domingo, 30 de maio de 2021

Porque é que a UE se destaca contra a China

Manlio Dinucci*

Os Estados Unidos estão a prosseguir o seu plano de transformar a Aliança Atlântica não só num super exército contra a Rússia, mas também contra a China. O Parlamento Europeu acaba de colocar calmamente a União Europeia nesta linha política, mesmo antes dos governos terem tomado uma decisão.

O Parlamento Europeu, em 20 de Maio, congelou a ratificação do Acordo UE-China sobre investimentos, assinada em Dezembro pela Comissão Europeia após sete anos de negociações. A resolução foi aprovada por uma esmagadora maioria com 599 votos a favor, 30 contra e 58 abstenções [1]. É formalmente motivada como sendo a resposta às sanções chinesas contra membros do Parlamento Europeu, decididas por Pequim depois dos seus funcionários terem sido sujeitos a sanções, rejeitadas pela China, por violação dos direitos humanos, particularmente os do Uighur. Os legisladores da UE argumentam que, se bem que as sanções chinesas sejam ilegais porque violam o Direito Internacional, as sanções europeias são legais porque se baseiam na defesa dos direitos humanos aprovados pelas Nações Unidas.

Qual é o verdadeiro motivo que se esconde por trás da capa de "defesa dos direitos humanos na China"? A estratégia, lançada e liderada por Washington, de recrutar países europeus para a coligação contra a Rússia e a China. A alavanca fundamental desta operação é o facto de 21 dos 27 países da UE serem membros da NATO sob comando USA. Na primeira fila contra a China, tal como contra a Rússia, estão ao mesmo tempo os países de Leste, membros da NATO e da UE, que, estando mais ligados a Washington do que a Bruxelas, aumentam a influência dos EUA na política externa da UE. Uma política que segue substancialmente a dos Estados Unidos, sobretudo através da NATO. Mas nem todos os aliados estão ao mesmo nível: a Alemanha e a França fazem acordos com os Estados Unidos com base na conveniência recíproca, enquanto a Itália obedece, mantendo-se em silêncio em detrimento dos seus próprios interesses. O Secretário-Geral da NATO, Stoltenberg, pode assim declarar, no final da sua reunião com o Presidente francês Macron, em 21 de Maio: "Apoiaremos a ordem internacional com base em regras contra o impulso autoritário de países como a Rússia e a China".

A China, que até agora a NATO colocava em segundo plano como "ameaça" ao concentrar a sua estratégia contra a Rússia, está agora a ser posicionada ao mesmo nível. Isto vem na trilha do que estão a fazer em Washington. Aqui a estratégia contra a China está prestes a tornar-se lei. No Senado dos EUA, o projecto de lei S.1169 sobre a Competição Estratégica com a China, foi apresentado a 15 de Abril por iniciativa bipartidária do democrata Menendez e do republicano Risch. A exposição dos motivos do projecto de lei não deixa dúvidas de que o confronto é abrangente: "A República Popular da China está a incentivar o seu poder político, diplomático, económico, militar, tecnológico e ideológico para se tornar um concorrente estratégico global quase igual aos Estados Unidos. As políticas cada vez mais seguidas pela RPC nestas áreas, são contrárias aos interesses e valores dos Estados Unidos, dos seus parceiros e de grande parte do resto do mundo". Nesta base, a lei estabelece medidas políticas, económicas, tecnológicas, mediáticas, militares e outras contra a China, com o objectivo de atacá-la e isolá-la. Uma verdadeira declaração de guerra, não no sentido figurativo. O Almirante Davidson, que dirige o Comando Indo-Pacífico dos Estados Unidos, pediu ao Congresso 27 biliões de dólares para construir uma cortina de bases de mísseis e sistemas de satélites em torno da China, incluindo uma constelação de radares em plataformas espaciais. Entretanto, a pressão militar dos EUA sobre a China está a aumentar: lançadores de mísseis da Sétima Frota estão a navegar no Mar do Sul da China, bombardeiros estratégicos da Força Aérea dos EUA foram estacionados na ilha de Guam, no Pacífico Ocidental, enquanto os drones Triton da Marinha dos EUA foram trazidos para mais perto da China, transferindo-os de Guam para o Japão. Na peugada dos Estados Unidos, a NATO está também a alargar a sua estratégia à Ásia Oriental e ao Pacífico [2] onde - Stoltenberg anunciou - "precisamos de nos fortalecer militarmente juntamente com parceiros próximos como a Austrália e o Japão". O Parlamento Europeu não deu, portanto, simplesmente mais um passo na "guerra de sa-nções" contra a China. Deu mais um passo no sentido de motivar a Europa para a guerra.

Manlio Dinucci* | Voltairenet.org | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos | Fonte Il Manifesto (Itália)

[1] «Parlamento rejeita qualquer acordo com China enquanto sanções estiverem em vigor», Parlamento Europeu, 20-5-21.

*Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações : Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016; Guerra nucleare. Il giorno prima. Da Hiroshima a oggi: chi e come ci porta alla catastrofe, Zambon 2017; Diario di guerra. Escalation verso la catastrofe (2016 - 2018), Asterios Editores 2018.

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