Cem mil dúvidas florescem, em meio à quarentena. Cem mil
ideias perigosas. E no entanto, o poder político e económico faz contas: será
preciso restituir o quanto antes a rotina que… produz a morte e o caos! Como
escapar de tal labirinto?
Pierluigi Sullo | Outras Palavras | Tradução: Antonio
Martins | Imagem: Alessandro Gottardo
Spillover. É preciso um spillover. Esta
palavra tornou-se popular graças a David Quammn, que há alguns anos falou dos
vírus, em particular da cepa à qual pertence o que causa a covid-19. Em inglês,
significa transbordar, exceder e, de certo modo é equivalente ao
termo científico zoonose, o que ocorre quando um vírus “transborda”
de uma espécie a outra. Se quisermos atribuir intenções à natureza, podemos
dizer que, ao desencadear viroses, ou ao reagir às emissões de gases do
efeito-estufa, esta cria novos “protocolos” para os seres humanos – como não se
tocar e conversar por trás de uma máscara, e estes são alguns de seus efeitos
mais leves…
Mas e se – como escreveu Angel Lara em um artigo muito lido
– não pudermos desejar a voltar à normalidade, porque é a normalidade o
problema, então seria preciso nos prepararmos urgentemente para criar uma nova
normalidade. E para fazê-lo, ocorre um spillover cultural, uma
ultrapassagem de ideias e projetos e modos de olhar para o mundo fora do
repertório obrigatório em que estamos todos reclusos há quarenta anos – ou
seja, do espraiamento do neoliberalismo.