Domingos Andrade* | Jornal de Notícias
| opinião »
Somos contaminados pelo populismo
quase sem darmos por isso. Uma espécie de novo coronavírus do pensamento e da
razão.
E os argumentos não variam muito:
entre um "não pude ver a minha filha, a minha mãe ou avó"; e o mais
básico "fui obrigado a ficar de quarentena e agora isto". O
"isto" são as comemorações do 25 de Abril. Ou do 1.º de Maio. Num
momento sem precedentes na nossa história em democracia, aceitámos que a
liberdade fosse limitada em nome da saúde pública. Estamos a iniciar o terceiro
estado de emergência na expectativa de que seja o último e este é já o momento
de preparar o progressivo regresso à atividade.
A normalização não é apenas uma
necessidade da economia. É uma questão social, cultural e no limite até de
saúde mental. Um estado excecional é limitado no tempo. Quando todos os
indicadores apontam para que esta fase esteja a ser ganha, importa aprender a
viver com o vírus. Será um convívio longo, que poderá reservar-nos muitas (e
más) surpresas. Mas é à luz da ciência, não do medo, que deverão ser tomadas e
reavaliadas decisões.
Neste calendário rumo à
normalização surge o 25 de Abril e a decisão de o comemorar no Parlamento. De
imediato se levantam vozes a considerar a sessão uma irresponsabilidade, a
compará-la às celebrações religiosas e a aludir a uma "festa" da
classe política, quando os cidadãos estão proibidos de fazer festas em sua casa.
Comparações de quem não entende o sentido coletivo da liberdade, de quem se
esquece que o Parlamento continua ativo, como órgão de soberania que é, e de
quem insiste em procurar culpados numa crise em que somos todos, globalmente,
vítimas - embora em níveis desiguais, porque como sempre as crises atingem com
mais força os mais desprotegidos. E não pode haver dúvidas de que, até por
isso, o 25 de Abril tinha de ser celebrado, simbolicamente, na casa da
Democracia. Para o leitor, que me lê agora, poder discordar.
Temos à nossa frente uma escolha.
Ou nos mantemos desconfiados de todas as tentativas de retomar a atividade, ou
recuperamos gradualmente a confiança para voltar a frequentar lojas, reabrir
jardins, parar cinco minutos a falar presencialmente com o vizinho. Com a
crescente liberdade recuperada, teremos responsabilidade acrescida. Na nossa
proteção e sobretudo na dos outros, grupos de risco à cabeça. Em democracia a
liberdade tem esse sabor de sermos parte de um todo. É nessa liberdade feita de
confiança e respeito mútuo que devemos acreditar. Em abril, em maio e num
futuro que exigirá um sentido de solidariedade mais forte do que nunca.
*Diretor
Sem comentários:
Enviar um comentário