Se
Rui Rio foi apanhado por uma pergunta pertinente e cometeu o erro de abrir
portas à normalização do Chega, Miguel Albuquerque produziu um discurso
reflectido de poder que legitima o populismo radical da direita no arco da governação.
Manuel Carvalho | Público |
editorial
É
oficial: o PSD, ou pelo menos uma parte dele, está pronto para destruir os seus
pergaminhos democráticos e liberais. Ao dizer que o partido estava aberto a
conversações com o Chega se
o partido de André Ventura adoptar uma “posição mais moderada”, Rui Rio
admitiu renunciá-los. E ao comparar o discurso de um partido que admite a
castração química, exclui a emigração ou estimula os discursos populistas,
demagógicos e excludentes contra as minorias com o CDS do pós-25 de Abril, o
chefe do partido na Madeira assumiu a renúncia por inteiro. Para Miguel
Albuquerque, um PSD preso aos seus valores de origem está condenado a fazer o
papel de “idiota útil” da esquerda. Para
Miguel Albuquerque, o PSD deve vender a pele ao diabo para liderar um saco
de gatos onde entram democratas e xenófobos, liberais e populistas, europeístas
e nacionalistas. Desde que lhe garanta o poder, claro.
Se
Rui Rio foi apanhado por uma pergunta pertinente e cometeu o erro de abrir
portas à normalização do Chega, Miguel Albuquerque produziu um discurso
reflectido de poder que legitima o populismo
radical da direita no arco da governação. Rio estendeu o tapete da
respeitabilidade a André Ventura e ajudou-o a ganhar músculo no eleitorado
conservador e democrático. Ao comparar o Chega com o CDS depois de 1975,
Albuquerque tenta criar a ideia de que o discurso odiento de Ventura não é
real, mas apenas uma invenção da esquerda destinada a dividir a direita. O PSD
terá desistido de acreditar que no futuro próximo não haverá alternativa ao PS sem
a mãozinha de Ventura?
Tudo
isto se torna mais preocupante porque há linhas de pensamento na actual
liderança do PSD que não escondem uma clara simpatia por uma democracia
musculada que se aproxima do que a família política do Chega faz na
Hungria ou na Polónia — por exemplo a contestação às magistraturas, ao
jornalismo independente ou à desconfiança no parlamentarismo. É por isso que
quando analistas como
João Miguel Tavares vislumbraram um futuro com o PSD e o Chega de mãos
dadas poucos se espantaram. No momento em que o país precisa de um bloco de
poder alternativo sólido e credível, o PSD parece querer desistir de si
próprio, transforma-se numa entidade calculista e desalmada e confronta-nos com
a possibilidade de se aliar a uma excrescência da democracia.
Era
bom que Rui Rio e o PSD nos sossegassem sobre este receio. Até para o seu
próprio bem: um PSD que admite usar o Chega como muleta vai desbaratar o
essencial do parco capital eleitoral que ainda lhe resta.
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