domingo, 8 de maio de 2022

DIREITOS HUMANOS - As Distracções do Departamento de Estado -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Departamento de Estado norte-americano publica todos os anos um relatório sobre Direitos Humanos. Este ano, em Fevereiro, o documento foi tornado público. Quem sabe ler poder verificar críticas ao governo da Ucrânia e ao seu presidente, Zelensky. Leiam que se faz tarde. O documento sobre o ano de 2021 cobre os direitos humanos no mundo.

O Departamento de Estado garante que Na Ucrânia há “execuções extrajudiciais e tortura”.  O documento repete críticas anteriores às autoridades ucranianas, como “tratamento cruel de detidos por agentes da ordem, condições prisionais duras e ameaçadoras, detenções arbitrárias e problemas graves com a independência do Poder Judicial”. Querem saber mais sobre a Ucrânia, segundo a douta opinião do Departamento de Estado? Aí vai: “Existe violência com base no género ou orientação sexual, antissemitismo, e contra pessoas com deficiência ou de grupos étnicos minoritários, bem como as piores formas de trabalho infantil”.

Leiam mais este mimo sobre o país do presidente Zelensky: “O Governo não tomou medidas adequadas para perseguir ou punir a maioria dos funcionários que cometeram abusos, resultando num clima de impunidade”. 

O Departamento de Estado dos EUA, no seu Relatório Sobre Direitos Humanos no Mundo, recentemente divulgado em Washington, acusa também o Governo Angolano. Uma versão fantasiosa da situação em Angola, pintada pelos sicários da UNITA, pelo patarata Filomeno Vieira Lopes, do Bloco do Reumático, e o agente da BRINDE (polícia política do Galo Negro) Abel Chivukuvu.

Aqueles senhores do Departamento de Estado são muito distraídos. Mas eu só me distraio à frente de uma botelha de um bom tinto da minha idade. A organização norte-americana Mapping Police Violence denunciou que polícias dos EUA mataram 1.152 pessoas e destas, mais de 40 por cento eram negros. Uma longa história de violência policial. Vamos começar no ano de 2013. A polícia dos EUA matou 1.140 pessoas e em 2014, 1.172 também foram assassinadas pelos agentes policiais. Em 2015, o número chegou aos 3.000. Damos um salto para 2021 e o resultado são 1500 mortos, a maioria negros.  

Um alerta: A organização norte-americana Mapping Police Violence apenas contabilizou as mortes nos 60 maiores departamentos policiais dos EUA. Em 14 desses departamentos, apenas foram assassinados cidadãos negros.

Em Madison, Wisconsin, um polícia assassinou a tiro Tony Robinson, de 19 anos. Sucederam-se manifestações de repúdio em vários estados e cidades dos EUA. A tensão racial subiu ao rubro. O jovem era negro. As manifestações em várias cidades dos EUA foram violentamente reprimidas pela polícia, que espancou e prendeu milhares de manifestantes. O Departamento de Estado ficou em silêncio.

A lista de assassinatos é longa, mas vamos avivar a memória do Departamento de Estado, com os que causaram mais repúdio dos cidadãos, que acusam a polícia dos EUA de racismo, um crime contra a Humanidade.

Freddie Gray, 25 anos, foi espancado pela polícia, até à morte, em Baltimore. Os assassinos nem sequer foram acusados. Walter Scott, 50 anos, vendedor ambulante em North Charleton. Invectivado pela polícia, assustou-se e fugiu. Um agente disparou oito tiros nas costas da vítima. Nada aconteceu ao assassino. Anthony Hill, 27 anos, militar da Força Aérea, na cidade de Atlanta. Começou a sofrer de perturbações mentais e um dia saiu para a rua sem roupa. Um polícia abateu-o com dois tiros num parque de estacionamento.

Mais casos de racismo. António Martin, 18 anos, morto a tiro em Berkeley, St. Louis. Fugiu da polícia e foi crivado de balas. Michael Brown, 18 anos, assassinado com dois tiros na cabeça em Ferguson, Missouri. As suas últimas palavras foram abafadas pelos disparos: “estou desarmado, não me matem!”. 

Este caso foi a gota de água que fez transbordar a indignação da comunidade negra. Milhares de norte-americanos fizeram manifestações de protesto em 170 cidades de 37 Estados. Na época, o presidente Obama teve que lançar água na fervura. A tensão racial subiu perigosamente. Milhares de manifestantes foram presos e violentamente espancados pela polícia. O Grande Júri absolveu os polícias assassinos, por falta de provas.

