quinta-feira, 18 de junho de 2020

As estátuas do nosso desconforto -- Boaventura


Se as derrubamos, não é porque nos incomodem, em si mesmas. Mas por estarem vivas as três formas de dominação – capitalista, patriarcal e colonial – que as colocaram em pedestais e nos trouxeram a um presente que precisamos superar

Boaventura de Sousa Santos | Outras Palavras

As estátuas parecem-se muito com o passado, e é por isso que sempre que são postas em causa nos viramos para os historiadores. A verdade é que as estátuas só são passado quando estão tranquilas nas praças, partilhando a recíproca indiferença entre nós e elas. Nesses momentos, que por vezes duram séculos, são mais intencionalmente visitadas por pombas do que por seres humanos. Quando, no entanto, se tornam objeto de contestação, as estátuas saltam do passado e passam a ser parte do nosso presente. Doutro modo, como poderíamos dialogar com elas e elas connosco? Claro que há estátuas que nunca são contestadas, quer porque pertencem a um passado demasiado remoto para saltar para o presente, quer porque pertencem ao presente eterno da arte. Estas estátuas só não estão a salvo de extremistas tresloucados, caso dos Budas de Bamiyan, do século V, destruídas pelos talibans do Afeganistão em 2001.

As estátuas que dão este salto e se oferecem ao diálogo são parte do nosso presente e são contestadas porque representam contas que não foram saldadas, destruições e injustiças que não foram reparadas. Quem as contesta não lhes pede contas a elas nem exige reparações delas. As contas têm de ser feitas e as reparações têm de ser dadas por quem herdou e detém o poder injusto que as estátuas representam. Sempre que o poder que as fez erigir foi justa ou injustamente derrotado, as estátuas foram retiradas prontamente, sem nenhuma comoção e até com aplauso. Se é tão forte o movimento atual de contestação às estátuas, iniciado pelo movimento #blacklivesmatter, isso deve-se à continuidade no presente do poder que no passado originou as destruições e as injustiças de que as estátuas são involuntárias testemunhas. E se o poder continua, continuam as destruições e as injustiças. A contestação é contra estas.

E que poder é esse? No contexto europeu e eurodescendente, esse poder é o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado, três formas de poder articuladas que dominam há quase seis séculos. A primeiro é do século XV e as duas outras existiram muito antes, mas foram reconfiguradas pelo capitalismo moderno e postas ao serviço deste. As três estão de tal maneira articuladas que nenhuma delas existe sem as outras. O que consideramos passado é assim uma ilusão de ótica, uma cegueira em relação ao presente.

EUA | O significado do movimento Black Lives Matter (BLM)


– Antes os EUA exportavam "revoluções coloridas", agora aplicam-na internamente
– O movimento BLM foi encampado pelo Partido Democrata & o Estado Profundo dos EUA
– O BLM tem financiamento da Fundação Ford & da Wall Street
– Este movimento tem posições recuadíssimas em relação às dos grandes líderes históricos afro-americanos, como Martin Luther King, Angela Davis e Malcolm X
– A chamada "Comuna de Seattle" não passa de manobra eleitoral do Partido Democrata para desgastar Trump

Pepe Escobar [*]

O casamento do pós-Lockdown (pós-confinamento) com os protestos contra a morte de George Floyd gerou uma besta-fera que ainda é imune a qualquer tipo de debate civilizado nos Estados Unidos: a Comuna de Seattle.

Então, o que vem a ser a Zona Autónoma de Capital Hill + República Popular?

Seriam os comunalistas meros idiotas úteis? Tratar-se-ia de um refinamento do experimento Occupy Wall Street? Seria ele, em termos logísticos, capaz de sobreviver e ser replicado na Cidade de Nova York, em Los Angeles e no Distrito de Colúmbia?

Um presidente Trump indignado descreveu a Comuna como um complô de autoria de "terroristas domésticos", em uma cidade "administrada por democratas radicais de esquerda". Ele conclamou por "LEI E ORDEM" (em caixa alta, segundo sua tweetologia particular).

Toques de Síria são claramente discerníveis em Seattle. Nesse cenário, a Comuna é uma remixagem de Idlib lutando contra "postos avançados de contra-insurgência do regime" (em terminologia comunalista).

