Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Na-feira o JN colocou, com oportunidade e destaque na primeira página, a notícia, "Mais de 23 mil empregos sem qualquer candidato", a partir de informação disponibilizada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Aquela dessintonia resulta, fundamentalmente, das fracas condições oferecidas e de caraterísticas específicas do nosso sistema de emprego, caso do leque de precariedades articulado com o deficiente perfil de especialização da economia. Também se devem ter em conta perceções inculcadas nas pessoas que desvalorizam certos tipos de trabalho e de profissões.
O IEFP não terá meios para trabalhar as interrogações que se colocam quando queremos escalpelizar as razões pelas quais estas ofertas de emprego não são preenchidas: identifica-nos o desemprego a nível de setor de atividade e por regiões, propicia-nos o conhecimento de algumas caraterísticas dos desempregados, pode expor o alcance de políticas públicas de emprego e fazer comparações entre períodos temporais, pouco mais. Seria importante dotá-lo de capacidades e da missão de resposta a interrogações que apresentarei à frente. Os empregadores falam genericamente do emprego de que precisam, mas escondem muitas das condições da oferta.
Estes quase 24 mil empregos disponíveis, que em princípio o país precisa que sejam ocupados, quantos são com horários completos e que continuidade se lhes perspetiva? Para se cumprir um horário normal, quantas horas vão ter de ser trabalhadas? Que salários são oferecidos? Naquele universo, quantos são empregos "uberistas" ou "odemiristas"? São empregos para "colaboradores" a quem se propõe funções de responsabilidade, auferindo praticamente o salário mínimo? Em quantas destas ofertas se exige boas qualificações, mas se quer que o trabalhador seja pau para toda a obra, num processo desqualificante? Quantos destes empregos alimentam empresas de trabalho temporário, capatazes de jornas? É imprescindível ir fundo na análise destas ofertas de emprego para se perceber e tratar aquela dessintonia.
Não se escamoteia a disfunção existente entre a oferta de emprego e as formações das pessoas, que a pandemia pode ter agravado, assim como sabemos que se alteraram os fluxos da imigração. Mas, o país não pode estar com 200 mil jovens numa faixa etária entre os 16 e os 34 anos sem emprego, fora dos sistemas de ensino ou de formação, num quadro em que são precisos jovens qualificados com diversidade de conteúdos formativos. Então, falta mesmo emprego e uma política económica que o gere. Por outro lado, Portugal deve ter uma política de imigração minimamente coordenada, com estratégias de acompanhamento e formação, retirando das mãos de "empresas" oportunistas e de máfias organizadas a exploração dos trabalhadores imigrantes.
Muitos dos milhares de empregos disponíveis exigem esforço físico e mostram cadeias de organização e de poder em setores com pouco espaço para a criatividade e a motivação. Aí imperam subjugações duras e não o idílico cenário associado ao conceito de "colaboradores" com que a propaganda dominante aborda o "emprego do futuro".
Os trabalhadores portugueses, quando tratados com dignidade, integrados em empresas e serviços bem organizados e com salários decentes, estão sempre disponíveis. E, em regra, só vão para o estrangeiro quando aqui não têm oportunidades.
*Investigador e professor universitário
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