Raúl M. Braga Pires* | Diário de Notícias | opinião
O mês de Novembro é sempre
complicado em Marrocos, já que vários acontecimentos históricos se celebram
durante este mês. Desde logo a Marcha Verde, de 06 de Novembro de 1975, que
este ano comemorou 45 anos. Esse dia marcou o avanço de mais de 300 mil marroquinos
que, às ordens do então Rei Hassan II, avançaram sobre o então sahara Espanhol,
uma colónia africana sob administração espanhola, à imagem dos actuais enclaves
de Ceuta e Melilla, no Mediterrâneo. Hassan II, antecipando a saída espanhola,
avança porque em política não há vazios. Enquanto Marrocos avança para sul, a
Mauritânia de Moktar Ould Daddah, o primeiro Presidente da agora República
Islâmica, avança para norte e, o Sahara fica, grosso modo, dividido ao meio
entre marroquinos e mauritanianos. A Mauritânia retira-se em 1979, pelos
elevados custos a que a sua presença militar comportava e, também, para não
antagonizar marroquinos e argelinos, já que se trata(va) do elo mais fraco
entre os três, com quem tem fronteiras e de quem depend(e)ia economicamente.
Dá-se também a coincidência de a polisario ter sido fundada em Zouerate, na
Mauritânia, em 1973, localidade a partir da qual iniciou a luta armada contra a
presença espanhola. Esta retirada mauritaniana é regulada com Marrocos, que
passa a administrar efectivamente a totalidade do território actualmente
Outro acontecimento recente do "Novembro sahraoui" foi Gdim Izik em
2010. Tratou-se de um protesto interessante por todas as características
envolvidas. A partir de 08 de Outubro um grupo de contestatários sahraouis
iniciou um acampamento,
Noutra perspectiva, um mês de espera também serve para "fazer a cama"
a políticos a substituir, no grande xadrez dominado pelo Palácio, sendo que à
época, constatava-se a rivalidade entre o "Walli" Mohamed Guelmouss,
o "Governador" do Rei para as regiões de Boujdour (o
"nosso" Cabo Bojador), Lâayoune e Tarfaya e o Presidente do Município
de Lâayoune, Hamdi Ould Rachid, membro do Partido Istiqlal, no Governo em 2010
e também irmão do Presidente do CORCAS, o sempre polémico Conselho de
Aconselhamento Real para as questões sahraouis e quem, de facto, governa o
Sahara Marroquino. Ou seja, o caso Gdim izik, no contexto da política interna
marroquina demonstra que há um início de acampamento, um durante e um
pós-acampamento. Ora após o desmantelamento deste, os que conseguiram fugir não
foram deserto adentro, regressaram à cidade e, em fúria, destruíram tudo o que
puderam, porque as forças de segurança estavam concentradas na protecção do
aeroporto! Porque será? Em quem caiu o ónus do falhanço à protecção da cidade?
No Presidente da Câmara de Lâayoune, irmão do Presidente do CORCAS, em tom de
aviso a este último. É só Política, como poderia ser só Rock n"Roll!
Antes de esmiuçar Guerguerat, assinalar que em Novembro também se assinala em
Marrocos a Festa da Independência no dia 18, apesar desta ter acontecido em
Março e Abril de 1956, dos franceses e dos espanhóis, respectivamente. Isto
porque no ano anterior à independência, a 18 de Novembro de 1955 o ainda Sultão
Youssuf Mohammed (Mohammed V) fez um discurso durante a oração dessa
sexta-feira, no qual assinalou que "Marrocos sai agora da pequena jihad
para se engajar na grande jihad do desenvolvimento e da democratização".
Um ano mais tarde, no mesmo dia, consuma-se oficialmente o fim do Protectorado
francês que durou 44 anos, decidindo-se concentrar todas as datas referidas
numa comemoração única.
Guerguerat, sexta-feira 13
Uma vez mais, em Outubro, a
polisario organizou uma acção de protesto, cuja tática do "deixa-os
poisar", prolongou a mesma até à fatídica sexta-feira passada. De certa
forma tratou-se de um novo acampamento, mas desta vez em plena terra-de-ninguém
onde se situa a única estrada de terra batida que liga Marrocos à Mauritânia,
por onde passa todo o comércio, incluindo os camiões frigoríficos que
semanalmente abastecem o MARL, com peixe congelado que vem de Nouakchott até à
periferia leste de Lisboa. Novamente também, Marrocos fez o que melhor sabe e,
capitalizou internacionalmente, durante 1 mês esta afronta ao livre comércio e
livre circulação, num território em disputa sem dúvida, mas de facto
administrado por Marrocos. À semelhança de Gdim Izik, os militares marroquinos
varreram o acampamento de Guerguerat, restabelecendo a livre circulação
rodoviária com a Mauritânia. Perante isto e, após 30 anos de cessar-fogo a
polisario declarou o Estado de Guerra com Marrocos e há uma semana que a troca
de tiros tem sido permanente de parte a parte. Não há, oficialmente, registo de
mortos, mas o estado actual é de guerra entre Marrocos e a RASD, a República
Árabe Sahraoui Democrática, país inexistente proclamado em 1976, mas
reconhecido por cerca de 85 Estados soberanos, sobretudo africanos.
Os sahraouis, enquanto Povo, têm naturalmente o direito à busca pela felicidade
e, a 16 de Outubro de 1975, o Tribunal Internacional de Justiça ratifica os
planos apresentados pelas Nações Unidas, os quais garantem aos sahraouis a sua
autodeterminação. Daí o acordo em 1991 sobre a realização do referendo, entre
Marrocos e polisario, o braço-armado da RASD e negociador no processo, já que
Marrocos não iria negociar com um não-país.
O que é que aconteceu entretanto?
O fim da guerra-fria, o que alterou alinhamentos, prioridades, não deixando esperança nem viabilidade a contendas herdadas do colonialismo. Os palestinianos que o digam, sendo o caso de Timor- Lorosae a excepção que confirma a regra. Neste cenário pós-pós-moderno, já que o 11 de Setembro também marcou uma alteração sistémica, a causa sahraoui independentista foi abandonada por todos, restando aos mesmos este tipo de acções subversivas, na tentativa desesperada de regressarem à agenda das grandes decisões mundiais. Não haverá, por exemplo, guerra entre Marrocos e Argélia e, ninguém irá em socorro dos sahraouis, sendo aliás este cenário de guerrilha propício à infiltração de elementos jihadistas a partir do norte do Mali, o que potenciará ainda mais um todos contra polisario/RASD.
*Politólogo/Arabista
www.maghreb-machrek.pt
O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia
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