# Publicado em português do Brasil
A festa acabou, a economia degringolou e o apoio popular sumiu. Desesperado pela reeleição, presidente se escora no “centrão” – e no insipiente Auxílio Brasil. Mas o tempo é curto e a velha mídia, “órfã da austeridade”, abandona até Guedes
Paulo Kliass *| Outras Palavras
Desde que foi estabelecido o reconhecimento, ainda que tardio, da injustiça cometida pelo nosso Poder Judiciário em relação aos direitos de Lula, o xadrez do jogo político foi completamente alterado. Em 15 de abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou os processos que haviam sido conduzidos de forma arbitrária e ilegal pelo juiz Sergio Moro, em escancarada articulação com a turma da chamada República de Curitiba. Como o tempo da política parece obedecer a uma cadência particular, pouca gente se dá conta de que as sentenças determinadas pelo chefe da Operação Lava Jato foram consideradas sem efeito há pouco menos de sete meses.
Pois nesse breve período de tempo quase tudo mudou. Bastaram apenas algumas semanas após esse gesto de mea culpa tardia do STF para que as pesquisas de opinião captassem aquilo que havia sido impedido justamente por Moro em 2018. Todos se lembram de que a intenção dos processos marcados pelo viés condenatório ilegal era enquadrar Lula a qualquer custo e, com isso, evitar que ele pudesse retornar ao Palácio do Planalto através do voto popular.
A sequência veio com a aceleração da campanha eleitoral e o apoio oferecido por parte das elites tupiniquins ao representante da extrema direita no pleito. A aproximação com Paulo Guedes facilitou o trânsito do defensor da tortura e da pena de morte junto à nata do financismo, uma vez que o aprendiz de banqueiro e operador do mercado financeiro assegurava mundos e fundos caso Bolsonaro vencesse as eleições. Uma vez divulgado o resultado, ele foi de fato ungido a superministro da área econômica, concentrando um poder que jamais havia ocorrido na história deste país.
Economia afunda e a popularidade vai junto
No entanto, passados quase três anos desde o começo do novo governo, os resultados de tanto poder oferecido a um só auxiliar deixaram muito a desejar. Do ponto de vista da economia e da política, Bolsonaro está em uma situação muito – mas muito mesmo pior do que aquela que encontrou. A popularidade do presidente e de seu governo despencam a cada nova pesquisa semanal divulgada. Ao mesmo tempo, em todas as sondagens, percebe-se um derretimento de seu potencial em eventual tentativa de reeleição em outubro do ano que vem.
Existe um conjunto amplo de razões para explicar tal mudança de comportamento e atitude por parte da maioria da população brasileira. Do ponto de vista da economia, os indicadores são bastante negativos. A inflação voltou aos dois dígitos, reduzindo ainda mais o já diminuto poder aquisitivo do povo. O desemprego insiste em se manter levado, sempre superior à casa dos 14 milhões de pessoas. Os rendimentos das pessoas e das famílias também se mantêm abaixo do necessário, em razão das reformas trabalhistas e do estímulo oferecido pelo governo aos mecanismos de informalidade e precariedade no mercado de trabalho. A política monetária voltou ao seu leito característico de um governo dominado pelos interesses e pela lógica dos financistas, coma SELIC tendo quadruplicado de patamar em poucos meses.
Ora sob tais condições, a mudança de tendência não era tão difícil assim de ser imaginada. A simples presença de Lula como alternativa perante o eleitorado recoloca o debate a respeito das condições que o Brasil viveu em cada um dos momentos considerados.
O crescimento das atividades da economia apurado pelo Produto Interno Bruto é uma boa forma de promover tal comparação. Para além de todas as melhorias verificadas nas condições de vida e da oferta de serviços públicos, o desempenho das variáveis econômicas representado pela elevação anual do PIB ao longo da primeira década do milênio também permite uma avaliação comparada, cujo resultado é inquestionável.
Ao longo dos dois mandatos de Lula, o Produto Interno cresceu a uma média anual de 4,1%. Já as estimativas para o encerramento do ano presente e as projeções para o ano que vem levam o resultado de Bolsonaro para um patamar cinco vezes mais baixo: 0,8% anuais.
Mais do que nunca é importante nos lembrarmos da famosa frase atribuída a James Carville, responsável pela área de comunicação da campanha do candidato Bill Clinton à Presidência dos Estados Unidos em 1992. Naquele ano, os democratas finalmente conseguiram, impor uma derrota aos republicanos, que governavam o país desde 1968. Apesar de não ser tão inovadora assim para quem tem o hábito de lidar com avaliação político-eleitoral, a tirada do marqueteiro que ficou bem conhecida foi a seguinte: “É a economia, estúpido!”
Parece óbvio que as dificuldades de Bolsonaro vão bem além de seus problemas no front econômico. Estão aí os escândalos na seara da corrupção, envolvendo auxiliares e aliados políticos, sem contar os casos mais próximos de seus familiares. Deverão pesar bastante também as mais de 600 mil mortes pela covid, cuja responsabilidade mais direta cabe ao negacionismo do presidente. O retorno do Brasil ao mapa da fome e o aumento exponencial dos bolsões de misérias são aspectos que pesam bastante na avaliação negativa de Bolsonaro.
No entanto, a incapacidade em operar de forma positiva na economia torna bastante complicada possibilidade de alguma mudança de rota em pleno movimento do transatlântico. O capitão terminou por conferir poder exagerado a um ministro que não se preocupava com a política ou com a situação do povo. Paulo Guedes permaneceu quase três anos no governo jurando para si mesmo o seu próprio compromisso com o doutrinarismo fiscalista e com a ortodoxia monetarista. Seguiu rezando pela cartilha ultrapassada do Estado mínimo e da austeridade máxima. Vai entregar um Brasil destruído.
Bolsonaro se agarra no Centrão para sobreviver
Bolsonaro está percebendo, talvez tarde demais, que o tempo é curto para que ele consiga apresentar alguma coisa de positivo que fortaleça sua tentativa de reeleição. O presidente ameaçou e Guedes acabou por aceitar o acordo recente para permanecer mais alguns meses no governo. Às favas com o teto de gastos e viva a contabilidade enganadora e criativa. A economia agora é comandada pelo fisiologismo do Centrão, sob o comando de Ciro Nogueira na Casa Civil, articuladíssimo com seus pares Arthur Lira e Rodrigo Pacheco nas presidências duas casas do Congresso Nacional.
O interessante é observar que as críticas a Guedes e Bolsonaro originadas nos grandes órgãos de comunicação revelam um sentimento de orfandade. Sentem-se traídos pelo superiministro pelo fato de ele ter, na prática, abandonado a austeridade fiscal agora no fim da feira. Criticam a PEC dos Precatórios por ela permitir uma elevação malandra e escondida das despesas, mas não manifestaram uma só crítica ao longo do triênio, em todos os momentos em que o governo lançou seus petardos para destruir o Estado e promover o desmonte de suas políticas públicas.
O desespero de Bolsonaro aumenta a cada dia. Ele tenta repaginar o reconhecido internacionalmente Programa Bolsa Família e até promete reajustes salariais a categorias de servidores públicos que lhe eram simpáticas até pouco tempo atrás. Mas a trajetória não será nada fácil. A pergunta que ele deve se fazer a cada noite, vendo sua imagem no espelho do banheiro antes de tentar dormir, é essa do título: “E agora, Jair?”.
*Doutor em economia e membro da
carreira de Especialistas
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Imagem: Evaristo Sá/AFP
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