Manuel Carvalho Da
Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Neste tempo estranho, o regresso
à "vida normal" é ensaiado num entrelaçado mal distinto entre medos
de se ser infetado e ilusões quanto à perspetiva de uma recuperação rápida dos
estragos já manifestos. Olhamos em redor e vemos elevado desemprego, agravamento
de desigualdades, carências gritantes e o espetro da fome para muitas pessoas;
vemos atividades diversas em estado comatoso, falências a anunciar-se.
Entretanto, da União Europeia (UE), que se diz ser ancoradouro de
solidariedade, chegam-nos sinais inequívocos de bloqueio e de negação de apoios
financeiros e outros.
Na passada terça-feira, o
Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se sobre políticas monetárias do
Banco Central Europeu (BCE) para as condenar, invocando que o programa original
do banco, de compra de ativos, viola os tratados europeus e a Constituição
alemã, posição que à partida não bloqueia o Programa do BCE de resposta à
pandemia, mas que o condicionará. Ora, se esse programa por si só está longe de
resolver os problemas e se o Banco Central vai ficar ainda mais aprisionado,
que instrumentos restam para socorrer os países depauperados com as respostas
que deram e têm de continuar a dar no combate à pandemia?
A reunião do Conselho Europeu
convocada para disparar a tal bazuca que nos permitiria encarar o futuro com
confiança foi adiada para meados do mês. Tudo sugere que a UE entrou em pane,
nem anda para trás, nem para a frente. As políticas dualistas e muitas vezes
propositadamente obscuras seguidas pela UE - para execução dos mecanismos da
moeda única, da concorrência fiscal e do mercado único - criaram nos cidadãos
europeus fracionamentos perigosos, interpretações erradas sobre quem beneficia
e quem perde no funcionamento da União. Na última crise, os povos do Sul, como
o português, foram acusados de preguiçosos, sujeitos a políticas erradas e
injustas que causaram grande sofrimento, parte da sua juventude mais
qualificada foi "exportada" para os países do Centro em benefício
destes, mas o rótulo acusador continua vivo e a transformar-se em inimizade. E nesse
Centro/Norte proliferam governantes que instigam essa inimizade para dela se
alimentarem politicamente.
Neste quadro é particularmente
estranho que as autoridades nacionais - do Governo à Presidência da República,
passando pelo partido do Governo e pelo que se arroga poder ser Governo em
coligação ou alternativa - se mantenham seguidistas nesta UE e continuem a
convidar o país a estar pendente de decisões salvíficas de terceiros. Elas não
têm acontecido e, com grande probabilidade, não irão acontecer.
O cenário que vivemos prefigura a
necessidade de cada país e cada povo terem como prioridade tomar em mãos, com
os seus recursos e instituições, a resolução dos problemas. Não é cada um por
si de forma fechada ou egoísta, mas sim o deitar mão de capacidades e
instrumentos coletivos que continuam a situar-se fundamentalmente ao nível de
cada Estado, enquanto se buscam revitalizações de compromissos e instituições
mais solidárias, quer no plano europeu, quer no mundial.
O estado de bloqueio da UE e as
iniciativas do único país (soberano) da mesma União, a Alemanha, em que o
Tribunal Constitucional delibera sobre políticas europeias, parecem sugerir-nos
isso Nós, portugueses, estamos preparados para responder?
*Investigador e Professor
Universitário
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