Miguel Conde
Coutinho* | Jornal de Notícias | opinião
Este calor transforma as pequenas
coisas em muito pouco comedidas obsessões, como o cão que nunca se calava em
"Verão escaldante" (Spike Lee a mexer-nos com os nervos), ou o som
persistente do telefone do Sergio Leone a tocar no "Era uma vez na
América".
Um telefone que toca inquieta
sempre - é inútil resistir ao apelo desse objeto que nos domina a vida - e um
telefonema é tirano (tinha razão o Quinn do Paul Auster): uma chamada provoca
sempre uma reação.
Quando Ricardo Salgado
telefonava, imagino que o interlocutor estremecesse. De entusiasmo ou angústia,
mas era estremecimento certamente. O Dono Disto Tudo mandava em tudo isto e um
pedido era uma ordem. E uma ordem nunca era um pedido. Especialmente para uma
"alforreca" (uma das alcunhas dos beneficiários de pagamentos
secretos feitas por Salgado, segundo o Ministério Público). Para quem não tem
espinha, receber milhões para violar deveres profissionais a pedido do DDT é
uma tarefa que pesa menos na consciência. Se é que alguma vez pesou de todo: os
privilegiados, parafraseando Vergílio Ferreira, já não se lembram para que
serve a honestidade.
*Jornalista
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