Para a maioria das facções da Direita americana, os Antifa equivalem ao ISIS. George Floyd é visto não apenas como um "mártir comunista antifa", como me disse um agente da área de inteligência, mas também como um reles "criminoso e traficante de drogas".

Então, quando as "forças do regime" irão atacar – neste caso sem a cobertura da força aérea russa? Afinal, como proclamado pelo secretário Esper, cabe ao Pentágono "dominar o campo de batalha" .

Mas temos aqui um problema. A Zona Autónoma de Capital Hill (CHAZ, em inglês) é apoiada pela cidade de Seattle – governada por um democrata, que, por sua vez, tem o apoio do governador do estado de Washington, também um democrata.

Não há a mínima chance de o estado de Washington vir a usar a Guarda Nacional para esmagar a CHAZ. E Trump não pode assumir o controle da Guarda Nacional do estado de Washington sem a aprovação do governador, apesar de ele ter tuitado "Retome sua cidade AGORA. Se você não retomar, eu o farei. Isso não é um jogo".

É instrutivo observar que a "contra-insurgência" pode ser usada: no Afeganistão e nas áreas tribais; para ocupar o Iraque; para proteger a pilhagem de petróleo-gás no leste da Síria. Mas não em casa. Mesmo que 58% dos americanos de fato apoiem esse uso: para muitos deles, a Comuna talvez seja tão má, se não pior, que os saques.

E então há aqueles que se opõem firmemente a ela. Entre eles: o "Açougueiro de Fallujah" Cão Louco Mattis; os praticantes das revoluções coloridas do NED (o Fundo Nacional para a Democracia); a Nike; a JP Morgan; todo o establishment do Partido Democrata; e virtualmente todo o establishment do Exército dos Estados Unidos.

Bem-vindos ao movimento Ocupem Apenas os Outros.

Mas a pergunta permanece: por quanto tempo o "Idlib" conseguirá desafiar o "regime"? Isso é o que basta para dar ao notório "bully" , o Procurador Geral Barr, muitas noites de insónia.

“I Can’t Breath”: da impostura dos EUA ao terceiro renascimento negro


Ergimino Mucale | O País (mz) | opinião

Desde a conquista da independência do Reino Unido da Grã-Bretanha, os EUA baptizaram-se como uma nação respeitadora dos direitos inalienáveis da pessoa humana, como o defendem os documentos oficiais deste País. Por exemplo, a Declaração da Independência de 1776, afirma: «Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade». A Convenção de Filadélfia, a segunda constituição moderna em vigor mais antiga do Mundo, apresenta os EUA como uma nação de liberdade, justiça e bem-estar geral. Estes ideais, combinados com um grande poderio tecnológico, militar e de manipulação da informação, têm sido usados como pretextos para os Estados Unidos da América imporem-se globalmente como uma nação democrática exemplar e como uma autoridade moral.

Evidências históricas, entretanto, geram cepticismo. Para começar, os EUA nasceram da violência organizada e da lei do mais forte e foram regados com o sangue de inocentes, desde os povos nativos, os ameríndios, até os negros. Estes últimos, ainda que tenham chegado lá na era pré-colombiana, a sua presença massiva naquele país é devedora ao Comércio Triangular ou Tráfico Negreiro, que os tomou como capital vendível e comprável e principal motor das economias americana e europeia. Mesmo depois da conquista da independência, os EUA continuaram a praticar a escravatura. O próprio Thomas Jefferson, principal autor da Declaração da Independência, não respeitava as verdades que considerava autoevidentes: apresentava-se como anti-esclavagista e abolicionista em público enquanto em privado continuava a ser proprietário de escravos.

Os EUA são um país de dois pesos e duas medidas. A nível externo vendem-se como pais da democracia, isto é, defensores dos direitos fundamentais dos seres humanos, um pretexto para a expansão imperial: imposição antidemocrática da democracia, invasões terroristas em nome de antiterrorismo, criação de insegurança em nome de segurança, patrocínio de conflitos em certos países, chantagens económicas e financeiras, etc. Internamente, este país é terra onde jorra leite e mel para uma parcela dos seus cidadãos e vale de lágrimas e cemitério para outros. À antiga linha de cor, que separava negros e brancos, jutou-se a linha social, que divide pobres e ricos numa mesma sociedade.

