sábado, 18 de julho de 2020

Portugal | Dono Disto Tudo


Miguel Conde Coutinho* | Jornal de Notícias | opinião

Este calor transforma as pequenas coisas em muito pouco comedidas obsessões, como o cão que nunca se calava em "Verão escaldante" (Spike Lee a mexer-nos com os nervos), ou o som persistente do telefone do Sergio Leone a tocar no "Era uma vez na América".

Um telefone que toca inquieta sempre - é inútil resistir ao apelo desse objeto que nos domina a vida - e um telefonema é tirano (tinha razão o Quinn do Paul Auster): uma chamada provoca sempre uma reação.

Quando Ricardo Salgado telefonava, imagino que o interlocutor estremecesse. De entusiasmo ou angústia, mas era estremecimento certamente. O Dono Disto Tudo mandava em tudo isto e um pedido era uma ordem. E uma ordem nunca era um pedido. Especialmente para uma "alforreca" (uma das alcunhas dos beneficiários de pagamentos secretos feitas por Salgado, segundo o Ministério Público). Para quem não tem espinha, receber milhões para violar deveres profissionais a pedido do DDT é uma tarefa que pesa menos na consciência. Se é que alguma vez pesou de todo: os privilegiados, parafraseando Vergílio Ferreira, já não se lembram para que serve a honestidade.

*Jornalista

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