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Finian Cunningham* | Strategic Culture Foundation
Moscou insiste que sua exigência de deter o expansionismo da OTAN é inviolável. Washington insiste em rejeitar isso. A lacuna na diplomacia está se tornando um abismo perigoso.
Autoridades americanas e da OTAN afirmam que a Rússia não tem o direito de exigir que a Ucrânia seja excluída da adesão à aliança militar. Tal demanda é um non-starter, dizem eles.
Enquanto isso, a Rússia insiste que é um “imperativo absoluto” que a Ucrânia e outras ex-repúblicas soviéticas, como a Geórgia, não sejam admitidas na OTAN. E Moscou quer um tratado legal que estabeleça essa exclusão.
Uma rápida verificação da realidade nos lembra divertidamente que Moscou tem precedentes do seu lado do argumento. As conversações entre funcionários dos EUA, da OTAN e da Rússia esta semana estão sendo conduzidas em Genebra e Viena, cidades de dois países europeus, Suíça e Áustria, que são obrigados a permanecer neutros em relação a qualquer aliança militar.
Esse status não alinhado faz parte das constituições suíça e austríaca. Mas parte da neutralidade também decorre do consenso internacional baseado na posição geopolítica sensível de ambos os países após as guerras na Europa.
Portanto, não é sem precedentes que a Rússia esteja pedindo uma garantia legal de que a Ucrânia, a Geórgia ou outros estados vizinhos permaneçam fora do bloco militar da OTAN.
No entanto, da forma como os funcionários dos EUA e da OTAN apresentam as coisas, parece que as exigências da Rússia são um ultimato ultrajante que viola a soberania e a liberdade. Wendy Sherman, a vice-secretária de Estado norte-americana que se reuniu com o colega russo Sergei Ryabkov em Genebra na segunda-feira disse que as exigências de Moscou eram "improváveis".
“Não permitiremos que ninguém feche a política de portas abertas da OTAN, que sempre foi central para a aliança. Não renunciaremos à cooperação bilateral com estados soberanos que desejam trabalhar com os Estados Unidos”, disse Sherman a repórteres após sua reunião de 7 horas com Ryabkov.
Declarações hipócritas semelhantes foram emitidas pelo secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, que reivindicou a prerrogativa da aliança de incluir qualquer nação em suas fileiras de 30 membros. Mais da metade desses membros foram adicionados desde o fim da Guerra Fria.
Tal visão arrogante é irremediavelmente ingênua ou historicamente ignorante. Autoridades americanas e da Europa Ocidental podem estar iludidas em sua pretensão do propósito “pacífico” da OTAN. Parecem desconhecer como a aliança foi montada em 1949 como opositor militar da União Soviética e para a projeção do poder imperial americano.
Desde o suposto fim da Guerra Fria em 1991, o registro belicista da OTAN é um registro vívido de destruição de nações. O fato de oficiais da OTAN professarem credenciais pacíficas após a destruição de 20 anos do Afeganistão é um exemplo chocante de sua dissonância cognitiva.
A Ucrânia é um caso clássico de por que a expansão da OTAN deve ser interrompida. Uma mudança de regime em Kiev em 2014 levou ao poder uma cabala neonazista cujo ódio pela Rússia não conhece limites. Permitir que tal regime se junte à OTAN equivale a permitir que um punhal seja apontado para a garganta da Rússia.
Como se espera que Moscou acredite em declarações pacíficas sempre que Washington e a Otan deram ao regime de Kiev mais de US$ 2,5 bilhões em armamento letal nos últimos oito anos? O governo Biden está planejando aumentar o apoio militar, encorajando ainda mais as forças armadas ucranianas a empurrar a guerra civil naquele país às portas da Rússia.
Os tumultuosos eventos no Cazaquistão também mostram como a mudança de regime pode ser fomentada por forças externas em um país que faz fronteira com a Rússia. A tentativa de desestabilizar o Cazaquistão parece ter falhado nesta ocasião. Mas quem pode dizer que um resultado muito diferente não poderia acontecer no futuro, como no caso da Ucrânia, onde um regime russófobo raivoso foi instalado com a ajuda da CIA em 2014?
A Rússia tem razão em insistir numa zona neutra de países na sua fronteira que estão excluídos da adesão à OTAN. Não se trata de a Rússia pisar na soberania alheia ou estabelecer uma “esfera de influência”. Trata-se de respeitar os interesses vitais de segurança. O status de não-OTAN da Áustria e da Suíça são precedentes importantes e óbvios.
É bastante desconcertante que os funcionários americanos e da OTAN tenham se tornado tão arrogantes em suas presunções. A falta de consciência histórica e de reconhecimento das preocupações legítimas da Rússia também são profundamente preocupantes.
O cinismo demonstrado pelos chamados principais diplomatas da América é de tirar o fôlego. O secretário de Estado Antony Blinken e sua vice Wendy Sherman discutiram que Moscou não leva a sério a diplomacia. Eles afirmam que a Rússia quer que as negociações falhem para que possa prosseguir com um suposto plano de invasão para a Ucrânia. Isso apesar das repetidas garantias de Moscou de que não tem intenção de atacar ninguém ou que as tropas em seu solo não são objeto de “redução da escalada”.
É praticamente impossível dialogar com o pensamento tão distorcido demonstrado por funcionários dos EUA e da OTAN. A diplomacia americana, ao que parece, está finalmente morta, tendo sucumbido à arrogância, cinismo e russofobia irracional, bem como à negação total da realidade básica.
Moscou insiste que sua exigência de deter o expansionismo da OTAN é inviolável. Washington insiste em rejeitar isso. A lacuna na diplomacia está se tornando um abismo perigoso.
* Ex-editor e escritor de grandes organizações de mídia de notícias. Ele tem escrito extensivamente sobre assuntos internacionais, com artigos publicados em vários idiomas
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