Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião
Não consigo conceber no relacionamento humano nada pior do que a discriminação, seja pela diferença de raça, de país ou de género. Nada me incomoda mais e nada tem mais poder para me convocar para um combate. Racistas, xenófobos, machistas ou misóginos têm de ser combatidos sem tréguas e ninguém deve ser dispensado dessa luta.
É, aliás, por isso, que também me incomoda que algumas vítimas do machismo ou do racismo entendam que nesta luta há os combatentes de primeira (mulheres e negros) e os de segunda (homens brancos). Como se eu, por ser homem, não pudesse indignar-me de igual forma com a irracionalidade do machismo. Como se eu não tivesse mãe, irmãs, mulher e filhas, para carregar o peso da injustiça de que sofrem as mulheres em todo o mundo. Como se eu, por ser branco, não pudesse sentir-me humilhado quando outro branco humilha um negro ou um cigano. Como se eu, por ser português, não tivesse no meu corpo e na minha memória a miscigenação com que se faz parte da história deste país.
Dito isto, percebe-se bem a minha aversão ao discurso de André Ventura e ao que representa o Chega na promoção do ódio ao outro, na defesa de uma sociedade dividida por castas, onde eu, por ser português de várias gerações e tão branco quanto pode ser branco um descendente de lusitanos e mouros, devo ter mais privilégios do que os restantes habitantes deste país. Aqui se faz, ou devia fazer, a distinção total entre a extrema-direita e a extrema-esquerda, representada pelo Bloco. Tendo discordâncias totais com muito do que defendem os bloquistas, não consigo, no entanto, acompanhar este paralelismo que se estabelece entre os dois extremos, porque nada se compara politicamente, insisto, à defesa de teses racistas e xenófobas.
Acontece que, cada vez mais, os defensores de uma aliança de centro-direita, que vá do PSD ao Chega, justificam essa possibilidade com a existência de uma aliança de centro-esquerda, que vai do PS ao BE. Argumentam que o Bloco promove igualmente o divisionismo, numa luta ideológica contra tudo o que é privado, revelando igual preconceito pelo que é diferente. Descontando os evidentes exageros desta comparação, era altura de muita gente à esquerda perceber que tem de deixar de alimentar esta forma de fazer política, em que parece bastar que nos entendamos com razão para sentir que o nosso radicalismo fica legitimado. A intolerância só aceitável como combate à própria intolerância mas, para que não entremos num remoinho, importa distinguir o que é que verdadeiramente não podemos tolerar. Apenas como exemplo: devemos ser intolerantes com o racismo, mas faz pouco sentido que o sejamos em relação à saúde privada.
O momento muito difícil que vivemos, convoca-nos de igual forma para a defesa de uma sociedade mais justa e para o combate aos radicalismos, venham de onde vierem. Para que não se diga que os extremos se autoalimentam, para que se promovam consensos que nos façam avançar. Estamos absolutamente necessitados de um bloco central social, que promova alternativas políticas, em que se distinga a direita da esquerda, mas em que prevaleça a vontade de uma larguíssima maioria da sociedade. Estamos a ficar reféns de uma minoria radical, que nos empurra para um caminho onde não é expectável que encontremos algo de bom.
*Jornalista
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