A história afroamericana é marcada pela busca angustiante e incansável de emancipação, por esforços de transpor a barreira racial-social e aceder aos valores fundantes da nação norte-americana que só são assegurados para os norte-americanos brancos. Desde a guerra pela independência, passando pela guerra civil ou Guerra de Cessação (motivada pela escravatura dos negros) até às duas guerras mundiais, negros e brancos lutaram lado-a-lado em nome de valores e direitos inalienáveis que nunca foram garantidos aos afroamericanos. A Guerra de Cessação, ainda que tenha forçado uma emenda constitucional para pôr fim à escravatura, abriu espaço para perseguições, linchamentos, sequestros e outras formas de violência organizada e de motivação racial cujos protagonistas eram membros do Ku Klux Klan.

É assim que as pessoas negras nos EUA mobilizaram-se, no começo do século XX, gerando o primeiro Renascimento Negro. O objectivo central deste movimento era a integração social e política dos afroamericanos, que inclui a conquista dos direitos civis e da democracia cultural. Se os artistas foram os principais porta-vozes do movimento, o seu espírito foi melhor captado pelo filósofo Alain Locke, que lhe deu o nome e direcção, e a sua legitimação moral foi dada pelo sociólogo W. E. B. Du Bois, defensor do espírito de bravura e vingança como melhor forma de lidar com a violência. É o mesmo espírito adotado por alguns dos militantes do que posso chamar de segundo Renascimento Negro nos EUA, que vai dos anos 50 até aos finais dos anos 60, como Malcom X. Ao lado deste jovem destemido, apologista do Nacionalismo Negro nos Estados Unidos e fundador da Organização para a Unidade Afro-Americana, estava Martin Luther King Jr, proponente de uma revolução negra não-violenta em vista a construção do sonho de um mundo sem racismo. Duas personalidades diferentes e duas visões contrastantes, mas o mesmo ideal: garantir a emancipação política e sociocultural dos afroamericanos.

Ainda que os dois renascimentos, juntamente com o Pan-africanismo e a Negritude, tenham corroborado para a reconfiguração da imagem global dos negros e para o melhoramento da condição negra no Mundo,  a emancipação continua a ser negada aos afroamericanos. A integração e a justiça social ainda são uma miragem. Os afroamericanos continuam a ser a maior população prisional, a ter altas taxas de desemprego, mendicidade e delinquência, propositadas para a manutenção do narcisimo branco e da rediculação dos negros. O recente assassinato macabro do afroamericano George Floyd por polícias, repetição de uma prática secular, desmascara a cobardia de um país que tem feito da violência, sobretudo do racsmo e da guerra, uma forma de fazer política. O grito de Flyod em Minneapolis, «Não posso respirar», é repetição do já feito pelo seu concidadão Eric Garner, há seis anos, em Nova Iorque.  É, no fundo, grito de todos os negros do Mundo – negro é mais uma categoria social, cultural e espiritual do que um fenótipo; grito das vítimas da necropolítica perpetrada pelo neoliberalismo, um sistema construido sob bases elitistas, racistas e imperialistas. O sangue de Floyd e o levantamento popular internacional que tem gerado, augura um terceiro Renascimento Negro. Está a despontar, herdeiro dos negros do passado, o novo negro do Século XXI!

O PÃO DA PAZ, NÃO É DIABO ALGUM QUE O VAI AMASSAR!



O primeiro dos Direitos Humanos efectivamente alcançado no colectivo em Angola, foi o direito alcançado pela força das armas contra o colonialismo, o “apartheid” e um arsenal de ingerências, na tentativa de obstar à Autodeterminação, Independência e Soberania de todos os angolanos!

Esse direito que deve ser honrado na memória da história contemporânea de Angola, é também para ser honrado intemporalmente por todos os servidores do estado angolano!

Já António Agostinho Neto proclamava com a convicção dum combatente da luta de libertação em África: “nós, somos nós mesmo”!...

