PORTUGAL
A “solução” para o problema de
uma ou duas turmas sem aulas vai fazer com que, num número crescente de casos,
fiquem seis ou sete sem professor.
Mário Nogueira* | Público | opinião
A greve às horas extraordinárias convocada pela Fenprof não se centra nos direitos socio-laborais dos professores. Aliás, o problema não será, em regra, a ilegalidade, mas uma orientação do Ministério da Educação (ME) que terá graves consequências também para os alunos, pois o número dos que não têm aulas poderá crescer! É preciso, isso sim, obrigar o ME a tomar medidas que facilitem a contratação de professores para os horários vagos!
A falta de professores qualificados é um problema com gravidade acrescida, mas não é um problema de hoje. Ao longo dos seis anos em que o atual ministro ocupou o cargo, a Fenprof, mas, também o Conselho Nacional de Educação (CNE), a Direção-Geral de Estatísticas da Educação, a Comissão Europeia, a OCDE e a comunicação social alertaram para o problema. O ministro não o considerou e desvalorizou, afirmando serem situações pontuais, as que eram relatadas.
Tentando encontrar respostas, no início do ano letivo transato, a Fenprof apresentou propostas ao ministro. Disponibilizou-se para as discutir. Visavam situações imediatas, mas, também, a médio e longo prazo, tendo em conta os números que, como afirmava o CNE no relatório Estado da Educação 2020, eram não só reveladores do problema, como assustadores. O ministro não se dignou, sequer, acusar a receção das propostas.
Nas propostas da Fenprof, destacavam-se: a possibilidade de as escolas completarem os horários, o que também seria importante, face à necessidade de recuperação de défices de aprendizagem provocados pela pandemia; o fim dos prejuízos impostos aos professores contratados determinados pela forma penalizadora como são declarados os dias de trabalho à segurança social; alterações ao regime de ingresso nos quadros (norma-travão), no sentido de horários incompletos ou temporários relevarem para a vinculação; possibilidade de recrutamento de candidatos com habilitação própria, em caso de escassez de profissionalizados, com a exigência de, pretendendo optar pela docência, se profissionalizarem no prazo máximo de seis anos (com o ME a garantir o processo); recurso à atribuição de horas extraordinárias, mas dependente da aceitação do docente.
O que está a acontecer é que as horas extraordinárias estão a ser impostas a
docentes já sobrecarregados, alguns até com serviço extraordinário atribuído
desde início do ano. São mais quatro a sete horas letivas (que exige a
correspondente atividade não letiva)… Como desabafava um professor, foi
necessário chegar aos 60 anos para ter um número recorde de turmas e de alunos
e um horário semanal superior a 50 horas efetivas.
Os professores a quem estão a impor as horas extraordinárias têm o horário
completo com aulas, reuniões e mais reuniões, desenvolvem projetos e projetos,
frequentam formações e mais formações obrigatórias, atendem os pais dos alunos,
suportam tarefas burocráticas que aumentaram com a desmaterialização, tantas
são as plataformas a preencher, têm direções de turma, de departamento e de
estabelecimento… É a vida de um corpo docente, como se sabe, envelhecido,
exausto, boa parte em situação de stresse ou burnout, muitos à beira do colapso.
As consequências estão à vista no aumento das baixas médicas e dos horários temporários a concurso. Isto é, a “solução” para o problema de uma ou duas turmas sem aulas vai fazer com que, num número crescente de casos, fiquem seis ou sete sem professor.
A greve às horas extraordinárias, convocada pela Fenprof, destina-se, assumidamente, a defender o direito à educação dos alunos, protegendo a saúde física e mental dos seus professores. Ninguém é obrigado a fazer greve, se encontrar condições para arcar com a sobrecarga. A greve ajudará aqueles que, entrando em risco de exaustão, ainda assim possam proteger-se do recurso à baixa médica. A greve destina-se, ainda, a pressionar o ME a encontrar verdadeiras soluções para um problema que é, convenhamos, da sua única e exclusiva responsabilidade.
*Mário Nogueira -- secretário-geral da Fenprof
Sem comentários:
Enviar um comentário