Martinho Júnior, Luanda
Esta
é uma série que recorda algumas intervenções de há 15 ou mais anos no ACTUAL,
desaparecido semanário de Luanda que tinha como Director o meu companheiro
Leopoldo Baio, comigo coautor no livro “Séculos de solidão – da longa
noite colonial à democracia multipartidária”.
Naquela
altura, Angola perfez 30 anos de independência e preenchiam-se 40 anos, desde a
passagem do Che por África!
A
saga de Argel ao Cabo da Boa Esperança já se tinha fechado, mesmo assim e até
aos nossos dias, a colonização do Sahara mantém-se, como um anátema para a
União Africana!
Em
África isso significa que, enquanto houver resíduos da natureza do que acontece
com a colonização do Sahara pelo Reino de Marrocos, de facto não haverá
descolonização mental e a luta, por muito ténue que se possa fazer sentir, vai
mesmo continuar, ou nã fosse a própria vida um fenómeno tão dialético! (MJ)
2005:
40 ANOS DA PASSAGEM DE CHE GUEVARA POR ÁFRICA; 30 ANOS DE INDEPENDÊNCIA DE
ANGOLA
O
ano de 1965 foi um ano de expectativas e de esperança em relação a África.
Consolidada
a sua Revolução, Cuba começou a interessar-se pela sorte das Nações e dos Povos
do “Terceiro Mundo”, em especial pelos Povos Africanos sujeitos ao
colonialismo, ao neocolonialismo e votados ao Subdesenvolvimento crónico e
secular, emprestando solidariedade Internacionalista, experiência e vontade
para alterar o quadro que desde então se apresentava, em favor do Movimento de
Libertação.
Ao
longo desse ano e na sequência de 1964, Che Guevara realizou alguns périplos
pelo Continente Africano antes de, em 24 de Abril de 1965, se decidir a
integrar a 1ª coluna Internacionalista das Forças Armadas Revolucionárias de
Cuba, que veio em socorro do Movimento de Libertação no Congo e colocar pela
primeira vez pé em
terras Congolesas.
Em
princípios de 1965, ele realizou uma visita a Brazzaville, ainda na qualidade
de Ministro da Indústria da República de Cuba, encontrando-se com dois dos
principais líderes do MPLA, o Dr. Agostinho Neto e Lúcio Lara, além do então
Secretário para as Relações Exteriores do MPLA, Luís Azevedo.
O
reforço que trouxe Cuba à Luta de Libertação das antigas colónias Portuguesas,
decidido bilateralmente com cada das Organizações e sem intervenção de
terceiros veio, em relação ao MPLA, contribuir para consolidar a direcção do
Movimento de Libertação em toda a África Austral.
Dadas
as características do País, a conjuntura Internacional e Regional e o papel da
presença Portuguesa em Angola, intimamente associado com os interesses de
Potências como os Estados Unidos, a Grã Bretanha e os do então regime do “apartheid” na
África do Sul, assim como com os interesses da aristocracia financeira mundial,
essencialmente representada pelos “lobbies” da indústria mineira
e “cartel” dos diamantes (“De Beers”, “Anglo American”, “Lonhro”, “Société
Générale Belgique”, etc.), as ameaças em relação ao Movimento de Libertação em
Angola passavam:
1)
Pelos riscos próprios da confrontação militar e da luta clandestina (“operações
encobertas”) contra o regime colonial Português e aliados na Região (entre eles
os regimes de Ian Smith na então Rodésia e o do “apartheid” na África
do Sul).
2)
Pela obstrução deliberada, contínua e cada vez mais eficaz, que o regime de
Mobutu foi organizando em relação ao MPLA e em benefício de componentes de seu
interesse, correspondendo a orientações dos Serviços de Inteligência Norte
Americanos que por seu turno incorporavam a acção de alguns sectores dos “lobbies” da
indústria mineira (“cartel” dos diamantes), através dos sistemas
históricos de Maurice Tempelsman, “seus” homens e articulações.
