Líder do PAIGC está a contactar várias entidades para garantir as condições da sua volta ao país. À DW, em Lisboa, DSP fala do polémico acordo petrolífero guineense com o Senegal e a nomeação de um vice-PM pelo PR.
Domingos Simões Pereira está a preparar as condições consideradas necessárias para o seu regresso à Guiné-Bissau, que implicitamente têm a ver com a sua segurança. O presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) pede à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) que "assuma alguma responsabilidade em relação ao quadro securitário" no país, "não por temer seja o que for".
Na entrevista exclusiva concedida à DW África, em Lisboa, Simões Pereira critica várias incongruências do seu adversário político, Umaro Sissoco Embaló, incluindo a ofensiva diplomática levada a cabo pelo Presidente da República.
Simões Pereira questiona também o acordo petrolífero assinado entre a Guiné-Bissau e o Senegal, respetivamente pelo punho dos Presidentes Umaro Sissoco Embaló e Macky Sall, sem o devido conhecimento do Governo de Nuno Nabiam e da Assembleia Nacional Popular (ANP).
DW África: Há este acordo petrolífero assinado entre os presidentes da Guiné-Bissau e do Senegal, um acordo que não foi do conhecimento do Governo de Nuno Nabiam nem da Assembleia Nacional. Já foi primeiro-ministro, como é que encara esta decisão sem o conhecimento das instituições que deviam dar o aval para que se avançasse com um acordo desta natureza?
Domingos Simões Pereira (DSP): Provavelmente a resposta mais correta seria dizer que é [um acordo] inexistente. Quer dizer, se não é do conhecimento da Assembleia Nacional Popular nem do Governo, que são as instâncias que têm competências legislativa e executiva na Guiné-Bissau, [ele] é inexistente. Aliás, é o próprio Presidente eleito que acaba lançando também essa dúvida ao contrariar o ministro senegalês, dizendo que não houve essa assinatura. O que é, no mínimo, muito paradoxal, que um ministro da Economia do Senegal saia de uma audiência com o Presidente da República eleito a afirmar que estava a explorar um quadro de cooperação que tinha sido criado com base na assinatura de um acordo e logo não existir esse acordo.
DW África: Estamos perante uma situação de atropelo às regras?
DSP: Portanto, a minha única reação é que é uma situação de menosprezo pelas regras, uma situação de completo desprezo pela cidadania guineense, pela soberania guineense. Aliás, penso que vai ao encontro daquilo que ele próprio afirmou aqui. Porque para ele, ele é a lei e depois os outros vêm a seguir.
DW África: Já agora, como é que observa a ação do Presidente no plano diplomático. Ele esteve em Portugal, tem feito uma série de contactos a nível internacional, esteve recente em Espanha com o ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Como é que avalia essa sua ação?
DSP: Nesse aspeto eu não o posso culpar, não o posso criticar nem pretender corrigir. Penso que ele faz o que pode e provavelmente se esforça muito para conseguir. Agora, se enquanto cidadão guineense, enquanto líder político, dirigente político, me pergunta se eu me sinto bem representado por essas ofensivas diplomáticas, é difícil realmente dizer seja o que for de forma positiva, porque não vai ao encontro de nenhum plano estabelecido.
Nós estamos a fazer esses contactos visando o quê? Houve essa visita oficial a Portugal com que propósito? O que é que se conseguiu com essa visita a Portugal?
Por exemplo, eu vou fazer uma ligação entre esta questão e a pergunta anterior, que tem a ver com os petróleos. Então, não seria de toda a lógica, que havendo intenção de negociar com o Senegal, e sabendo que os limites territoriais dos agora Estados independentes de África resultam de acordos que tinham sido estabelecidos pelas antigas potências coloniais, aproveitar-se disso para consultar as autoridades portuguesas sobre a necessidade de disponibilizar o espólio que existe dessa altura. Teria uma lógica. E eu podia me posicionar em função do aproveitamento ou não que se está a fazer dessa informação. Não havendo nenhuma ligação eu não tenho nem por onde pegar e fazer qualquer tipo de avaliação.
DW África: Há reações opositoras também à recente nomeação, pelo Presidente, do vice-primeiro-ministro, Soares Sambú, uma nomeação que não faz parte da orgânica do Governo. O que tem a dizer em relação a isso?
DSP: Como sabe, eu andei um pouco afastado de Lisboa nos últimos dias e, quando ouvi essa informação, assumi que me teria escapado alguma alteração na orgânica do Governo, me teria escapado algum pronunciamento do Governo nesse sentido. Agora, ao ouvir algumas reações, me apercebo que não houve nem alteração da orgânica do Governo nem uma proposta do chefe do Governo. E, portanto, a minha reação mais uma vez é de dizer que é uma decisão inexistente.
