Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
A Esquerda só terá uma derrota eleitoral se não se mobilizar para o voto. E, claramente, nas eleições mais bipolarizadas dos últimos anos, o que verdadeiramente importa no próximo domingo para o eleitorado que vota à Esquerda é que a terceira força política pertença ao seu espectro político.
O PS de António Costa terá feito a pior campanha de que há memória. Apesar de favorito para ganhar as eleições, assim o dizem a esmagadora maioria das sondagens (e foram muitas e diversas e diárias e, por vezes, perturbadoras), fez uma campanha inicialmente anónima, depois apontada à maioria absoluta, depois titubeante ao dar o dito por não dito, depois quase autopunitiva ao deixar de reclamar uma maioria absoluta para afirmar que podia fazer acordos com (quase) todos, acabando o percurso errático na humildade de reconhecer que só na partilha à Esquerda poderá ser maioritário. Costa sempre soube, mas já nas eleições autárquicas cometera o mesmo erro. O povo português gosta menos do uso excessivo da soberba do que de maiorias absolutas imaginárias.
Vitorioso nas eleições legislativas de 2019 com 36%, António Costa sonhou com uma maioria absoluta numa janela temporal de dois anos. Por isso, preferiu rejeitar acordos de governação. A pandemia quase lhe travava a possibilidade de espoletar uma crise política no prazo imaginado. Quando a criou, rejeitando negociar com seriedade à sua Esquerda, não sonhava que pudesse colocar tanto em risco como acabou por colocar. Agora, terá de se entender forçosamente à Esquerda pelos direitos, pela saúde, pela escola pública, pela habitação, pelo emprego, pelas pensões. E também para não deixar que o retrocesso civilizacional que a extrema-direita ou que este liberalismo egoístico representa ganhe terreno, influa ou seja poder.
Após uma campanha socialista onde apenas se retira sumo e convicção das palavras de Pedro Nuno Santos, é evidente que se o Chega ou a Iniciativa Liberal forem a terceira força política, dificilmente haverá uma maioria de deputados que permita um Governo de Esquerda. Agora, António Costa terá um olhar diferente sobre o espectro político. No escalonamento relativo dos partidos nas inúmeras sondagens, o Bloco de Esquerda parece ser o mais bem posicionado para conseguir essa maioria à Esquerda, tendo de estancar a transferência de votos para ser a terceira força política. Para tal, terá de contar com a inteligência táctica dos eleitores. As contas não são lineares mas fazem-se às claras: a extrema-direita ganha um deputado por cada deputado que o Bloco de Esquerda perca. Em 2022, quando comemoramos mais anos em Liberdade do que em Ditadura, a resposta cabe a todos e a todas e a cada um de nós. O que fazer com o ar que ainda respiramos? Só há uma via, reforçar a terceira força.
*Músico e jurista
*O autor escreve segundo a antiga ortografia
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