que “perante o agravamento da pandemia de covid-19, e
respectiva chegada ao território de Timor-Leste, os portugueses cooperantes
aqui residentes, em desempenho de funções docentes, vêm manifestando,
utilizando os canais hierárquicos estabelecidos, a vontade de ser repatriados
até à conclusão da crise actual”.
Já depois de o PÚBLICO ter
divulgado na segunda-feira (dia 23), que os
professores estavam muito apreensivos e que já se tinham registado
duas agressões a docentes e várias ameaças, o ministro dos Negócios
Estrangeiros afirmou, numa audição parlamentar, que só tinha conhecimento de
uma agressão, datada do dia 4 de Março, e que nada tinha a ver com a covid-19.
Augusto Santos Silva considerou mesmo as alegações dos professores como
“alarmistas e sem fundamento”.
Não é isso que diz a professora
na carta à Fenprof. A docente afirma que a deslocação dos professores colocados
na cidade de Baucau para Díli, na madrugada de domingo, “ordenada pela
embaixada de Portugal em Dili, deveu-se ao apedrejamento da residência dos
professores naquela cidade, na sequência de divulgação de que um dos
cooperantes estaria contaminado”. Diz ainda que é “já constatável um sentimento
geral de hostilização dos cidadãos estrangeiros, com consequências
imprevisíveis em situação de natural alastramento da covid-19 em Timor-Leste”.
“Assim, não corresponde à
realidade a afirmação da coordenadora do projecto, Lina Vicente, à Lusa,
segundo a qual ‘apenas uma docente escreveu à embaixada informando que
pretendia ser repatriada’. Com efeito, podendo ter havido apenas uma cooperante
a assumir essa vontade, a quase totalidade dos professores pretendem o
repatriamento imediato, ainda que o possam não manifestar, por razões de
natureza diversa”, escreve ainda. Já no dia 23, em declarações à Lusa, Lina
Vicente afirmava: “Praticamente a totalidade dos professores pediu o
repatriamento.”
No dia 24, a Lusa revelava que
“duas professoras portuguesas destacadas em Timor-Leste fizeram participação na
Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) de incidentes que ocorreram no final da
semana a bordo de um transporte público em Baucau, segunda cidade do país”,
como o PÚBLICO tinha relatado na véspera.
“Fontes policiais confirmaram à
Lusa que as docentes foram hoje ao comando da PNTL em Díli, acompanhadas por
responsáveis do projecto em que participam e por um elemento da Embaixada de
Portugal, a pedido ‘de responsáveis da polícia timorense’”, escreveu a agência.
Antes, o embaixador de Portugal em Timor, José Pedro Machado Vieira, negava
qualquer agressão.
As escolas em Timor estão neste
momento fechadas e sem data definitiva para a reabertura e, nos últimos dias,
vários professores e outros portugueses em Timor têm insistido junto de várias
instituições governamentais portuguesas para que se faça um repatriamento “com
urgência”.
Os professores temem um aumento
das ameaças e estão ainda preocupados com a chegada da pandemia covid-19 ao
país, que tem um débil sistema de saúde e fracas condições de higiene.
“Em face do expectável
agravamento da situação sanitária há, pois, que dar sequência ao compromisso
igualmente assumido na reunião [de responsáveis em Timor], em cujos termos ‘em
situação de possível emergência/calamidade, o governo português assumirá as suas
responsabilidades’. É este o momento”, diz ainda a professora na sua missiva à
Fenprof com data de 23 de Março.
Neste momento, estão cerca de 140
professores portugueses ao abrigo do protocolo entre os dois países. Estão
colocados em várias cidades e dão aulas a mais de mil alunos.
Luciano Alvarez | Público
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