domingo, 19 de abril de 2020

Portugal | LIBERDADE, ASSUNTO SÉRIO


Domingos Andrade* | Jornal de Notícias | opinião »

Somos contaminados pelo populismo quase sem darmos por isso. Uma espécie de novo coronavírus do pensamento e da razão.

E os argumentos não variam muito: entre um "não pude ver a minha filha, a minha mãe ou avó"; e o mais básico "fui obrigado a ficar de quarentena e agora isto". O "isto" são as comemorações do 25 de Abril. Ou do 1.º de Maio. Num momento sem precedentes na nossa história em democracia, aceitámos que a liberdade fosse limitada em nome da saúde pública. Estamos a iniciar o terceiro estado de emergência na expectativa de que seja o último e este é já o momento de preparar o progressivo regresso à atividade.

A normalização não é apenas uma necessidade da economia. É uma questão social, cultural e no limite até de saúde mental. Um estado excecional é limitado no tempo. Quando todos os indicadores apontam para que esta fase esteja a ser ganha, importa aprender a viver com o vírus. Será um convívio longo, que poderá reservar-nos muitas (e más) surpresas. Mas é à luz da ciência, não do medo, que deverão ser tomadas e reavaliadas decisões.

Neste calendário rumo à normalização surge o 25 de Abril e a decisão de o comemorar no Parlamento. De imediato se levantam vozes a considerar a sessão uma irresponsabilidade, a compará-la às celebrações religiosas e a aludir a uma "festa" da classe política, quando os cidadãos estão proibidos de fazer festas em sua casa. Comparações de quem não entende o sentido coletivo da liberdade, de quem se esquece que o Parlamento continua ativo, como órgão de soberania que é, e de quem insiste em procurar culpados numa crise em que somos todos, globalmente, vítimas - embora em níveis desiguais, porque como sempre as crises atingem com mais força os mais desprotegidos. E não pode haver dúvidas de que, até por isso, o 25 de Abril tinha de ser celebrado, simbolicamente, na casa da Democracia. Para o leitor, que me lê agora, poder discordar.

Temos à nossa frente uma escolha. Ou nos mantemos desconfiados de todas as tentativas de retomar a atividade, ou recuperamos gradualmente a confiança para voltar a frequentar lojas, reabrir jardins, parar cinco minutos a falar presencialmente com o vizinho. Com a crescente liberdade recuperada, teremos responsabilidade acrescida. Na nossa proteção e sobretudo na dos outros, grupos de risco à cabeça. Em democracia a liberdade tem esse sabor de sermos parte de um todo. É nessa liberdade feita de confiança e respeito mútuo que devemos acreditar. Em abril, em maio e num futuro que exigirá um sentido de solidariedade mais forte do que nunca.

*Diretor

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