quinta-feira, 23 de abril de 2020

Portugal | Recibos verdes pagam mais à segurança social do que ganham em apoios

Ana Godinho, ministra do trabalho e segurança social, ri de quê?  (pg)
Mesmo com adiamentos, pouco fica para sobreviver, queixam-se os independentes. Só quem declara mais de 2820 euros mensais recebe ajuda máxima de 438,81 euros.

Os trabalhadores independentes estão a ser surpreendidos com valores de apoio à perda total de atividade durante o mês de março muito inferiores ao que esperavam. Além de ser preciso faturar acima de 2820 euros para conseguir receber o correspondente a um indexante de apoios sociais (IAS, 438,81€), ainda há que contar que só estão a ser pagos 20 dos 31 dias de março. Quem não pedir diferimento do pagamento das contribuições obrigatórias pode, na prática, nem ter ajudas suficientes para pagar a taxa de 21,4% dos recibos verdes.

"Tenho a receber 110€ de apoio. Tenho a pagar 151,03€ de contribuições. Fico com menos 41,03€", queixou-se um trabalhador independente, que pediu redução de 25% na contribuição a pagar no primeiro trimestre e não pediu diferimento do pagamento mensal. O apoio acaba por ser calculado sobre a base de incidência mensal reduzida em 25%. E não recebe 100%.

"Os valores são muito inferiores ao esperado. Deviam ser iguais à base de incidência contributiva, com um valor máximo de um IAS. Mesmo quem ganha o suficiente para atingir esse valor [cerca de 2820€] só está a ter indicação de pagamento de 292,54€ e ninguém percebe o motivo", denunciou Daniel Carapau, do movimento Precários Inflexíveis. O grupo que representa trabalhadores independentes recebeu "dezenas de pedidos de esclarecimento" nos últimos dias, sem resposta segura para dar. "O decreto já mudou três vezes. E em abril já vai haver outras regras. Ninguém se entende", resumiu Carapau.

As regras foram publicadas a 13 de março, mas só agora o Governo explicou os cálculos. "Em março, o apoio é atribuído aos trabalhadores independentes com paragem total de atividade ou paragem da atividade do respetivo setor, e corresponde ao período de 20 dias, desde 12 de março a 31 de março [o Decreto-Lei n.o 10-A/2020, de 13 de março, produziu efeito à data da sua aprovação, dia 12]", explicou ao JN fonte do Instituto da Segurança Social.



Regras e diferimentos

O primeiro anúncio do Governo relativo aos apoios para trabalhadores independentes obrigados a ficar em casa com os filhos devido ao encerramento das escolas, em março, assegurou que receberiam, no mínimo, 438,81€ (1 IAS). Nem isso aconteceu, porque a base de incidência da maioria dos salários está muito abaixo de um IAS, por isso só vão receber 1/3 da base. Para um salário de 1000€, no caso de dois "recibos verdes" que tenham pedido apoio em março, um por apoio a filhos e outro por paragem de atividade, o primeiro vai receber 77,77€ e o segundo 155,55€.

O apoio é curto e ainda há que pagar a contribuição mensal, de 21,4% sobre a base de incidência, o que pode tornar-se impossível. Nestes casos, esclareceu a mesma fonte da Segurança Social, quem está a receber apoio tem "direito ao diferimento da totalidade das contribuições dos meses em que recebe o apoio, tendo de as regularizar a partir do 2.º mês seguinte à cessação do apoio". O acesso é automático, "bastando que o trabalhador não efetue o pagamento da contribuição nos meses em que está a receber o apoio". Todos os recibos verdes, recordou, têm a opção de pagar apenas 1/3 das contribuições adiando o restante para pagamento em prestações sem juros a partir de julho.

Erika Nunes | Jornal de Notícias

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