… E completava logo nas primeiras estrofes da “Renúncia impossível” escrito em 1949 (num momento psicossocial preparatório disposto para o início da luta), ciente da necessidade premente de descolonizar historicamente, institucionalmente e de forma tão completa quanto o possível, a fim de se ultimar o fecho desse longo processo com o cume sublimado, legítimo e justo da descolonização mental: (http://blogdangola.blogspot.com/2008/04/agostinho-neto-renncia-impossivel-1949.html)
“Não creio em mim Não existo Não quero eu não quero ser 
Quero destruir-me atirar-me de pontes elevadas e deixar-me despedaçar sobre as pedras duras das calçadas 
Pulverizar o meu ser desaparecer não deixar sequer traço de passagem pelo mundo quero que o não-eu se aposse de mim 
Mais do que um simples suicídio Quero que esta minha morte seja uma verdadeira novidade histórica um desaparecimento total até mesmo nos cérebros daqueles que me odeiam até mesmo no tempo e se processe a História e o mundo continue como se eu nunca tivesse existido como se nenhuma obra tivesse produzido como se nada tivesse influenciado na vida se em vez de valor negativo eu fosse zero
Quero ascender elevar-me até atingir o Zero e desaparecer Deixai-me desaparecer! 
Mas antes vou gritar Com toda a força dos meus pulmões Para que o mundo oiça: 
- Fui eu quem renunciou a Vida! Podeis continuar a ocupar o meu lugar Vós os que mo roubastes 
Aí tendes o mundo todo para vós para mim nada quero nem riqueza nem pobreza nem alegria nem tristeza nem vida nem morte nada 
Não sou Nunca fui Renuncio-me Atingi o Zero”…
Acontece que em 2020, 71 anos depois, ainda se constata que em termos da superestrutura ideológica, em termos socioculturais e sociopolíticos, assim como em alguns dos relacionamentos sensíveis entre o ex-colonizador e o ex-colonizado, se está longe duma plataforma saudável de descolonização mental!

Há predadores nesses relacionamentos e um deles é, por múltiplas provas dadas, o “dinossauro excelentíssimo” Carlos Pacheco!


01- Sempre que os angolanos buscaram entre si e sem interferências externas de qualquer natureza, resolver os seus diferendos e problemas, na transposição da guerra para a paz, ou na complexidade dos procedimentos civilizacionais coerentes face à barbárie, houve ganhos substanciais de longa duração para o movimento de libertação e para Angola!

Lá diz o popular ditado: “quem está fora, racha lenha”, lembram-se?

Isso explica-se por que um dos grandes objectivos do movimento amplo de libertação em África é alcançar um estágio de ausência de tiros (ou seja, de factores de caos, de desagregação e de desastre), dialogante a ponto de se alcançar consensos e mobilizador em função dos princípios de paz a longo termo!

Esse estágio é inadiável nos termos dos imensos resgates próprios da luta de libertação face aos factores de subdesenvolvimento, sequência da luta armada de libertação nacional contra o colonialismo, contra o “apartheid”, contra algumas das suas sequelas, tal como face aos aproveitamentos dominantes dos nossos dias de globalização, visando a instauração do neocolonialismo em época capitalista eminentemente neoliberal e transversalmente motivada pela revolução (e impactos) das novas tecnologias!

Por vezes durou algum tempo a acontecer assim com a indispensável maturidade, mas só durava mais por causa das interferências externas, facto que se comprova em todas as épocas, particularmente quando essas interferências sustentavam argumentos cristalizados que reflectiam exógenos interesses estranhos, exógenas conveniências estranhas, assim como processos “hardware” de domínio e subjugação.

Tem sido sintomaticamente terrível para os africanos e por tabela para os angolanos, a época da “dilatação da fé e do império”, onde se esconderam traficantes de escravos e os capatazes colonial-fascistas de ontem, ou se escondem os oportunistas, os cínicos, os hipócritas e os sem escrúpulos actores de ingerência, assimilação e manipulação de hoje!

Outros esconderijos de tendência neocolonial e assimilador, usam artificiosos radicalismos, parte deles inspirados nos “think tanks” das universidades estado-unidenses, que pretendem hoje julgar os dados históricos de acordo com suas ideológicas opções, desrespeitando assim a história, as leis revolucionárias de então e sempre com a intenção de perturbar as agendas angolanas, sobretudo as vocacionadas pelo estado angolano independente, soberano e sequioso de aprofundar a sua própria democracia numa sintonia de paz e de sustentável desenvolvimento!

Esses esconderijos “injectores” de autênticas campanhas, não respeitam os esforços em busca da paz consensual entre os angolanos, indispensável para se levar por diante a luta contra o subdesenvolvimento, uma das principais razões aliás dos seus princípios de unidade, de coesão, de solidariedade, de identidade e de dignidade patriótica.

