quinta-feira, 28 de maio de 2020

Portugal | Judeus sefarditas - Uma reparação histórica


Pedro Carlos Bacelar de Vasconcelos | Jornal de Notícias | opinião

1 - Aquando da partida de Vasco da Gama para as Índias, o rei Manuel I, o Venturoso, expulsou a comunidade judaica de Portugal, perseguida e torturada pelos agentes do Santo Ofício.

A denúncia do judaísmo, assim como de outras confissões e etnias, conduziu à morte, à conversão forçada e aos espetáculos de puro horror coreografados pela Santa Inquisição que ficaram conhecidos como "autos de fé". Qualquer curioso da história genealógica conhece bem a terminologia usada nas certidões de "limpeza do sangue" - exigidas para o acesso à nobilitação e, designadamente, para a aquisição do estatuto de "Familiar do Santo Ofício" que oferecia o atrativo peculiar de transferir a benefício do fiel denunciante a propriedade dos bens do herege denunciado! - onde se enumeravam as, assim chamadas, "nações de raça infeta", a saber: - os judeus, os mouros, os arménios, etc....

2 - Foi o sentimento de um dever de reparação histórica que inspirou a aprovação, por unanimidade, na Assembleia da República, em 2013, de uma alteração à lei da nacionalidade que permite a concessão da nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas, expulsos de Portugal por decreto régio há mais de quinhentos anos. Partilho esta aspiração de promover uma reparação histórica para a qual não vislumbro objeções nem quanto à justiça nem quanto à oportunidade. Apenas merecerá ponderação unânime a pertinência de reclamar igual deferência para com outras comunidades esquecidas cuja identidade tenha sido pretexto de discriminação histórica como - apenas como exemplo que, aliás, mantém infeliz atualidade! - as comunidades ciganas e as africanas.

3 - Uma reparação histórica não é, necessariamente, um gesto puramente simbólico. Por exemplo, é razoável a exigência de devolução de monumentos artísticos em exibição nos museus de Londres, Paris, Berlim ou Lisboa por parte dos estados com jurisdição sobre os territórios de onde essas peças foram retiradas. Este gesto de reparação da Assembleia da República, porém, foi um gesto simbólico de contrição e homenagem aos sefarditas expulsos, concretizado nas pessoas dos seus descendentes, sejam eles, hoje, judeus, cristãos ou ateus. Trata-se portanto de uma exceção legal e fundamentada ao regime comum da nacionalidade, na ordem jurídica da República Portuguesa. Como qualquer lei - e, por maioria de razão, qualquer regime de exceção que, por natureza, é suposto que seja temporário - seria lógico e pertinente avaliar ao fim de sete anos de vigência como tem sido a lei aplicada, a utilidade de manter a sua vigência ou, claro, em que termos se justifica a sua revisão e melhoramento. São por isso disparatadas, falsas e caluniosas as acusações de antissemitismo endereçadas aos deputados empenhados num exercício de revisão legislativa que é seu dever e indeclinável competência.

*Deputado e professor de Direito Constitucional

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