sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Ucrânia | AVANÇO RUSSO EM TRÊS FRENTES PARA DECAPITAR GOVERNO

Com total superioridade aérea e o controlo de um aeroporto junto da capital, a tomada de Kiev pode estar por horas. Putin alega que o faz para prevenir um "genocídio".

Em Odessa, cidade atacada pelos russos na quinta-feira, há um monumento de uma cadeira. É uma homenagem aos escritores Iliá Ilf e Evguéni Petrov, naturais daquela cidade banhada pelo mar Negro. A sátira à União Soviética pintada por ambos em As Doze Cadeiras passou pela censura na época, em 1928, e foi um tremendo sucesso de vendas. "Para onde irias? Não há razão para pressas. A GPU [antecessora do KGB] vai encontrar-te" é uma das frases muito citadas do burlão protagonista do livro. Neste momento, porém, será difícil aos ucranianos encontrarem sentido de humor no facto de um antigo operacional do KGB, Vladimir Putin, ter planeado e estar a executar uma invasão ao seu país, deixando um rasto de destruição e desespero, com muitos a ignorarem aquela frase e tentarem escapar-se de um poderio militar que as forças ucranianas não poderão alguma vez suster, dada a diferença de forças.

Ao final da tarde, Moscovo disse que os seus militares tinham atingido os objetivos estabelecidos para o primeiro dia da sua invasão à Ucrânia, apesar de todas as sanções anunciadas e outras em vista por parte dos Estados Unidos, União Europeia, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Canadá e Reino Unido. "Todas as tarefas atribuídas aos grupos de tropas das forças armadas da Federação Russa para este dia foram concluídas com sucesso", disse o porta-voz do Ministério da Defesa Igor Konashenkov. O "sucesso" passou pela destruição de mais de 70 alvos militares, entre os quais 11 aeródromos.

Horas antes, de madrugada, Vladimir Putin dirigiu-se aos cidadãos numa mensagem televisiva e disse que ia lançar uma "operação militar especial" no leste da Ucrânia com o objetivo de "defender" os cidadãos das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk de um "genocídio de milhões de pessoas" e que iria "desnazificar" e "desmilitarizar" a Ucrânia. Afirmou que impedir uma expansão da NATO naquele território "é um assunto de vida ou de morte, um assunto para o "futuro histórico da nação", embora tenha declarado que não é objetivo ocupar o país.

Depois de se referir ao poderio do arsenal nuclear, o líder russo avisou outros países contra "a tentação da intromissão" e disse que a resposta iria "levar a consequências que nunca encontraram na vossa história".

Minutos depois começou a invasão à Ucrânia e não apenas ao leste do país, como dissera Putin. E também não se limitou a infraestruturas militares ucranianas, como Moscovo alegou. Eram seis da manhã quando rebentaram as primeiras explosões numa dezena de cidades no leste, no nordeste, bem como na capital, Kiev. Os ataques aéreos russos, com o lançamento de cerca de 100 lançamentos de mísseis nas primeiras duas horas, além de incursões de 75 bombardeiros, atingiram instalações militares, mas também zonas residenciais em todo o país. Enquanto isso as forças terrestres começaram a deslocar-se do norte - pela Bielorrússia - a caminho de Kiev, a sul - pela Crimeia -, avançando em todos os sentidos, e a leste, a partir de território russo, forçando ucranianos a fugir das casas ao som de sirenes e de bombardeamentos.

As colunas de tanques e veículos blindados rolaram pela Ucrânia a partir das três frentes. Vindas do norte, as forças invasoras tomaram a zona da acidentada central nuclear de Chernobyl, "após uma batalha feroz", segundo um conselheiro do presidente ucraniano, enquanto caças, tropas aerotransportadas e dezenas de helicópteros atacaram e tomaram o aeroporto de carga de Gostomel, nos arredores de Kiev. Vários analistas acreditam que esta pista pode desempenhar um papel crucial nos planos da tomada da capital.

Decapitar o governo

A Rússia está a reunir uma "força esmagadora" para tomar a capital, potencialmente dentro de dias, avisaram fontes ocidentais. Para François Heisbourg, da Fundação para a Investigação Estratégica (FRS), "com a Rússia em total controlo dos céus, os ucranianos estão numa situação militar impossível".

Segundo o Pentágono - que neste dossiê tem mostrado precisão nas suas avaliações - a invasão russa da Ucrânia visa tomar a capital e retirar a liderança do país, com tropas a avançarem em três frentes apoiadas por bombardeamentos aéreos. A fase inicial está centrada nas principais cidades, e o Pentágono espera que os russos avancem sobre Kiev. "Eles têm toda a intenção de basicamente decapitar o governo e instalar os seus próprios meios de governação", disse um alto funcionário do Pentágono. "Não vimos um movimento convencional como este, de nação para nação, desde a Segunda Guerra Mundial, certamente nada nesta dimensão, alcance e escala."

Também um quadro francês, sob anonimato, disse que nas próximas horas as tropas aerotransportadas e manobras em larga escala vindas das três frentes irão prosseguir a tomada de território e cercar a maioria das forças ucranianas. A Rússia está "em curso para ocupar toda a Ucrânia", prevê o francês.