3)
Pela posição ambígua que viria quase sempre a demonstrar Kenneth Kaunda, na
altura em que se vieram a dilatar as linhas de acção do MPLA tendo a Zâmbia
como retaguarda e o Leste de Angola como campo de batalha da sua guerrilha.
Ao
trazer a sua ajuda Internacionalista pela via de Che Guevara, mais do que o
incremento das acções militares o Movimento de Libertação ganhava:
1)
Um inusitado fortalecimento político-ideológico que acabou por se fazer
repercutir nos conceitos filosóficos e organizativos e reforçaram o seu esforço
em Angola e em toda a Região Austral do Continente.
2)
O fortalecimento dum “núcleo duro” fiel ao Dr. Agostinho Neto, que se
viria a verificar tenaz e audacioso, capaz de enfrentar, conforme provas
dadas, “todo o tipo de tempestades”.
3)
A gestação duma lógica de Libertação que se poderá classificar como a “lógica
de Brazzaville” que, para além de saber dirigir apesar das vicissitudes e
contrariedades as condutas guerrilheiras, se manteve resistente a outras
lógicas que surgiriam mais cedo, a “lógica de Kinshasa”, ou mais tarde,
como a “lógica de Lusaka”, (pelo menos até se garantir a saída dos Sul
Africanos do “apartheid” do Sudoeste Africano e a Namíbia se tornar
Independente), bem como resistente a muitas “operações encobertas” que,
com essas “lógicas” viriam a ser incrementadas, por vezes por dentro
do próprio MPLA, com repercussões até aos dias de hoje.
No
dia 2 de Janeiro de 2005, o encontro entre Che Guevara, o Presidente Agostinho
Neto, Lúcio Lara e Luís Azevedo, perfaz 40 anos e, ao longo do ano, a passagem
de Che Guevara por África poderá ser assinalada, completando a memória de algumas
das fortes raízes do Movimento de Libertação.
O “ACTUAL”,
na sequência aliás do que tem vindo a produzir, tem a intenção de não deixar
passar em claro a odisseia da Libertação do Continente Africano e lembrar
muitos dos acontecimentos desde então, particularmente aqueles que garantiram
durante tantos anos, a sobrevivência da “lógica de Brazzaville”, primeiro
por que as novas gerações devem cada vez mais conhecer as raízes históricas que
estiveram na base da Independência Nacional, de Independência de outros Países
como a Namíbia e o Zimbabwe e da luta contra o regime do “apartheid”,
depois por que, sustentando-se hoje Angola da “lógica de Lusaka” muito
mais de que da “lógica de Brazzaville”, isso resultar numa grande
falência, em muitos aspectos, da continuidade e perseverança do que foi
cultivado antes pelo Movimento de Libertação, o que no nosso entender é
possível corrigir, tendo em conta as possibilidades que se oferecem com a
Reconciliação e a Reconstrução Nacional, pelo menos em sectores tão díspares
como a Educação, a formação de quadros, a Saúde, a Agricultura, as formas e
métodos de gestão da “res publica”, etc.
A
ano de 2005 será o ano em que, para além de se completarem 40 anos da passagem
de Che Guevara pelo Continente, perseguindo o seu “sonho Africano”, a
República de Angola perfaz também 30 anos de Independência.
Por
isso pensamos que essa passagem de Che Guevara produziu frutos muito para além
do seu desaparecimento físico e apesar dele próprio não ter conseguido
fortalecer a acção da sua 1ª coluna na tentativa de a integrar nos esforços do
Movimento de Libertação no Congo e numa altura em que os Kivus já davam mostras
de volatilidade, tal como aliás vai ainda ocorrendo hoje, acabando todos os
Povos dos Grandes Lagos por se terem de sujeitar a todo o tipo de nefastas
manipulações.
Se
no Congo, em prol da Libertação desse País a passagem de Che Guevara foi
infrutífera, o que foi feito a partir da “lógica de Brazzaville” com
o apoio da sua 2ª coluna, muito contribuiu para o fim do colonialismo e
do “apartheid” em África e só isso é mais que suficiente para honrar,
em Angola, a memória do Che.
Martinho
Júnior -- Luanda,
23 de Junho de 2020
Imagens
recolhidas em Maio de 2005
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