DW África: Estamos perante vários atropelos às regras?
DSP: Sim, porque o Presidente eleito entende que não está obrigado pela lei. Ou seja, o conceito da lei ser soberana no contexto da democracia não o abrange.
DW África: Neste cenário, a ideia de um tão propalado Governo de Unidade Nacional caiu por terra? Não tem pernas para andar? Ou ainda acredita que é possível viabilizar um Governo de Unidade Nacional?
DSP: Eu colocaria a questão doutra forma. Para mim não é essa a questão. Nós queremos viver num quadro de normalidade e é dentro desse quadro de normalidade que nós fomos a eleições legislativas em março de 2019. Essas eleições ditaram a vitória de um partido político. Portanto, para mim, antes de se falar num Governo de Unidade Nacional é preciso explicar ao povo guineense porque é que não se respeita a vontade expressa pelo povo guineense. Alguém vai dizer, mas não. A Constituição dá-lhe o direito de quê? Numa Constituição que estabelece um sistema de Governo semi-presidencial.
Estamos a forçar soluções que não existem. Portanto, se o Presidente eleito e outras entidades provarem que é impossível respeitar a vontade expressa pelo povo guineense em março de 2019, aí acho que fica aberta a perspetiva de discutir então que soluções nós devemos realmente preconizar. Agora, sem essa explicação é bater no vazio. Não há nenhuma referência, não entendo porque é que nós estamos à procura de uma solução, de um Governo de transição ao sair de umas eleições.
Se me vêm dizer que é porque o PAIGC perdeu a maioria e foi constituída uma nova maioria, então que essa maioria governe. O problema é que têm consciência de que não apresentaram nenhum programa verdadeiramente de governação, não conseguem atrair a confiança dos principais parceiros [internacionais], os procedimentos que estão a implementar não vão ao encontro de nenhuma visão estratégica de médio e de longo prazo e, portanto, nessas circunstâncias, parece que é muito apelativo ter a presença do PAIGC para dessa forma legitimar a utilização do programa que o PAIGC tinha apresentado eventualmente com a presença de alguns elementos mais credíveis do PAIGC poder atrair mais confiança.
Repara que a diferença entre Domingos Simões Pereira, candidato, e Umaro Sissoco Embaló, candidato na altura, era que eu dizia que é preciso criar um quadro de estabilidade para o PAIGC poder cumprir o seu programa de governação, nomeadamente o Plano Estratégico Operacional "Terra Ranka”, enquanto que ele dizia que tinha um amigo árabe – chamou o nome do árabe – que vinha trazer um cheque de dois biliões de dólares e isso dispensava tudo aquilo que nós estávamos procurando através da Mesa Redonda [com os parceiros internacionais]. Pronto, ele está a instituir enquanto Presidente da República, então é chegado o momento de o cheque chegar e podermos começar o trabalho.
DW África: Nós estamos perante uma situação irreversível? Ou acredita que caberá aos guineenses julgar ou decidir sobre qual será o seu futuro perante todas estas incongruências?
DSP: Eu não vou comentar se é reversível ou se é irreversível. O que digo é que um sistema não pode sobreviver à vontade da sua própria cidadania e da sua própria população. Eu estava a comentar o populismo que se viveu nos Estados Unidos nos últimos quatro anos e que parece que agora enfrenta grandes dificuldades para se impor. E lembrei-me que há um ditado guineense que diz que "com a mentira até é possível levar a noiva para casa, mas só com a verdade ela vai lá ficar”.
DW África: Falando de pandemia, estamos a viver uma conjuntura difícil a nível mundial. A Guiné-Bissau não é excepção. Como é que olha para o plano do Governo de combate à pandemia do novo coronavírus?
DSP: Bom, plano do Governo não conheço. Eu conheço, sim, o reconhecimento de uma realidade. Há um momento em que as novas autoridades reconhecem absoluta incapacidade em relação a essa situação e vão à procura da ministra do Governo do PAIGC, a quem nomeiam como Alta Comissária para a questão da prevenção e combate da Covid-19, que tem tentado com os recursos que tem ao seu dispor fazer face a esse quadro.
DW África: Estamos a falar de um país com recursos escassos…
DSP: Escassos, muito limitados, mas o problema é que uma pandemia não se combate com ações setoriais. O problema é que uma pandemia se combate com ações estruturais globais. Começa com a segurança, com a disciplina social, com a credibilidade das próprias ações que o Governo deve implementar.