Moçambique | Polícia continua a deter jornalistas


MISA-Moçambique denuncia a detenção ilegal e confiscação de material de trabalho de dois jornalistas na província de Inhambane, sul do país. Profissionais já estão em liberdade.

Paulino Vilankulo e Yassin Vilankulo, da estação online Vilankulo Televisão (VTV), foram detidos ilegalmente quando reportavam um acidente de viação naquele distrito, na passada sexta-feira (12.06), segundo uma nota distribuída esta terça-feira (16.06) pelo Instituto de Comunicação Social da África Austral (MISA) em Moçambique.

De acordo com a organização de defesa da liberdade de imprensa, os dois jornalistas foram levados para o comando provincial local, onde terão sido "molestados e obrigados a apagar todas as imagens e gravações que continham nos aparelhos".

"Os jornalistas suspeitam que a polícia já estivesse à procura de uma oportunidade para os deter, tendo em conta que aquela televisão nunca foi bem vista pela polícia, desde que iniciou as emissões", acrescenta a nota.

Segundo a organização, o comandante distrital da Polícia da República de moçambique (PRM) em Vilankulo, Carlos Nhaca, reconheceu o "erro cometido", mas disse que os jornalistas não foram molestados e negou que os agentes tenham recorrido à violência.

"Face ao sucedido, o MISA-Moçambique condena com veemência o comportamento da PRM e apela às autoridades policiais para investigarem e responsabilizarem os autores pelos maus tratos, confiscação e destruição dos materiais jornalísticos em causa", concluiu a organização.

Moçambique | "Insurgência em Cabo Delgado foi alimentada por fatores internos"


Investigador diz que terroristas responsáveis por ataques violentos em Cabo Delgado, em Moçambique, são alimentados por fatores internos. E critica autoridades por terem privilegiado a teoria de uma origem estrangeira.

O académico Salvador Forquilha considerou esta quarta-feira (17.06) que a origem dos grupos de terroristas responsáveis por ataques violentos na região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, é complexa e alimentada por fatores internos, sobretudo étnicos e sociais. 

"A insurgência é alimentada por clivagens múltiplas de origem étnica, histórica, social e política", disse o diretor e investigador sénior do Instituto de Estudos Económicos e Sociais (IESE) de Maputo, durante o seminário "Encontrar soluções para a insegurança em Cabo Delgado", organizado pelo Instituto Real de Relações Internacionais - Chatham House. 

Cabo Delgado, província onde avança o maior investimento privado de África para exploração de gás natural, está sob ataque desde outubro de 2017 por insurgentes, classificados desde o início do ano pelas autoridades moçambicanas e internacionais como uma ameaça terrorista. 

Em dois anos e meio de conflito naquela província do norte de Moçambique, estima-se que já tenham morrido, no mínimo, 600 pessoas e que cerca de 200 mil já tenham sido afetadas, sendo obrigadas a refugiar-se em lugares mais seguros. 

A CRISE TIMORENSE SIMPLIFICADA NUMA PENADA


TEM HAVIDO E CONTINUA A HAVER MUITOS MILHÕES DE DÓLARES EM JOGO... 

POR ISSO HÁ OS QUE SE COMPORTAM COMO SETE CÃES A UM OSSO...

Sae Asu

Imprensa timorense crítica recurso à legislação da Guiné-Bissau


O presidente do Conselho de Imprensa timorense criticou hoje o facto de o Ministério da Justiça ter praticamente copiado a legislação da Guiné-Bissau na sua proposta de criminalização da difamação em Timor-Leste.

Virgílio Guterres, presidente do Conselho de Imprensa, lamentou em declarações à Lusa que a proposta timorense seja um ‘copy-paste’ quase total da legislação na Guiné-Bissau, afirmando que neste, como noutros casos, Timor-Leste deveria inspirar-se nas melhores práticas.

“É normal que se procure referências internacionais na elaboração do seu quadro legislativo, e que se recorra a Portugal ou até a outros países lusófonos”, disse.
“O que nos deve inspirar são os melhores, as referências dos melhores. Os piores podem considerar, mas apenas como referência do que não se deve copiar”, afirmou.

Em causa está uma proposta do Governo timorense, a que a Lusa teve acesso, que pretende criminalizar difamação e injúrias em resposta a situações de ofensa da honra, do bom nome e da reputação de indivíduos e entidades na comunicação social e nas redes sociais.