Mas isto ainda é pouco. Kajieme Powell, 25 anos, assassinado por dois polícias em St. Louis, alegadamente porque empunhava um canivete. Foi atingido com 12 tiros! O chefe da polícia da cidade declarou fleumaticamente que os seus agentes “agiram segundo o protocolo”. John Crawford, 22 anos, assassinado em Beaver Creek, Ohio. Estava num centro de diversão, a fazer tiro ao alvo com uma espingarda de pressão de ar. Agentes à civil mataram-no com dois tiros na cabeça e prenderam a namorada sob a acusação de estar embriagada. O Grande Júri não acusou os assassinos por falta de provas.

Eric Garner era vendedor de tabaco em Stanten Island, Nova Iorque, como os nossos miúdos da  António Barroso ou do Largo do Kinaxixi. Um polícia à civil aproximou-se sorrateiramente pelas costas, fez-lhe uma kapanga, apertou, apertou e Eric morreu asfixiado. O agente assassino foi julgado e absolvido.

Kimani Gray, 16 anos, assassinado em Brooklyn quando convivia com um grupo de amigos. Polícias à civil atacaram os jovens e dispararam a matar contra Gray, quando fugia do local. Os polícias alegaram que estava armado. Foi provado que era mentira. Mesmo assim, os assassinos foram absolvidos.

Jonathan Ferrel, 24 anos, jogador de futebol americano na Universidade de Agricultura e Mecânica da Flórida. Ia para casa, na cidade de Charlotte, quando foi cercado por agentes policiais, que o confundiram com um jovem que andava a fazer desacatos no bairro. Os polícias abateram-no com sete tiros! A polícia considerou este caso “infeliz”.  Os assassinos estão na maior e continuam a matar negros.

Trayvon Martin, 17 anos, assassinado pela polícia de Stanford, na Flórida. O crime causou indignação em todo o país. Mais manifestações de protesto. Milhares de manifestantes presos e espancados. O processo judicial foi arquivado, porque ninguém encontrou provas de que os polícias tivessem agido por ódio racial.

Kendrec McDade, 19 anos, estudante universitário, assassinado em Pasadena, Califórnia. Foi confundido com alguém que roubou uma mochila. Oscar Grant, 23 anos, viajava de Metro em Nova Iorque. Houve uma rixa dentro da carruagem em que seguia. Agentes da polícia dispararam sobre ele à queima-roupa. O agente suspeito da sua morte, Johannes Mehserle, levou dois anos de prisão e foi libertado ao fim de alguns meses. Sean Bell, assassinado pela polícia em Queens, Nova Iorque, no dia do seu casamento. Estava no sítio errado, isto é, cruzou-se com polícias à paisana que perseguiam um suspeito.

Amadou Djallo, guineense de Conakri, foi para os EUA experimentar o sonho americano. Era vendedor ambulante no Bronx. Quando viu chegar um forte contingente policial, tentou fugir para o seu apartamento, mesmo em frente ao local onde estava a vender. Os agentes Sean Carrol e Edward McMellon dispararam, cada um, 16 tiros contra Amadou. O agente Kenneth Bosss disparou cinco tiros. E o agente Richard Murphy fez quatro disparos contra o guineense. Foram todos absolvidos num Tribunal de Albany, Nova Iorque.

Vou acabar a lista de terror com o assassinato George Floyd. O estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) não me deixa respirar. Mas eu insisto.

O Departamento de Estado quer que os nossos Tribunais tenham o mesmo comportamento dos antros dos EUA apelidados de tribunais. Ou quer que enviemos os condenados para Guantánamo. Mas isso nunca. Os nossos presos ficam no seu país, em penitenciárias com as condições possíveis mas onde não são sodomizados, espancados nem torturados, como acontece em tantas penitenciárias dos EUA.

O Departamento de Estado tem razão. Na Ucrânia há “execuções extrajudiciais e tortura (...) tratamento cruel de detidos por agentes da ordem, condições prisionais duras e ameaçadoras, detenções arbitrárias e problemas graves com a independência do Poder Judicial (...) Existe violência com base no género ou orientação sexual, antissemitismo, e contra pessoas com deficiência ou de grupos étnicos minoritários, bem como as piores formas de trabalho infantil (...) O Governo não tomou medidas adequadas para perseguir ou punir a maioria dos funcionários que cometeram abusos, resultando num clima de impunidade”. 

O paraíso da União Europeia, da OTAN (ou NATO) e do estado terrorista mais perigoso do mundo também é dirigido por nazis. Mas isso são trocos!

*Jornalista

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