segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Portugal | AGENTE DA PSP USAVA ESQUADRA PARA TRAFICAR ARMAS

Ministério Público acusa polícia de corrupção e reclama perto de 80 mil euros ganhos com os crimes. Rede de 15 arguidos liderada por agricultor vendia metralhadoras, pistolas, revólveres ou munições.

O Núcleo de Armas e Explosivos da PSP de Chaves era o local de trabalho do agente Basílio Monteiro, mas era também no resguardo desta zona de acesso reservado da esquadra trasmontana que, segundo o Ministério Público (MP), o polícia traficava armas. Ele e outros 14 arguidos, que foram detidos numa megaoperação da Polícia Judiciária de Vila Real, em outubro de 2020, e vão ser julgados por tráfico de armas, drogas e notas falsas, além de corrupção. O MP reclama quase 80 mil euros ao PSP, que tinha 34 mil dólares em casa quando foi preso.

Basílio Monteiro não era um agente qualquer. Era um dos responsáveis pela receção de armas entregues voluntariamente à Polícia, bem como pela fiscalização e tramitação dos processos de legalização das pistolas e carabinas. E, de acordo com a acusação do MP do Porto, Basílio Monteiro, atualmente em prisão domiciliária, decidiu aproveitar as suas funções de polícia para obter ganhos ilícitos.

Quando ali aparecia alguém que queria entregar uma arma para abate que era interessante, o agente não registava a receção da mesma no sistema interno da PSP. Arranjava maneira de ficar com ela ou de a encaminhar para armeiros do seu circulo de amigos. Assim, conseguia comprar armas a preços reduzidos e recebia uma comissão dos compradores.

O livre acesso ao sistema informático da PSP de que dispunha também era usado em proveito próprio para averiguar o registo de propriedade de armamento, mas, igualmente, para elaborar novos livretes e manifestos de armas. Tudo a troco de dinheiro.

Muitos dos negócios tratados pelo PSP foram realizados na esquadra de Chaves. Na acusação, o MP descreve a transação de uma arma de fogo curta de marca Sig Sauer, calibre 22, que um indivíduo queria legalizar, mas que acabou por vender por 100 euros a Basílio Monteiro, que, depois, arranjou comprador para ela, tendo tratado dos documentos oficiais. Outros indivíduos que tinham herdado caçadeiras ou revólveres e que também se dirigiram à esquadra para que as mesmas fossem abatidas viram o PSP propor-lhes um negócio.

Avisado por armeiro

Basílio Monteiro chegava a enviar fotografias das armas depositadas na esquadra para armeiros, na tentativa de as vender. Um deles, que era contactado semanalmente, chegou a dizer-lhe que deveria preocupar-se com a sua função e não com o negócio de armas.

Quando alguém lhe pedia uma arma específica, o PSP chegava a entrar no sistema informático da Polícia para pesquisar e encontrar proprietários. Segundo o MP, contactou o dono de arma de marca Perazi, descoberto graças ao arquivo da PSP, e perguntou-lhe se a queria vender. Passou depois o contacto do proprietário a um terceiro indivíduo para que fizessem negócio, por 1500 euros.

Nas buscas da PJ de Vila Real, foi descoberto um arsenal em casa do polícia. Num cofre especial tinha várias armas e munições, além de livretes. Na garagem, no escritório e em arrecadações foram encontradas centenas de cartuchos e munições. Num armário de roupa, guardava envelopes com um total de 34 mil dólares e ainda 1250 euros.

200 buscas

Na operação da PJ de Vila Real, batizada "Ibéria", pelas ligações a Espanha, foram realizadas 200 buscas e detidas mais de 50 pessoas.

Três quilos de droga

Além das centenas de armas e milhares de munições, aquando da operação, em outubro de 2020, a PJ apreendeu três quilos de canábis a um indivíduo que também tinha armas ilegais.

Feirante com Porsche

A um dos detidos, feirante de Vila Real, que declarava baixos rendimentos, foi apreendido um Porsche. Dentro do veículo foi encontrada uma arma.

Líder da rede era um agricultor de Cabeceiras que vendia tudo

O líder da rede trasmontana em que foi detido o agente da PSP de Chaves era liderada por um agricultor, de 58 anos, residente em Cabeceiras de Basto, atualmente em prisão preventiva. José Andrade vendia de tudo. Tinha à disposição metralhadoras, carabinas, caçadeiras, pistolas, revólveres e munições de qualquer calibre. Está acusado de tráfico de armas, mas também de droga e de notas falsas de 50 euros.

De acordo com a acusação, José Andrade obtinha as armas ilegais através de contactos no submundo do crime espanhol. Deslocava-se a Espanha muitas vezes para adquirir as armas que eram depois vendidas a criminosos em território nacional. Também conseguia fornecer-se junto de armeiros e emigrantes que trazia armas da Suíça.

Para despachar o armamento em Portugal, José Andrade contava com uma rede de intermediários espalhados por todo o Norte do país. Tinha dois mecânicos, de Felgueiras e Braga, para lhe transformar pistolas de alarme ou de gás em armas capazes de disparar balas. Mas também tinha tentáculos em Montalegre, Chaves, Boticas, Vila Real, Cabeceiras e Paredes.

Entre 2018 e 2020, foi alvo de centenas de horas de escutas telefónicas, mas usava linguagem codificada. Azeitonas, parafusos, cabritos, lenha, vinho de duas qualidades eram nomes de código para armas, droga ou notas falsas. Só do seu telemóvel, o processo reteve 420 sessões suspeitas de serem relativas ao tráfico.

A acusação descreve ao pormenor inúmeras transações de armas, como Kalashnikov, metralhadoras FBP ou AK47 e ainda revólveres de vários calibres. O homem era cuidadoso e guardava as armas em casas em construção ou devolutas, situadas nas proximidades da sua residência.

Alexandre Panda | Jornal de Notícias

Imagens: PJ exibiu armas apreendidas em 2020 / em JN

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