Pedro Carlos
Bacelar de Vasconcelos | Jornal de Notícias | opinião
1 - Aquando da partida de Vasco
da Gama para as Índias, o rei Manuel I, o Venturoso, expulsou a comunidade
judaica de Portugal, perseguida e torturada pelos agentes do Santo Ofício.
A denúncia do judaísmo, assim
como de outras confissões e etnias, conduziu à morte, à conversão forçada e aos
espetáculos de puro horror coreografados pela Santa Inquisição que ficaram
conhecidos como "autos de fé". Qualquer curioso da história
genealógica conhece bem a terminologia usada nas certidões de "limpeza do
sangue" - exigidas para o acesso à nobilitação e, designadamente, para a
aquisição do estatuto de "Familiar do Santo Ofício" que oferecia o
atrativo peculiar de transferir a benefício do fiel denunciante a propriedade
dos bens do herege denunciado! - onde se enumeravam as, assim chamadas,
"nações de raça infeta", a saber: - os judeus, os mouros, os
arménios, etc....
2 - Foi o sentimento de um dever
de reparação histórica que inspirou a aprovação, por unanimidade, na Assembleia
da República, em 2013, de uma alteração à lei da nacionalidade que permite a
concessão da nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas,
expulsos de Portugal por decreto régio há mais de quinhentos anos. Partilho
esta aspiração de promover uma reparação histórica para a qual não vislumbro
objeções nem quanto à justiça nem quanto à oportunidade. Apenas merecerá
ponderação unânime a pertinência de reclamar igual deferência para com outras
comunidades esquecidas cuja identidade tenha sido pretexto de discriminação
histórica como - apenas como exemplo que, aliás, mantém infeliz atualidade! -
as comunidades ciganas e as africanas.
3 - Uma reparação histórica não
é, necessariamente, um gesto puramente simbólico. Por exemplo, é razoável a
exigência de devolução de monumentos artísticos em exibição nos museus de
Londres, Paris, Berlim ou Lisboa por parte dos estados com jurisdição sobre os
territórios de onde essas peças foram retiradas. Este gesto de reparação da
Assembleia da República, porém, foi um gesto simbólico de contrição e homenagem
aos sefarditas expulsos, concretizado nas pessoas dos seus descendentes, sejam
eles, hoje, judeus, cristãos ou ateus. Trata-se portanto de uma exceção legal e
fundamentada ao regime comum da nacionalidade, na ordem jurídica da República
Portuguesa. Como qualquer lei - e, por maioria de razão, qualquer regime de
exceção que, por natureza, é suposto que seja temporário - seria lógico e
pertinente avaliar ao fim de sete anos de vigência como tem sido a lei
aplicada, a utilidade de manter a sua vigência ou, claro, em que termos se
justifica a sua revisão e melhoramento. São por isso disparatadas, falsas e
caluniosas as acusações de antissemitismo endereçadas aos deputados empenhados
num exercício de revisão legislativa que é seu dever e indeclinável
competência.
*Deputado e professor de Direito
Constitucional
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