Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Em janeiro estavam registadas no Instituto do Emprego e Formação Profissional cerca de 420 mil pessoas desempregadas. São mais 100 mil do que em janeiro do ano passado, apesar das medidas de apoio à economia e às empresas, nomeadamente das diversas modalidades de lay-off. Foram apanhados por esta vaga de desemprego sobretudo trabalhadores em situações de precariedade.
Contudo, aquele número não inclui outros que são precários profundos: do trabalho informal, "colaboradores" de empresas parasitas de fornecimento de mão de obra, imigrantes sem papéis, ou pessoas obrigadas a serem empresárias de si mesmo. São vítimas de uma dupla desproteção: não têm vínculo com as empresas para quem efetivamente trabalham e são excluídos, total ou parcialmente, da proteção social.
A maior parte não pode sequer registar-se como desempregada ou aceder ao subsídio de desemprego. Todos os dias aparecem aos milhares, sem rendimentos ou com magríssimos apoios sociais criados durante a pandemia, a socorrerem-se de instituições diversas, para se alimentarem e sobreviver.
A pandemia realçou o lugar e o valor central do trabalho. Velhas e novas tecnologias, o teletrabalho, a robotização, a inteligência artificial, as plataformas digitais, a possibilidade de realizar trabalho remoto estão aí, e vão influenciar a organização e as formas de prestação do trabalho de muitas pessoas. Mas é uma fraude dizer-se que no futuro não haverá empresas e que os trabalhadores terão de passar a ser "colaboradores" sem contratos de trabalho, pendurados em plataformas comandadas por algoritmos. O anúncio desse futuro apocalítico (feito até por quem do alto do seu império escreve as leis) serve para estilhaçar, desde já, o emprego protegido por legislação que assegura segurança e quadros de direitos e deveres reconhecidos pelas partes - trabalhadores e entidades patronais.
O comissário europeu do Emprego e Direitos Sociais (Expresso Economia online, 24 de fevereiro" afirma: "quando uma pessoa trabalha para ou através de uma plataforma não deve ser colocada numa situação em que a proteção social ou os direitos laborais básicos não se aplicam". Magnífico. Todavia, continua: "Para mim a questão não é se a pessoa é um funcionário ou um trabalhador por conta própria".
E acrescenta que, mesmo em situações em que são prestados serviços às plataformas através de novas empresas ou enquanto trabalhadores independentes, "devem existir direitos à proteção social, como em casos de doença, acidente ou desemprego". Aqui está o rabo do gato escondido. A oferta de uma proteção, paga sobretudo por quem executa o trabalho e pouco ou nada por quem o contrata, como pretexto para expandir a precariedade nas plataformas digitais.
Em muitas plataformas os trabalhadores já hoje são forçados a baixar o custo das tarefas a que podem concorrer até ao limite do suportável ou até ao prejuízo, na esperança de no futuro serem selecionados para outras tarefas. No passado o trabalho realizado em casa por adultos, crianças e idosos também era intermediado por mercadores que se limitavam a vender os produtos e a acumular as margens de lucro.
Isto não pode ser o Pilar Social Europeu. A extensão da proteção social em caso algum compensa a perda de segurança resultante da inexistência de contratos de trabalho, enquadrados pelo Direito do Trabalho e pela ética.
* Investigador e professor universitário
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