As medidas propostas, introduzidas num esboço de decreto-lei de alteração ao Código Penal, preparado pelo Ministério da Justiça e ao qual a Lusa teve acesso, preveem penas de prisão para casos de difamação e injúrias, para o crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou equiparada, e o crime de ofensa à memória de pessoa falecida.

“O Governo considera oportuno prever e punir determinadas imputações de factos ou juízos suscetíveis de os ofender, introduzindo no Código Penal os crimes de difamação e injúrias, o crime de ofensa ao prestígio de pessoa coletiva ou equiparada, e o crime de ofensa à memória de pessoa falecida”, de acordo com o texto.

O texto que está a ser discutido em Timor-Leste, e que já suscitou críticas de dirigentes políticos, organizações da sociedade civil e do setor dos media no país, vai buscar praticamente na íntegra o texto e as penas definidas no Código Penal da Guiné-Bissau.

As referências são tiradas dos artigos 126 a 132 do Código Penal guineense, nomeadamente o capítulo IV “contra a honra”, e replicada na proposta de alteração ao código timorense.

O relatório de 2020 da organização Repórteres Sem Fronteiras, que coloca Timor-Leste em 78.º lugar entre 180 países, nota que a Guiné-Bissau caiu cinco posições em 2019 para 94.º lugar, considerando que “o impasse político” que se vive no país tem sido “um obstáculo à liberdade de imprensa”.

Virgílio Guterres insiste que Timor-Leste ainda está a construir a sua democracia e que, por isso, deve consolidar direitos, não colocá-los em risco.

“Na busca de uma melhor solução para a nossa causa, devemos procurar referências que não vão contra os princípios constitucionais, os direitos humanos e a democracia que estamos a tentar alcançar”, frisou Guterres.

Globalmente, explicou, o Conselho de Imprensa nem sequer vai analisar a proposta em si, considerando que “criminalizar a difamação é simplesmente para rejeitar”, postura que vai ser comunicada ao Ministério da Justiça.

“Amanhã vamos ter um plenário e vamos escrever ao Ministério da Justiça para que cancelem este processo. Não vale a pena discutir uma lei que temos a certeza de que vai matar a democracia e a liberdade de imprensa”, afirmou.

Guterres rejeita igualmente argumentos do ministro da Justiça, Manuel Cáceres da Costa, de que a iniciativa pretende ajudar a educar a população.

“Não acredito nas prisões como instrumento de educação, principalmente numa sociedade democrática que queremos. A prisão não é um instrumento de educação, principalmente em supostos crimes de expressão”, afirmou.

“Não podemos encarcerar a opinião das pessoas. O melhor caminho para educar pessoas é investir na educação, na educação cívica, na formação. O MJ tem um papel a fazer para educar as pessoas para respeitar a lei, os regimentos que produzimos”, disse.

O presidente do Conselho de Imprensa questiona tanto a motivação da proposta como o seu ‘timing’, especialmente com o país em estado de emergência e num momento de combate à pandemia da covid-19.

“Porque é que esta ideia nasce num período em que o país todo e o mundo todo está concentrado na luta contra a pandemia? Sabemos das preocupações anteriores a este esboço, sobretudo o discurso de ódio nas redes sociais”, disse.

No entanto, considerou que “neste caso a melhor resposta a essas preocupações deveria ser com uma lei de crimes cibernéticos, não criminalizando a difamação”.

Plataforma | Lusa – em 17.06.2020

Xanana Gusmão recusa juntar-se aos atuais líderes timorenses


O líder histórico timorense Xanana Gusmão considerou hoje não ter “capacidade” para se aproximar dos líderes civis e militares que hoje governam Timor-Leste, recusando assim um pedido de diálogo feito pelo chefe das Forças Armadas.

Xanana Gusmão respondeu com ironia a uma carta enviada pelo comandante das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), Lere Anan Timur, a vários líderes do país, incluindo o atual presidente do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), Xanana Gusmão, que identifica como “comandante em chefe” das Falintil, o braço armado da resistência timorense.

Nessa carta, obtida hoje pela Lusa, Lere Anan Timur pediu “coragem” aos líderes históricos do país para que ajudem a ultrapassar as divergências, pessoais e partidárias ou institucionais que estão a gerar desilusão, desmotivação e “muita preocupação”, inclusive entre os militares.

