De europeus a brasileiros,
Washington deixa aliados na mão ao superar valor de compra de contratos já
assinados ou apreender remessas de produtos, como máscaras e respiradores.
"Pirataria moderna", diz político alemão.
Da Europa ao Brasil, aliados dos
Estados Unidos têm condenado o que chamam de táticas de "velho oeste"
implementadas pelo governo americano, acusado de superar o valor de compra
ou bloquear a entrega de cargas a regiões que já assinaram contratos para adquirir
suprimentos médicos vitais.
Autoridades da França e da
Alemanha, por exemplo, afirmaram que os EUA estão pagando valores muito acima
do preço do mercado para comprar máscaras médicas da China, maior produtora
desses itens no mundo.
Em alguns casos, eles estariam
"roubando" contratos ao oferecer valores mais altos, mesmo depois de
compradores europeus acreditarem que a compra já estava acertada, ou inclusive
já terem pago por ela. Casos semelhantes ocorreram no Brasil nesta semana.
Uma carga de 600 respiradores
artificiais chineses, que seriam distribuídos entre os estados da Bahia e do
Ceará, ficou retida no aeroporto de Miami durante uma conexão aérea antes de
ser enviada ao Brasil, informaram autoridades estaduais nesta sexta-feira
(03/04).
A compra no valor de 42 milhões
de reais, feita pelo Consórcio Nordeste, grupo que reúne os nove governadores
do Nordeste, foi cancelada unilateralmente pela empresa chinesa que produz os
equipamentos, sem grandes explicações. "Alegaram apenas razões técnicas",
disse o secretário da Casa Civil da Bahia, Bruno Dauster.
O valor não chegou a ser
desembolsado. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a empresa, cujo nome não
foi revelado, disse que a remessa teria outro destino, não especificado. A
desconfiança é que os EUA teriam concordado em pagar mais à companhia chinesa,
acrescentou o jornal.
"Dinheiro é irrelevante.
Eles pagam qualquer preço porque estão desesperados", disse uma autoridade
do partido da chanceler federal alemã, Angela Merkel, a União Democrata
Cristã (CDU), à agência de notícias Reuters. Outra fonte do governo alemão
afirmou: "Os americanos estão se mexendo, carregam muito dinheiro."
Desde que o coronavírus
Sars-Cov-2 surgiu pela primeira vez na China em dezembro do ano passado, a
pandemia se espalhou rapidamente por todo o mundo. Governos na Europa e nas
Américas tentam desesperadamente reunir suprimentos para funcionários de saúde
e hospitais, bem como para a população.
Agora, com o número total de
casos confirmados passando de 1 milhão em todo o mundo, e o surto explodindo
nos Estados Unidos, a competição por estoques preciosos se intensifica ainda
mais.
Nesta sexta-feira, o presidente
americano, Donald Trump, anunciou uma medida para impedir a exportação para
outros países de máscaras do tipo N95, capazes de proteger os usuários de até
95% de pequenas partículas, e de outros equipamentos médicos.
Também nesta sexta, a 3M, empresa
que produz máscaras e outros itens, disse que o governo de Trump pediu à
companhia que interrompesse suas exportações de produtos fabricados nos Estados
Unidos para o Canadá e para a América Latina.
A 3M rebateu Washington e disse
que não acataria o pedido, alertando que a medida teria "implicações
humanitárias significativas" e poderia levar a retaliações de outros
países contra os EUA.
O primeiro-ministro do Canadá,
Justin Trudeau, afirmou que o bloqueio de remessas de equipamentos médicos ao
país seria um "erro", um tiro que poderia sair pela culatra,
lembrando que profissionais de saúde canadenses atravessam a fronteira todos os
dias para trabalhar em cidades americanas.
Em outro caso, autoridades em
Berlim acusaram os Estados Unidos de "confiscarem" uma remessa de 200
mil máscaras fabricadas pela 3M na China e já pagas pela capital alemã.
A cidade-estado havia encomendado
máscaras do tipo FFP-2 para distribuí-las entre policiais locais, como
medida de proteção ao novo coronavírus. Segundo o secretário do Interior de
Berlim, Andreas Geisel, a remessa foi apreendida em Bangkok, na Tailândia, e o
ato teria ligação com uma "proibição de exportação de máscaras imposta
pelo governo americano".
Os EUA cometeram um "ato de
pirataria moderna", disse Geisel nesta sexta-feira. "Mesmo em tempos
de crise, não devemos usar métodos do velho oeste. [...] Estou pedindo ao
governo alemão que exija a complacência dos EUA com a ordem
internacional."
Uma autoridade do Departamento de
Segurança Interna americano disse que empresas e o governo dos Estados Unidos
estão pagando valores acima do preço do mercado pela maior parte dos
equipamentos comprados de fora do país.
O funcionário, que conversou com
a Reuters e pediu anonimato, acrescentou que Washington não vai parar de comprar
"até que nós tenhamos muito mais que o suficiente". Segundo ele, a
caçada por equipamentos de saúde e de proteção no exterior poderia durar até
agosto. "Colocaremos nossas mãos em tudo aquilo que pudermos", disse.
Mais cedo nesta semana, líderes
regionais da França acusaram americanos de "licitar" e
reter máscaras encomendadas e compradas da China. Jean Rottner, líder
da região de Grand Est, uma das mais afetadas pela covid-19, disse que as
cargas estão mudando de dono no último minuto.
"Na pista [dos aeroportos
chineses], os americanos oferecem dinheiro e pagam três ou quatro vezes o preço
que oferecemos", afirmou Rottner à emissora de rádio RTL France na última
quarta-feira. "É complicado, lutamos 24 horas por dia" para que
as máscaras sejam entregues.
O Brasil já havia sido alvo de
caso semelhante. Também na quarta, o ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, disse que várias compras de equipamentos de proteção individual para
profissionais de saúde, como máscaras e luvas, deixaram de ser concluídas
depois de os EUA adquirirem um grande volume de produtos da China.
"Hoje os Estados Unidos
mandaram 23 aviões cargueiros dos maiores para a China, para levar o material
que eles adquiriram. As nossas compras, que tínhamos expectativa de concretizá-las
para poder fazer o abastecimento, muitas caíram", afirmou Mandetta.
"Mais do que nunca temos que poupar ao máximo."
O ministro disse que situação
semelhante ocorreu com respiradores usados em UTIs. "Entregaram a primeira
parte. Na segunda parte, mesmo com eles contratados, assinados, com o dinheiro
para pagar, quem ganhou falou: não tenho mais os respiradores, não consigo te
entregar. Então, nós voltamos de algo que a gente achava que a gente já tinha,
demos um passo para trás."
Ele acrescentou que espera que os
países que "exercem o seu poder muito forte de compra já tenham se
saciado", para que o Brasil possa, assim, reabastecer seus estoques de
itens essenciais.
Os Estados Unidos são o país mais
afetado do mundo em número de casos confirmados, somando mais de 270 mil
infecções. Itália e Espanha vêm em seguida, com 119 mil ocorrências cada uma. A
Alemanha já está em quarto na lista, com 91 mil casos, à frente da China,
epicentro da pandemia, com seus 82 mil infectados.
Em número de mortos, a Itália é o
país que mais sofre, com quase 15 mil vítimas. A Espanha, por sua vez, soma 11
mil mortes, os EUA, 7 mil, e a França, mais de 6 mil. O Brasil contabiliza mais
de 9 mil casos e 359 mortes, segundo dados do Ministério da Saúde desta
sexta-feira.
Deutsche Welle | EK/ap/afp/dpa/rtr/ots
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