segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Portugal | Salvem-se a si próprios


Manuel Carvalho Da Silva | Jornal de Notícias | opinião

Setembro aí está à porta num contexto nacional e internacional que não permite empurrar lixo para debaixo do tapete, nem a mais pequena desatenção por parte do Governo ou das forças políticas e sociais que não aceitam o agravamento das injustiças, das desigualdades e dos bloqueios ao desenvolvimento do país.

Durante seis meses, conscientemente, congelaram-se problemas à espera de melhores dias, o Estado foi chamado a prestar proteção reforçada e a assegurar rendimentos a muitos portugueses e, acima de tudo, a apoiar empresas que jamais sobreviveriam apenas pelos seus próprios meios. Como se perspetivava, a partir deste fim de férias (que imensos portugueses não tiveram) não é sustentável prosseguir aquelas políticas nos moldes em que vinham a ser aplicadas. Os recursos são limitados e está na hora de fazer escolhas na perspetiva de se encetar um plano estratégico progressista para a saída da crise. No Orçamento do Estado para 2021, peça primordial de opções de longo alcance, essas escolhas devem estar refletidas.

O país precisa de investimento público e privado, de apoios ajustados a todos as formações e estruturas económicas, mas é notória a existência de demasiados empresários entregues ao velho vício da pedinchice ao Estado, escamoteando responsabilidades próprias. Entretanto, eleva-se o coro ensaiado por "destacadas" figuras do jornalismo e "líderes" de opinião, que visa colocar os trabalhadores e o povo português sob a batuta da austeridade. Estas pessoas, em regra privilegiadas, estão imbuídas da suprema e permanente tarefa de ensinar os pobres a apertar o cinto.

A rentrée política este ano é muito exigente. Necessitamos de soluções para problemas prementes: é um imperativo proteger e reforçar (já) o sistema de saúde; abrir as escolas e garantir aulas presenciais; reforçar a proteção da maioria dos trabalhadores no ativo e os desempregados; preservar meios para apoios cirúrgicos a empresas nos seus processos de retoma, de reestruturações ou de criação de novos projetos. Nestas soluções, por experimentações calculadas, a ação do Estado será fundamental, mas de igual relevo serão, também, a participação da sociedade e o assumir de riscos e responsabilidades por parte das empresas.

As reivindicações fundamentais de centenas de milhares de trabalhadores - dos setores público e privado - que perante os duros impactos da pandemia foram considerados essenciais e que continuam com salários de miséria e frágeis condições de trabalho devem ser cumpridas. Sem hesitações, há que pôr de lado políticas de desvalorização interna que impõem reduções de salários e cortes nos direitos e rendimentos do trabalho. Entretanto, tenha-se presente que, quanto mais a Direita (ou partes desta) descamba para posições retrógradas e fascistas, mais se enfraquece a capacidade de mobilização dos cidadãos e mais crescem as reivindicações parasitárias ao Estado.

Dados divulgados sobre a evolução do défice público apresentam-nos, sem surpresa, mas com preocupação, uma quebra das receitas e um aumento das despesas. Este cenário reclama maior atividade económica e disponibilização de rendimentos na sociedade. O envolvimento empenhado e responsável das empresas na obtenção destes objetivos será um contributo para a própria salvação da maioria delas.

*Investigador e professor universitário

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