sábado, 5 de fevereiro de 2022

Angola | A eficácia da PGR nos julgamentos criminais complexos

Têm surgido relatos na comunicação social acerca de julgamentos criminais complexos em que os Procuradores encarregues de fazer valer a perspectiva da acusação demonstram algum desconhecimento do processo ou mostram-se pouco à vontade.

Aparentemente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) tem uma prática, talvez importada de Portugal, de distinguir os Magistrados do Ministério Público (MP) que conduzem a investigação e produzem a acusação num processo-crime daqueles que vão a julgamento sustentar essa acusação. Isto quer dizer que aqueles que reúnem as provas, conhecem o processo, montam a acusação, estabelecem uma narrativa coerente, não surgem em tribunal para defender essa narrativa e apresentar com conhecimento essas provas.

A tarefa é entregue a outro Procurador que não conhece o processo, pode não ter tempo para o estudar e não vivenciou todos os acontecimentos. Em processos complexos e com calibre de especialização elevado, esse facto leva a que se perca uma quantidade de informação e conhecimentos adquiridos. Quem viveu e fez saberá sempre mais do que quem apenas toma conhecimento em segunda mão.

Pode-se argumentar a favor dessa prática de distinção que ela vigora em Portugal e permite a especialização duns Procuradores em investigação e doutros em julgamentos. Estas justificações não convencem. Em Portugal, esta distinção não tem apresentado os melhores resultados, e já levou a várias tentativas de mudar esse estado de coisas. Em relação ao princípio da especialização também não convence, uma vez que os eventuais ganhos não superam o conhecimento directo das provas, das testemunhas, da argumentação. Um Procurador que sabe que não tem que defender a sua narrativa em tribunal, por definição humana, não será tão cuidadoso como um que sabe que tem que o fazer, por outro lado, um Procurador que está a defender um trabalho que não foi o seu, não terá a mesma garra. Não é uma questão de brio profissional, é uma questão de estímulo humano.

O processo penal assenta numa narrativa estribada em provas. Ora quem colige essas provas e constrói a narrativa tem um conhecimento do processo que mais ninguém terá, por isso deverá apresentar-se em tribunal para sustentar a sua acusação e levá-la até ao fim.

A eficácia, dentro dum processo justo, tem de ser a marca da PGR.

Nessa medida, devem ser dadas as orientações adequada impondo que, pelo menos nos processos complexos, quem investiga e acusa é quem vai a tribunal.

Basta notar que a Lei n.º 22/12, de 19 de Julho, Lei Orgânica da Procuradoria- Geral da República e do Ministério Público, prevê especificamente essa possibilidade no seu artigo 68.º em relação a crimes complexos investigados pelo Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP).

A alínea b) desse artigo 68.º é clara ao estabelecer que o PGR pode despachar no sentido de cometer aos magistrados do DNIAP a tarefa conjunta de dirigir, investigar, instruir e exercer a acção penal quando a especial complexidade dos casos o exija.

É precisamente essa especial complexidade e gravidade que clama por uma unidade na investigação e acção penal até ao final do julgamento. A PGR deve dar esta orientação genérica. É imperativo tomar essa medida e evitar mais notícias sobre desadequações de Procuradores em relação às acusações.

Tribuna de Angola

Leia em Tribuna de Angola:

4 de Fevereiro. 61 anos depois

Crimes sem castigo

Sem comentários:

Mais lidas da semana