quarta-feira, 1 de julho de 2020

Guiné-Bissau | Domingos Simões Pereira: "Não vou abandonar o PAIGC"


O líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, recusa sair do partido ou abandonar a liderança. Na segunda-feira, cinco deputados do PAIGC viabilizaram o programa de Governo de Nuno Nabiam. Há um ambiente de "terror", diz.

O Partido para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) sofreu um grande revés, na segunda-feira (29.06), com cinco dos seus deputados a furarem o boicote do partido à sessão ordinária da Assembleia Nacional Popular e a votarem a favor do programa de Governo de Nuno Nabiam.

Em exclusivo à DW África, o líder do partido, Domingos Simões Pereira, diz que há um ambiente de "grande coação" no país, que não justifica as ações dos deputados, mas pode fazer com que os "mais fracos" sucumbam.

Simões Pereira afirma ainda que não vê qualquer razão para sair do partido e tenciona cumprir os quatro anos de mandato à frente do PAIGC.

Leia a entrevista

DW África: Tem condições para continuar a liderar o PAIGC depois dos acontecimentos de segunda-feira?

Domingos Simões Pereira (DSP): Isso é algo que os órgãos competentes do partido irão decidir. Eu fui eleito por um congresso que me dá um mandato de quatro anos à frente do partido, e tenho intenção de cumprir esse meu mandato e essa minha responsabilidade. Mas, como qualquer político e democrata que se preze, vou auscultar os órgãos internos do partido e, em perfeita tranquilidade, saberemos analisar todas as circunstâncias e tomar as decisões que se impõem a favor do partido - não a favor daqueles que põem em causa os princípios da unidade e coesão interna do partido.

DW África: Circulam informações nas redes sociais de que poderá haver a possibilidade de fundar um novo partido. É isso que propõem nomeadamente grupos de jovens, tanto na Guiné-Bissau como na diáspora. O que tem a dizer sobre isso?

DSP: É provavelmente um repto que os jovens me lançam, e eu respondo convocando-os a integrarem o PAIGC, a continuarem o trabalho de transformação do partido na atualidade. O PAIGC é um partido histórico, com princípios bastante bem estabelecidos, e não é a saída do partido que vai resolver o problema. Aliás, posso e devo responder de forma muito clara: não tenho essa intenção, não vou abandonar o PAIGC. Portanto, lanço o desafio a esse número bastante extenso de jovens que têm esse entusiasmo e essa disponibilidade para poderem, de forma mais ativa, participar no processo político da Guiné-Bissau.

DW África: Como vai ser a resposta do PAIGC a esta nova situação política criada desde segunda-feira passada?

DSP: Não há nenhuma situação nova criada desde segunda-feira, porque a Assembleia Nacional Popular não se reuniu em condições normais. Não houve mesa para o início dos trabalhos, não houve quórum, tudo foi montado. Portanto, na nossa perspetiva, isso ainda é algo que terá de ser tratado pelas instâncias competentes. Agora, há um outro aspeto que eu penso que é muito importante referir aqui: nós não podemos ignorar o quadro de exceção que temos vivido. Durante uma semana, vivemos uma situação de terror, de absoluta violência, em que várias entidades foram vítimas de agressão, de sequestro. Eu penso que os órgãos de comunicação têm acompanhado - deputados da nação que foram sequestrados, que foram violentados. Isso não explica, nem justifica aquilo que foi o posicionamento dos nossos deputados que passaram para o outro lado ou, pelo menos, votaram noutro sentido. Mas é preciso enquadrar essa situação e compreender que havia tudo menos um quadro de liberdade para que as pessoas pudessem exprimir as suas vontades e consciências.

DW África: Quer dizer que houve pressões sobre os deputados do PAIGC para que furassem o boicote à sessão ordinária da Assembleia Nacional Popular?

DSP: Eu penso que isso é evidente. Estamos a falar de cinco deputados que não conseguiram tomar parte na jornada parlamentar que foi realizada na sede do PAIGC, porque tinham em suas casas agentes de segurança que nós nunca conseguimos descortinar se estavam lá para os proteger ou para os controlar. Aliás, essas ameaças foram feitas de forma pública, no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira e noutras ocasiões. Portanto, não havia um quadro de normalidade para daí podermos julgar o comportamento das pessoas. As pessoas estavam sob uma grande coação, e, volto a dizer, isso não justifica, mas aqueles mais fracos certamente vão sucumbir a essa pressão.

António Cascais | Deutsche Welle

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