Com pelo menos 150 mil soldados na região, Moscovo quererá resolver a guerra por si iniciada o mais rápido possível. O panorama é de "uma rápida campanha militar russa que procura deslocar, cercar e destruir rapidamente as forças ucranianas num assalto com várias vertentes", disse Franz-Stefan Gady, investigador do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) à AFP.

Cerca das 20.00 de Lisboa, o ministro da Saúde ucraniano Viktor Lyashko fez o balanço das primeiras horas da invasão: 57 mortos e 169 feridos, revendo em baixa o balanço da agência AFP de 68 mortos, entre soldados e civis. Em sentido oposto, as autoridades ucranianas anunciaram que "50 ocupantes" morreram. Também afirmam ter abatido seis aviões militares e um helicóptero russos. E a embaixadora nos Estados Unidos Oksana Markarova informou da detenção de um pelotão inteiro da 74.ª brigada de artilharia motorizada. Além disso, o Ministério da Defesa russo informou da queda de um avião de transporte militar, da qual resultou a morte de todos os passageiros russos, num número não especificado.

Ciberataques e protestos

Se poucas horas antes de enviar tropas para o território do país vizinho Moscovo atacou sites de vários bancos e agências governamentais ucranianos (desativados pelos chamados ataques de negação de serviço, DDoS), aparentemente os russos foram vítimas da mesma arma na quinta-feira, com uma série de sites governamentais, incluindo o do Kremlin e o da Duma em baixo.

Segundo a NBC, o presidente norte-americano terá realizado uma reunião com especialistas sobre a possibilidade de realizar um ciberataque. De acordo com as fontes ouvidas, os planos estão concebidos para perturbar mas não para destruir, não podendo ser classificado como um ato de guerra por parte dos Estados Unidos contra a Rússia. "A nossa resposta será dura e ponderada, mas não tão severa a ponto de encorajar Putin a tomar medidas mais drásticas", disse um funcionário norte-americano. Joe Biden ainda não terá decidido se avançará com tal ataque, que poderá passar por sabotar as ligações da internet na Rússia, avançar com um apagão elétrico, ou forçar a paragem do sistema ferroviário para atrasar a capacidade de reabastecimento do país.

Da Rússia não saíram só tanques e soldados e discursos ameaçadores. Milhares de pessoas manifestaram-se em várias cidades contra o autocrata e a sua decisão de empreender uma invasão. "Não à guerra", gritaram algumas entre as centenas de pessoas nas ruas de Moscovo que se juntaram apesar da tentativa da polícia em reprimir. Segundo dados da organização não governamental OVD-Info, terão sido detidas 1300 pessoas.

Movimento de tropas

Washington relata movimentos invulgares de tropas russas perto da fronteira ucraniana no dia 10 de novembro. Em 28 de novembro, a Ucrânia diz que a Rússia está a reunir quase 92 mil soldados para uma ofensiva no final de janeiro ou início de fevereiro. Moscovo não só nega como ainda acusa Kiev do que foi acusado, exigindo "garantias legais" de que nunca irá aderir à NATO.

Exigências de Moscovo

O presidente dos EUA ameaça no dia 7 de dezembro o homólogo russo com "fortes medidas económicas e outras" se invadir a Ucrânia. Dez dias mais tarde, Moscovo apresenta propostas para limitar a influência dos EUA e da NATO sobre os antigos estados soviéticos e da cortina de ferro.

Manobras militares

Tropas russas começam a chegar à Bielorrússia no dia 17 de janeiro para exercícios militares, que, segundo Moscovo, têm por objetivo "impedir uma agressão externa". As manobras começam no dia 10 de fevereiro e são 10 dias de manobras militares, depois de a Rússia fazer outras no sul do países e na anexada Crimeia.

Aliados respondem

A NATO coloca tropas em alerta e envia navios e caças para reforçar as defesas orientais da Europa no dia 24 de janeiro. Dois dias depois, Washington e Bruxelas respondem às exigências de Moscovo, que consideram "irrealistas", e apelam para o diálogo.

Falsa partida

Moscovo diz que algumas das suas forças estão a regressar às bases no dia 15 de fevereiro. Mas a NATO não vê sinais de retirada e Washington afirma que a Rússia está, de facto, a enviar reforços. Dois dias depois a violência recrudesce na linha da frente das regiões ucraniana apoiadas pela Rússia e o chefe da diplomacia dos EUA acusa os russos de "falsas provocações" para justificar uma ação militar.

Diplomacia falha

A 19, no mesmo dia em que o presidente ucraniano Zelensky propõe uma reunião com Putin, que este rejeita, os EUA dizem que a Rússia está "à beira" de invadir a Ucrânia. Também uma cimeira anunciada pelo francês Macron dois dias depois entre Putin e Biden não sai do papel.

Putin mostra o jogo

Na terça-feira, depois de a Duma ter aprovado uma moção nesse sentido, Putin reconhece Donetsk e Lugansk como independentes. Mais tarde ordena a entrada de tropas no leste da Ucrânia numa missão de "manutenção da paz".

"Operação militar especial"

Enquanto o Conselho de Segurança das Nações Unidas debate a ameaça russa, num órgão presidido de momento por Moscovo, Putin anuncia num discurso na TV uma "operação militar especial" na Ucrânia que visa a "desmilitarização" daquele país, mas não a sua ocupação, declara, perante uma larga condenação internacional.

César Avó | Diário de Notícias

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