Lere refere uma lista de “efeitos negativos” na população, onde tem crescido “um sentimento de desilusão, desmotivação e muita preocupação face ao futuro”.

Em reposta, numa carta a que a Lusa também teve acesso, Xanana Gusmão, ironiza e diz ter feito um “esforço para tentar entender a carta de sua excelência, que demonstrou um pensamento muito elevado”.

E depois repetiu as acusações que lhe têm sido feitas por vários partidos de que ele próprio e o seu partido nos anos entre 2007 e 2016 em que lideraram o Governo, não souberam governar, foram corruptos e têm autonomistas nas suas fileiras.

“Eu, em nome do CNRT; posso dizer que é verdade que de 2007 a 2016 não houve nenhum desenvolvimento, só houve corrupção e muitos membros do Governo foram presos”, disse.

“O povo viu que o desenvolvimento de Timor-Leste, só começou em 2017, 2018, 2019 até 2020. Nesses quatro anos em que todos os timorenses sentiram verdadeiramente o desenvolvimento”, afirmando, referindo-se, também com ironia, aos anos de contração económica e crise política.

Procurando desvalorizar o seu próprio papel na luta pela libertação, e recordando que devolveu ao Estado uma medalha que lhe foi conferida pelo país, Xanana Gusmão diz que é o “segundo Suharto” de Timor, numa referência a uma comparação feita pelo então Presidente da República, Taur Matan Ruak, atual primeiro-ministro.

“Peço com humildade para não me chamar comandante em chefe para não trazer vergonha às forças de libertação nacional perante as quais me vergo, com todo o respeito… porque elas mandaram embora o inimigo para libertar Timor-Leste”, escreve Xanana Gusmão.

“Em nome do partido CNRT, ‘que não sabe governar e que está cheio de autonomistas e corruptos’ eu tenho que reconhecer e de aplaudir o facto real de que só desde 2017 até agora é que surgiu o desenvolvimento, com a liderança de líderes inteligentes, e de membros do Governo qualificados de alto perfil que sabem governar este Estado de Direito democrático”, afirmou.

Motivo pelo qual, explica: “Tremo perante personalidades com a capacidade intelectual” dos atuais líderes do país.

“Portanto eu criei um partido novo e pequeno que é o CNRT para ser presidente do partido e poder roubar dinheiro do Estado democrático e peço desculpa porque não tenho nível para me aproximar dos outros líderes nacionais que o senhor ex-general referiu na sua carta”, escreve Xanana Gusmão.

“Eu só sou aluno de liceu. Tenho que ter distanciamento social destes doutores, porque eu tenho a cabeça vazia, não posso aproximar-me destes doutores tão inteligentes”, conclui.

Plataforma | Lusa - em 12.06.2020

Confusão política, desânimo e pobreza aumentam em Timor-Leste


M. Azancot de Menezes* | Jornal Tornado

Xanana Gusmão, líder do CNRT, respondeu de forma sarcástica a uma carta escrita por Lere Anan Timur, Chefe do Estado Maior-General das Forças de Defesa de Timor-Leste. O desentendimento político agrava-se no país. Enquanto isso, o desânimo e a pobreza aumentam exponencialmente em Timor-Leste.

No dia 8 de Junho de 2020, Lere Anan Timur, notável antigo comandante guerrilheiro da área de Lospalos (ponta Leste de Timor-Leste), escreveu uma carta dirigida aos principais líderes políticos do país apelando ao diálogo e ao bom senso.

O apelo do Comandante Lere, resumidamente, remete para a importância da liderança política se unir em diálogo construtivo, com a argumentação de que a situação política (acrescento eu, económica e social) está a gerar muita preocupação e desmotivação, não só junto da população civil mas também no seio das forças militares.

A carta do líder do CNRT em contexto de crise política, económica e social

O Jornal Tornado teve acesso à cópia de uma carta datada de 12 de Junho de 2020 da autoria do líder histórico da resistência, Kay Rala Xanana Gusmão, uma resposta à missiva do Comandante Lere.

Desde já, penso que é importante referir, Kay Rala Xanana Gusmão, líder histórico da resistência timorense, continua a ser a pedra mais importante e influente do xadrez político e económico de Timor-Leste.