E, portanto, é difícil avaliar o desempenho deste Governo em relação à questão da pandemia, porque, primeiro, não o leva a sério; segundo, não tem uma visão de conjunto. Há ações muito singulares. E, finalmente, estabeleceram uma Alta Comissária, cuja competência ninguém questiona, porque, de facto, trata-se de alguém com conhecimentos, mas que, infelizmente, sendo a única andorinha, não pode fazer a primavera.
DW África: A situação política na Guiné-Bissau obrigou-o a estar fora do país. Qual é a posição ou a situação de Domingos Simões Pereira no seu partido (PAIGC)?
DSP: Domingos Simões Pereira é o presidente do PAIGC. Tenho acompanhado todas as ações do PAIGC e devo dizer-lhe que ainda estou fora porque entendo que, perante o quadro da pandemia e das restrições que existem, tenho muito mais liberdade de ação e de contactos, para aquilo que são os objetivos atuais, estando cá fora do que estar confinado lá dentro.
Contudo, também reconheço que, com as aberturas que já têm acontecido em termos de movimentação, já há mais ofertas de transporte. A Guiné-Bissau já tem aberto o circuito Bissau-Lisboa e eu anunciei na semana passada que estou a trabalhar no sentido do meu regresso a Bissau para retomar junto dos meus camaradas a minha responsabilidade política enquanto presidente do maior partido político.
DW África: Não estamos perante um PAIGC fragilizado depois das crises que surgiram após as eleições legislativas?
DSP: Antes pelo contrário. Não é o Domingos Simões Pereira que está a dizer isso. Outras pessoas dirão isso a partir da Guiné-Bissau, mas a realidade virá ao de cima. Porque, sabe, se o PAIGC estivesse fragilizado isso significaria que as suas opositoras estariam bastante mais fortes. Vamos ver…
DW África: Se não me engano, terá dito há algumas semanas atrás que gostaria de ter garantidas condições de segurança para regressar ao país. Mantém essa exigência?
DSP: O que eu disse é que eu estou a trabalhar na criação das condições que eu entendo necessárias para regressar o mais rapidamente possível. Eu confirmo essa determinação.
DW África: Implicam que condições de segurança?
DSP: Eu estou a trabalhar em várias vertentes e inclui a questão da segurança, mas não dependendo de outras entidades que não sejam próximas do partido ou próprias do próprio Domingos Simões Pereira.
DW África: Quem é que lhe iria garantir essa segurança?
DSP: Eu próprio, através de entidades que eu entendo que devo contactar. Posso até ser explícito em relação a isso. Penso que num primeiro momento é importante fazer os contacto que nós estamos a fazer a nível internacional. É importante que a CEDEAO assuma alguma responsabilidade em relação ao quadro securitário na Guiné-Bissau. E eu digo isso não por temer seja o que for. É por ter consciência de que eu represento uma importante franja da sociedade guineense, a maioria dos guineenses. E, portanto, qualquer veleidade que possa pôr em causa a minha integridade, poria em causa a estabilidade dentro do país. E eu não quero ser um fator de divisão, de fragmentação e de choques internos.
Portanto, mantenho a determinação de voltar ao meu país, mantenho a determinação de o fazer, mas criando condições para que isso não seja aproveitado como uma razão desestabilizar ainda mais a situação do país. Porque, imagina, aquilo que está a acontecer neste momento, estivesse Domingos Simões Pereira em Bissau provavelmente estaria a ser acusado de ser o instigador de uma ou de outra situação. Porquê? Porque há gente que só sabe gerir problemas e quando não existem problemas têm que os criar para estarem ocupados. Não estando Domingos Simões Pereira, têm dificuldades de decidir qual é a próxima agenda.
DW África: Faz-me questioná-lo também sobre a visita que fez recentemente ao Presidente de Angola, João Lourenço. Com que motivos?
DSP: Os mesmos que me levarão ainda a outros países africanos e não só. Angola é um parceiro da Guiné-Bissau. O MPLA é provavelmente um dos partidos mais próximos do PAIGC e eu afirmei desde sempre que, tudo aquilo que nós fazemos, queremos contar fundamentalmente com a compreensão, o entendimento, dos nossos principais parceiros.
Eu fui a Angola a convite das autoridades angolanas, fui recebido pelo Presidente João Lourenço, estive reunido com o MPLA, estive reunido com outras entidades e eu penso que isso ajudou a uma compreensão pelo menos da nossa perspetiva, da leitura que nós fazemos da situação política interna na Guiné-Bissau.
Farei os possíveis para também estar reunido com outros chefes de Estado e outros responsáveis a nível de África, não só no quadro da CEDEAO, mas provavelmente também no quaro da União Africana, para que, uma vez que de volta à Guiné-Bissau haja uma compreensão não só do quadro político interno, mas também a capacidade de uma leitura sobre as implicações que a minha presença podem ter.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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