O comandante histórico das FALINTIL tem o indiscutível reconhecimento dos EUA e da Austrália, e de outros países, por muitos equiparado à dimensão de Nelson Mandela. Mesmo havendo críticas a algumas das suas posturas, Kay Rala Xanana Gusmão continua a ser (muito) respeitado ao nível nacional e, não esqueçamos, detém a chave dos principais dossiers internacionais.

Portanto, parece-me pacífico aceitar, em Timor-Leste, quer se goste ou não, ao nível económico, geo-militar e político, nada avançará sem o aval do líder histórico da resistência timorense, reconhecido como tal pelas Nações Unidas e pela comunidade internacional.

Na sua carta, o líder do CNRT referiu que não se sente com “capacidade” para dialogar com líderes políticos e militares que governam Timor-Leste.

Este partido político, também não é demais recordar, inclui militantes que no passado defenderam a integração de Timor-Leste na Indonésia, um aspecto aflorado na carta pelo próprio.
"Em nome do partido CNRT, ‘que não sabe governar e que está cheio de autonomistas e corruptos, eu tenho que reconhecer e de aplaudir o facto real de que só desde 2017 até agora é que surgiu o desenvolvimento, com a liderança de líderes inteligentes, e de membros do governo qualificados de alto perfil que sabem governar este Estado de direito democrático”.

Xanana Gusmão

Este assumir (sarcástico) segundo o qual o CNRT integra militantes que outrora defenderam a autonomia de Timor-Leste sob a soberania Indonésia é do conhecimento público. Contudo, não tenhamos pruridos em afirmar, todos os partidos políticos timorenses, incluindo a FRETILIN, integram nas suas fileiras membros que no passado capitularam e tomaram a opção pela Indonésia.

Atente-se bem, uns mais do que outros, todos os partidos estão nessa situação, sendo certo que essa realidade é transversal na sociedade timorense, havendo também oficiais das Forças Armadas e da Polícia Nacional nessa condição, o mais sensato é esquecer este delicado dossier ou as feridas jamais ficarão cicatrizadas.

Por outro lado, o processo de reintegração de timorenses pró-autonomistas (a favor da Indonésia), penso que é bom recordar, obedeceu a uma estratégia delineada no tempo da UNTAET (Autoridade Transitória das Nações Unidas), implementada logo após o referendo em 1999, sob liderança do brasileiro Sérgio Vieira de Melo.

Nesta altura, a UDT, a FRETILIN, o PST e outros líderes políticos integraram o modelo de governo montado pelas Nações Unidas, pelo que, críticas sobre essa matéria podem não ter razão de ser na medida em que a liderança no seu todo acolheu a  “recomendação” (leia-se: imposição) das Nações Unidas, isto é, a reintegração social e política de “autonomistas”.

Pobreza extrema e cobiça num país com tantas riquezas naturais

A preocupação do Brigadeiro General Lere em relação ao momento que o país atravessa, literalmente paralisado, sem desenvolvimento económico e social, com a pobreza e a miséria a aumentar de forma significativa é muito pertinente e deve merecer a atenção da liderança política, independentemente das suas divergências ideológicas e políticas.

Um estudo realizado em 2019 pelo «Índice Global da Fome» refere que Timor-Leste é o décimo país que mais sofre com a fome no mundo, atrás do Afeganistão e do Sudão, mas estes foram devastados pela guerra.

Nos diferentes municípios de Timor-Leste, principalmente nas zonas mais remotas, não fossem os timorenses agricultores, a miséria poderia atingir dimensões ainda mais preocupantes.

Até na cidade capital, Díli, continuam a faltar serviços básicos, tais como água potável, saneamento básico, saúde e educação. O desemprego é assustador e atinge 75% da população com menos de 35 anos de idade, havendo antes da pandemia da Covid-19 várias centenas de jovens a emigrarem para a Coreia do Sul, Irlanda (talhos e outros serviços) e Austrália (colheita de frutas) para se juntarem aos milhares que já lá se encontram.

A verdade é que para além da cobiça estrangeira sobre as riquezas naturais de Timor-Leste, mesmo havendo esta situação generalizada de pobreza sem fim à vista, muitos dos principais líderes olham para o petróleo e o campo de gás Greater Sunrise como fonte de riqueza pessoal e não para investir no desenvolvimento sustentável do país, o que também levanta sérias dúvidas sobre a autenticidade da “intervenção humanitária” filantrópica da Austrália em 1999.

*PhD em Educação / Universidade de Lisboa

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